Opinião e Análise

Natasha Salinas

Desde o mês de maio passado, os servidores da Agência Nacional de Mineração (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/anm">ANM</a>) têm promovido <a href="https://www.correiobraziliense.com.br/economia/2023/05/5095157-por-concursos-e-reajuste-servidores-da-mineracao-paralisaram-atividades.html">paralisações</a> temporárias com o objetivo de ver atendidas uma série de reivindicações, que vão desde reestruturação administrativa do órgão, equiparação salarial com funcionários das demais agências reguladoras, bem como a abertura de concursos para preenchimento de cargos desocupados. Segundo <a href="https://www.asanm.org.br/">entidade representativa dos servidores da agência</a>, o pedido de equiparação salarial dos funcionários da ANM com os das demais agências reguladoras federais geraria um <a href="https://congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/servidores-da-agencia-nacional-de-mineracao-mantem-paralisacoes/">impacto orçamentário de R$ 59 milhões por ano</a>.
O argumento utilizado pelos funcionários da ANM para reivindicar aumento das despesas da agência, além da inquestionável necessidade de fortalecer a estrutura administrativa do órgão para fiscalizar a atividade minerária cujos riscos socioambientais são notoriamente conhecidos, é de ordem econômica: a agência arrecada mais do que gasta, de modo que investir no seu fortalecimento e na sua capacidade institucional seria uma medida racional. No último quadriênio, a média anual de receitas próprias da ANM foi de R$ 680 milhões, sendo que, para o mesmo período, as despesas autorizadas e empenhadas (gastas) foram, respectivamente, de R$ 415 milhões e R$ 394 milhões.
A Fundação Getulio Vargas já produziu importantes análises <a href="https://ceri.fgv.br/publicacoes/autonomia-financeira-das-agencias-reguladoras-dos-setores-de-infraestrutura-no-brasil">econômicas</a> e <a href="https://direitorio.fgv.br/conhecimento/autonomia-financeira-das-agencias-reguladoras">jurídicas</a> sobre a autonomia financeira das agências - um dos pilares para caracterizá-las como autarquias em regime especial. No entanto, o projeto <a href="https://regulacaoemnumeros-direitorio.fgv.br/">Regulação em Números</a>, da FGV Direito Rio, no qual atuo como pesquisadora e coordenadora acadêmica, iniciou <a href="https://regulacaoemnumeros-direitorio.fgv.br/post/projeto-regulacao-em-numeros-lanca-projeto-de-pesquisa-sobre-orcamento-das-agencias-reguladoras">pesquisa empírica</a> para realizar uma análise agregada (envolvendo todas as agências reguladoras), detalhada (analisando as especificidades de cada agência), e completa (abarcando um marco temporal extenso).<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Até o presente momento, o projeto reuniu dados sobre as despesas orçamentárias das agências nos últimos 22 anos (de 2001 a 2022) e das receitas orçamentárias para um período de 13 anos (de 2010 e 2022).
Um dado sobressalente é o de que, nos últimos dois quadriênios, a média anual das receitas próprias geradas pelas agências anualmente tem se mantido estável, gravitando em torno dos R$ 11 bilhões desde 2015<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Por outro lado, a média das despesas efetivamente gastas (empenhadas) pelas agências vem decrescendo. A média anual das despesas totais das agências no quadriênio de 2015-2018 foi de R$ 6,01 bilhões, ao passo que este valor caiu para R$ 4,93 bilhões no último quadriênio (2019-2022).
Todas as agências, sem exceção, sofreram queda nas despesas com pessoal entre o último quadriênio (2019-2022), em que o valor médio de gastos obrigatórios com pessoal foi de R$ 3,15 bilhões ao ano, e o quadriênio anterior (2015-2018), em que se gastou R$ 3,52 bilhões com servidores. Mas a queda nas despesas das agências é maior nas despesas discricionárias. O valor gasto com essa categoria de despesas foi em média de R$ 1,4 bilhões em 2021 e 2022, sendo estes os menores valores desde 2010. Ou seja, a queda nas despesas discricionárias, que abrange outras despesas correntes, investimentos e transferências voluntárias das agências, é muito mais acentuada do que a queda de despesas com pessoal, que possui natureza obrigatória.
Gráfico 1: Receitas e despesas das agências reguladoras por quadriênio (média anual)
[caption id="attachment_443656" align="aligncenter" width="1663"]<img class="wp-image-443656 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/07/grafico1.png" alt="" width="1663" height="673" /> Fonte de todos os gráficos: elaboração própria a partir da base de dados do Regulação em Números[/caption]
A queda nas despesas orçamentárias das agências, que pode ter sido impactada por crises econômicas recentes, pelo teto constitucional de gastos, e por decisões governamentais de contingenciar receitas arrecadadas pelas agências (ver comentário abaixo), entre outros fatores, é preocupante por diversos aspectos. Uma queda constante e gradual nas despesas com pessoal das agências pode implicar menor capacidade dessas entidades para cumprir as funções normativas, fiscalizatórias e sancionadoras que lhes cabem.
Servidores de agências que não recebem a remuneração adequada podem se sentir desmotivados, ao passo que órgãos com número insuficiente de servidores não desempenharão adequadamente suas múltiplas funções regulatórias, colocando, assim, pessoas direta ou indiretamente afetadas pela regulação em situação de risco (os riscos envolvendo regulação da atividade minerária, que inclui, dentre outras atividades, a fiscalização da atividade garimpeira e da segurança de barragens de mineração, falam por si).
No entanto, a queda nas despesas que não se enquadram na categoria “pessoal” pode despertar ainda maior preocupação. Uma diminuição de gastos com despesas correntes para administração da agência, investimentos e transferências voluntárias não prejudica apenas as atividades-meio das agências, mas sobretudo suas atividades-fim, comprometendo, em última instância, a realização dos objetivos das políticas regulatórias.
Gráfico 2: Despesas anuais das agências reguladoras por categoria
<img class="aligncenter wp-image-443660 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/07/grafico-2.png" alt="" width="1700" height="792" />
Um outro achado digno de nota é o de que as agências reguladoras têm aprimorado, ao longo do tempo, a execução de suas despesas orçamentárias. Enquanto que em 2001, 55% das despesas orçamentárias autorizadas pela Lei Orçamentária Anual eram empenhadas, em 2022, o percentual de despesas efetivamente empenhadas foi de 95%. Esses achados sinalizam aprimoramento da capacidade institucional das agências em questões orçamentárias.
Gráfico 3: Índice de Execução Orçamentária
<img class="aligncenter wp-image-443665 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/07/grafico-3.png" alt="" width="1700" height="792" />
Entre os anos de 2010 e 2022, a soma dos valores de todas as despesas orçamentárias das agências reguladoras federais foi da ordem de R$ 75,2 bilhões. No mesmo período, a soma dos valores líquidos das receitas orçamentárias das agências foi de R$ 179,5 bilhões. Nesse período, portanto, as agências reguladoras geraram R$ 104,3 bilhões de saldo positivo aos cofres públicos.
Durante todo o período analisado (2010-2022), 5 das 11 agências reguladoras gastaram mais do que arrecadaram: ANA (saldo devedor de 25,6%), Anac (saldo devedor de 33,1%), Antaq (saldo devedor de 35,2%), Anvisa (saldo devedor de 45,9%) e Ancine (saldo devedor de 98,4%). Os fatores que contribuíram para esse saldo negativo variam de agência para agência, mas não são exclusivamente atribuídos a gastos com pessoal, que representam, em média, 59% do orçamento dessas agências. A ANA, por exemplo, gasta ligeiramente mais do que arrecada em razão das transferências obrigatórias e voluntárias de recursos que realiza para Estados, Municípios e entidades sem fins lucrativos.
Anatel, Aneel e ANP são as agências com maior arrecadação. Entre 2010 e 2022, a Anatel arrecadou R$ 73,3 bilhões, equivalente a oito vezes o valor efetivamente gasto (R$ 9,1 bilhões). Já Aneel e ANP arrecadaram, respectivamente, R$ 35,4 bilhões e R$ 22,9 bilhões, cerca de 7 vezes e 3 vezes o valor das despesas efetuadas (respectivamente, R$ 4,83 bilhões e R$ 7,95 bilhões).
Gráfico 4: Receitas e despesas das agências reguladoras federais (em R$ milhões)
<img class="aligncenter wp-image-443672 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/07/grafico-4.png" alt="" width="1700" height="792" />
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Gráfico 5: Receitas e despesas por agência, 2010-2022 (em R$ milhões)
<img class="aligncenter wp-image-443671 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/07/grafico-5.png" alt="" width="1700" height="792" />
Embora, como visto, o valor médio anual de todas as receitas geradas pelas agências tem se mantido estável, houve uma mudança nas fontes que mais contribuíram para essa geração de receita. Há uma tendência consistente de queda nas receitas tributárias nos últimos anos. As receitas tributárias, que nos quadriênios de 2011-2014 e 2015-2018 eram a principal fonte de receita das agências, no quadriênio de 2019-2022 representaram apenas 23% da média anual dos recursos arrecadados pelas agências, menos da metade do percentual arrecado com receitas patrimoniais. Já a categoria “outras fontes de receita”, na qual se encontram valores arrecadados por meio da cobrança de multa, cresceram no último quadriênio.
Gráfico 6: Receitas anuais das agências reguladoras por categoria (em R$ milhões)
<img class="aligncenter wp-image-443670 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2023/07/grafico-6.png" alt="" width="1700" height="1017" />
Estes são apenas alguns achados de pesquisa iniciais, que serão cuidadosamente analisados nos próximos meses pelo projeto Regulação em Números. Contemplamos, inclusive, analisar futuramente o impacto do contingenciamento dos recursos arrecadados pelas agências, utilizados para outras finalidades não regulatórias como a composição de reservas. Por ora, observamos apenas que, no agregado, as agências reguladoras geram recursos suficientes para arcar com as despesas necessárias para implementar a contento suas políticas regulatórias, de modo que suas reivindicações de ordem financeiro-orçamentárias devem ser cuidadosamente analisadas.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Caio Assumpção Silva, bolsista do Programa Nacional de Pós-Doutorado da Capes vinculado ao projeto Regulação em Números, coletou e organizou os dados orçamentários das agências, bem como produziu os achados preliminares apresentados neste texto.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Todos os valores apresentados nesta pesquisa foram atualizados pelo IPCA, índice oficial da inflação.

Economia, Moeda Real,Dinheiro, Calculadora

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JOTA

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