Opinião e Análise

Cássio Casagrande

Começaram na última quinta-feira (9) e prosseguem nesta semana as audiências públicas do comitê da Câmara dos Representantes dos EUA designado especialmente para investigar a invasão do Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021. Os parlamentares não estão apenas investigando os atos de violência que ocorreram nesta data, mas todas as circunstâncias que levaram à criminosa invasão do edifício do Congresso dos Estados Unidos. E o fio da meada, evidentemente, é a negativa dos participantes em reconhecer o fato de que Joe Biden foi eleito nas eleições de novembro de 2020.
O comitê já anunciou algumas conclusões, sendo a principal delas a de que Donald Trump criou de forma “ilegal e inconstitucional” um plano de sete etapas para permanecer no poder mesmo contra o resultado das urnas. E que ao agir segundo esse plano, o ex-presidente incorreu nas condutas de conspiração para cometer fraude e de obstrução dos trabalhos do Congresso.
Trump está sendo acusado pelos membros do comitê de ter mentido ao país sobre o resultado das eleições, mesmo depois que seus auxiliares diretos, incluindo William P. Barr, o procurador-geral do país, lhe disseram que nenhuma das alegações de fraude eleitoral procedia, e que Biden era o legítimo vencedor do pleito presidencial. O ex-presidente também é acusado de ter pressionado autoridades estaduais e federais, congressistas e o próprio vice-presidente à época, Mike Pence, a negar a legitimidade da eleição de Biden. Além disso, para os membros da comissão, Trump incitou grupos extremistas a atos de violência e não fez nenhum esforço para dissuadi-los quando a invasão do Capitólio começou.
O depoimento de Barr parece ter sido um dos mais relevantes até o momento. Ele afirmou que, quando disse ao presidente e sua equipe que as alegações de fraude nas eleições eram loucuras, ninguém acreditava nos fatos e Trump parecia descolado da realidade. Trump obrigou o Departamento de Justiça a investigar alegações das mais estapafúrdias, como a de que um caminhão levou milhares de cédulas de Nova York para serem contadas na Pensilvânia (as cédulas são diferentes em cada estado), de que máquinas apuradoras em Michigan tinham um erro de 68% (era 0,00063), de que cédulas falsas teriam sido introduzidas na Geórgia ou a de que milhares de mortos estariam votando na Filadélfia (o que rendeu ameaças de morte ao oficial responsável pela eleição).
A deputada Liz Cheney (republicana do Wyoming), ao iniciar a sessão do comitê nesta segunda-feira (13), destacou que uma das testemunhas, Jason Miller, que na época trabalhou como advogado do ex-presidente, informou que Trump foi aconselhado por todos os assessores a não proclamar vitória na noite da eleição, já que não havia condições ainda de se determinar o vitorioso, mas que o ex-presidente decidiu fazê-lo ouvindo apenas o ex-prefeito de Nova York Rudy Giuliani, que estava com sinais evidentes de embriaguez na ocasião.
Novos elementos devem ser revelados pelo comitê da Câmara ao longo desta semana, mas o que já se divulgou até agora parece suficiente para permitir um indiciamento de Trump. A comissão parlamentar, tal como ocorre no Brasil, pode investigar, mas não tem poderes de incriminar formalmente o ex-presidente. O comitê poderá (e certamente o fará) encaminhar o relatoria ao attorney general, que poderá colher mais elementos, arquivar a representação ou propor a ação penal.
Muitos acreditam até que considerações de ordem política poderão pesar na decisão do atual procurador-geral, Merrick Garland, que para muitos críticos é excessivamente moderado. Um processo contra Trump neste ano eleitoral pode colocá-lo na posição de perseguido político e vítima de uma vingança dos democratas. É importante observar que no sistema americano a procuradoria-geral integra o Poder Executivo, sendo o seu titular designado diretamente pelo presidente; o órgão não se assemelha à figura do nosso procurador-geral da República, que possui maior grau de independência – ao menos na letra da Constituição.
Por tudo isso, ainda é cedo para dizer se Trump passará algum tempo atrás das grades. Os EUA têm uma tradição de preservar os ex-presidentes, para manter a incolumidade da imagem da Presidência, bastando lembrar que Richard Nixon foi agraciado com perdão presidencial por Gerald Ford e que Bill Clinton fez um generoso plea bargain com a promotoria para pagar US$ 25 mil por ter mentido em juízo (perjúrio).
Independentemente do que acontecerá a partir da apresentação do relatório do comitê especial da Câmara, certo é que este processo deveria servir de alerta ao presidente <a href="https://www.jota.info/eleicoes/jair-bolsonaro-a-trajetoria-militar-e-politica-do-presidente-que-busca-a-reeleicao-13052022">Jair Bolsonaro</a>, que está, a vista de todos, tentando seguir o “manual” escrito por Donald Trump para questionar o resultado das eleições, alegar fraude e não reconhecer o efetivo vencedor, levando o país a um clima de tumulto e violência, justificador de deslegitimação institucional. Atos atentatórios à vontade da maioria expressa nas eleições devem ter severas consequências em uma democracia. Ou deveriam tê-las, aqui ou nos EUA.

capitols

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JOTA

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