Na semana que passou, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) julgou um caso emblematicamente importante para nossa democracia, especialmente nesta era de polarização e radicalização. Pela primeira vez, a mais alta corte trabalhista do país se pronunciou sobre uma prática nefasta que certos empregadores promoveram na última eleição, o assédio eleitoral.
Todos lembram o papelão a que se prestou o empresário Luciano Hang, caricato e grotesco velhote-propaganda do bolsonarismo. O dono das lojas Havan exigiu que os empregados da sua empresa se vestissem com as cores da campanha do candidato que apoiava, reuniu-os em assembleias para incitá-los a votar em quem ele achava ideal e, pior, ameaçou-os com a perda do emprego caso o candidato adversário vencesse as eleições. Tudo foi filmado e circulado em redes sociais.
O caso apreciado pelo TST foi ajuizado por um trabalhador de uma filial da empresa em Jaraguá do Sul (SC), que se sentiu constrangido com o assédio eleitoral. A resposta do tribunal foi dura, comme il fault. O ministro relator, Alberto Balazeiro, em feliz analogia, comparou a conduta do empresário às práticas mais nefandas do coronelismo, sistema que, surgido na República Velha, subtraía o direito de livre escolha dos eleitores pobres mediante coerção social e econômica.
De fato, a prática do assédio empresarial eleitoral é uma forma de coronelismo aggiornato, agora transladado para o mundo urbano e moderno – as vítimas, tal como dantes, são os trabalhadores economicamente dependentes. Quem duvidar da correta correspondência deve ler o clássico Coronelismo, enxada e voto, de Victor Nunes Leal, ministro do STF cassado pela ditadura.
No voto do relator, o assédio eleitoral foi corretamente enquadrado como abuso do poder diretivo do empregador, ou seja, uma forma de abuso de direito vedada pelo Código Civil, que o classifica como ato ilícito. Em feliz passagem, o ministro Balazeiro lembrou que a tentativa de capturar o voto do empregado “representa violência moral e psíquica à integridade do trabalhador e ao livre exercício de sua cidadania”.
E acrescentou: “Não há que se cogitar a existência de livre exercício da consciência política se o trabalhador está diante do temor de perder o emprego em um país como o Brasil, com 8,5 milhões de desempregados”. São lições que os advogados empresariais deveriam recortar e remeter a seus clientes.
Deve-se observar que não são apenas ações explícitas de incitamento e ameaça, como as desvairadamente praticadas por Hang, que caracterizam o assédio eleitoral. Condutas aparentemente mais sutis, como a promoção de “festas da firma” com a participação de candidatos, visitas destes a estabelecimentos em horário de trabalho, distribuição de santinhos junto com cestas básicas, entre outras, também são atos patronais que podem caracterizar o abuso do direito potestativo empregador sobre a liberdade política de seus empregados.
A se lamentar, apenas, o valor ínfimo da condenação por dano moral fixada pela Justiça do Trabalho no caso de Jaraguá do Sul: R$ 8.000 para o trabalhador que teve sua liberdade política malferida (ressalte-se que o quantum foi estabelecido pela instância inferior e não pelo TST). A Justiça do Trabalho precisa fixar indenizações que efetivamente tenham efeito pedagógico, cujo montante guarde proporção à dimensão econômica da empresa e à gravidade do ato.
Por fim, ressalte-se que também a Justiça Eleitoral precisa atuar nesses casos, multando as empresas que praticam o assédio eleitoral e punindo os candidatos que dela se beneficiam, já que essa conduta, especialmente em hipótese como a do caso Havan, em que foram distribuídas camisetas com fim de propaganda, caracterizam doações eleitorais não declaradas. Esse enquadramento do assédio eleitoral como verba de campanha oculta é assente no direito americano, conforme já mencionei em artigo anterior sobre o tema.
Por fim, deve se destacar que o Ministério Público do Trabalho (MPT), que atuou fortemente contra o assédio eleitoral nas últimas eleições presidenciais, firmou recentemente acordo de cooperação com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para incrementar e aperfeiçoar o combate a essa prática malsã para a nossa jovem democracia. 