Ana Luiza Calil
Doutora em Direito Administrativo (USP). Assessora especial no Supremo Tribunal Federal. Pesquisadora do UERJ Reg. Cofundadora do Projeto Mulheres na Regulação. Supervisora de field projects na FGV Direito Rio
Os números da diversidade de gênero em diferentes setores da indústria não são uniformes. Enquanto na área de saúde, por exemplo, a presença feminina é mais elevada, em outros há um reduzido número de mulheres em posições de liderança e senioridade. É o caso da área de energia e, mais especificamente, o setor de óleo e gás, como aponta artigo do Fórum Econômico Mundial (WEF). São citados dados históricos[1], específicos da indústria, em que o setor é o último classificado no critério de igualdade de gênero – mulheres representam apenas 22% da força de trabalho total.
Apesar dos benefícios da redução das desigualdades à inovação, reconhecidos por pesquisas científicas especializadas[2], dados mais recentes indicam a permanência do baixo percentual na indústria do óleo e gás. Mais que isso, dados de 2022 apresentam cenários alarmantes, como o fato de que metade das 20 maiores empresas da indústria não têm nenhuma mulher em seus times a nível executivo[3].
O Brasil não foge à regra. O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), no âmbito do Comitê de Diversidade, reconhece a desigualdade de gênero e a ausência de oportunidades para mulheres, em comparação aos homens da indústria[4], no setor privado. Dentre os números levantados pelo IBP, junto às 48 empresas que participam das iniciativas do comitê, as mulheres representam menos de 15% dos cargos executivos.
Já do ponto de vista público-institucional, o cenário não é diferente. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), uma das entidades protagonistas do setor no país, segue o padrão da baixa representatividade de mulheres em cargos de liderança. Na Reunião de Diretoria Colegiada 1119, realizada em 20 de junho de 2023, foi destacado pela diretora Symone Araújo que de “28 superintendências, apenas 4 têm superintendentes mulheres”. Ela destacou que um dos seus objetivos é melhorar esse cenário até o final de seu mandato, em 2027.
A fala da diretora considerou as 21 superintendências da ANP e outras 7 unidades operacionais (Auditoria, Corregedoria, Procuradoria, Inteligência, Gabinete, Ouvidoria e o Núcleo de Fiscalização da Produção), conforme informações públicas constantes do organograma da agência. Isso significa dizer que apenas 14% dos cargos de liderança na ANP são ocupados por mulheres – o que está pareado aos 15% de mulheres executivas nas empresas, mencionado acima.
No âmbito das agências reguladoras federais, incluindo não só a ANP, a representatividade das mulheres nas diretorias também é inferior a 15%, apesar de representarem 35% da força de trabalho das entidades. Tal percentual é menor, inclusive, que os 36% de participação feminina em cargos de liderança em toda a administração pública, conforme dados oficiais do perfil de lideranças do governo federal.
Na Diretoria Colegiada da ANP, a diretora Symone Araújo é a única mulher na composição – que inclui um diretor-geral e mais quatro diretores, nos termos do Decreto 2.455/1998. A nomeação dos diretores é realizada pelo presidente da República, após aprovação do Senado, para cumprir mandatos de quatro anos, não coincidentes. Na ANP, a próxima vacância ocorrerá no final deste ano, com o encerramento do mandato de Cláudio Jorge de Souza, em 21 de dezembro.
O baixo grau de diversidade nas superintendências pode afetar a indicação de uma nova mulher como diretora. Pela sistemática da Lei 9.986/2000 e da Portaria ANP 171/2023, anteriormente ao período de vacância do cargo de diretor são elaboradas as chamadas listas de substituição. Elas devem ser formadas por três servidores da agência, ocupantes dos cargos de superintendente, gerente-geral ou equivalente hierárquico, escolhidos e designados pelo presidente da República.
A indicação ao presidente deve ser feita pela Diretoria Colegiada da ANP. Segundo a Portaria ANP 171/2023, os servidores da ANP, para indicação, devem ser ocupantes do cargo comissionado de Gerência Executiva CGE-I. No processo, cada diretor indica, entre os servidores elegíveis, nove nomes para a composição da lista de substituição a ser encaminhada, inicialmente, para a Superintendência de Governança e Estratégia (SGE), que tem a atribuição de consolidar os nomes e submetê-los à Diretoria Colegiada.
A última lista tríplice aprovada, em nível presidencial, teve sua vigência iniciada em 31 de janeiro de 2022, por um período de dois anos – ou seja, sua expiração já está próxima. Dentre os três nomes da lista atual, há apenas uma mulher: Marina Abelha (atualmente superintendente de Promoção de Licitação). Isso quer dizer que, para a elaboração da nova lista tríplice, estão à disposição para indicação apenas três mulheres, dentre as quatro elegíveis, já que o nome de Marina não pode ser novamente indicado.
Na história recente da ANP, uma mulher já deixou de ser indicada para ocupar uma cadeira da Diretoria Colegiada. Em 2020, a vaga hoje ocupada pelo diretor Cláudio Jorge de Souza seria ocupada por Tabita Loureiro. Ela foi sabatinada e aprovada na Comissão de Infraestrutura do Senado em 2020, mas sua indicação não foi levada para votação em plenário. Recentemente, Tabita foi nomeada diretora técnica na Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA).
Outro caso foi o da especialista da ANP Heloisa Borges Esteves, que desde maio de 2020 ocupa a Diretoria de Estudos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis na Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Junto com o caso de Tabita, é possível dizer que houve uma valorização externa de mulheres da ANP. Por conta disso, é importante destacar a necessidade de haver, na própria agência, um fomento às lideranças femininas.
Na mesma linha do que vem ocorrendo no cenário global de óleo e gás, a ANP deve ter em conta a importância da promoção da diversidade em seus quadros, sendo necessária a publicização e ampliação do debate. Caso fosse indagado aos reguladores da ANP para que fossem indicadas mulheres para assumir uma vaga de diretora na agência, certamente múltiplos nomes se repetiriam. A possibilidade de mudança está no horizonte da agência, que tem a faca e o queijo na mão para impulsionar uma maior diversidade institucional em seus quadros de liderança.
[1] WEF Forum’s Industry Gender Gap Report (2016).
[2] Por exemplo, v. Dai, Y., Byun, G., & Ding, F. (2019). The Direct and Indirect Impact of Gender Diversity in New Venture Teams on Innovation Performance. Entrepreneurship Theory and Practice, 43(3), 505–528.
[3] Dados consolidados por Catalyst e publicados em 31 de maio de 2022, na pesquisa “Women in Energy (Quick Take)”. Disponível em: https://www.catalyst.org/research/women-in-energy-gas-mining-oil/
[4] IBP, Igualdade de gênero ainda é desafio para o setor de óleo e gás. Disponível em: https://www.ibp.org.br/noticias/igualdade-de-genero-no-setor-de-oleo-e-gas/.