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Para cada problema uma lei

Intervenção estatal excessiva impacta o crescimento econômico, bem como a efetividade de direitos fundamentais

Imagem: Pixabay

Se todos os problemas econômicos e sociais fossem resolvidos na base da lei e da regulação, o Brasil seria o país mais seguro, ordenado e promissor do planeta. Só que não. No mesmo sentido, há uma “anedota interna” nos cursos de pós graduação stricto sensu em Direito no Brasil que diz que tudo acaba sempre, em dissertações e teses, no princípio da dignidade humana. De fato, assim parece determinar a Constituição, mas a contar pelos milhares de exemplares de trabalhos acadêmicos produzidos nos últimos 30 anos, que propõem soluções de lege ferenda para os principais anseios brasileiros, em confronto com a realidade indissimulável do nível de efetivação dos direitos sociais por aqui, essa não é a saída segura.

O fato é que há quase um consenso contemporâneo acerca das afirmações de que: i) vive-se um cenário de crise política, econômica e institucional no Brasil; ii) experimenta-se um contexto de redução drástica da confiança da sociedade nas autoridades públicas; iii) observa-se uma queixa generalizada de excessivos entraves burocráticos no país e, igualmente, de inflação legislativa; e iv) o nível de realização dos direitos sociais encontra-se aquém do desejável. Entretanto, muito poucos são aqueles que reconhecem nesse diagnóstico um claro sintoma de um Estado grande, excessivamente regulador e regulamentador, o que, em contraponto, requer uma urgente e expressiva redução de seu tamanho.

A intervenção estatal excessiva, em especial pela via legislativa e regulatória, impacta o crescimento e o desenvolvimento econômico, bem como a efetividade de direitos fundamentais, na medida em que, em regra, é feita sem a devida análise e avaliação dos seus efeitos e do cenário regulatório já existentei. A ausência de planejamento e de avaliação prévia, somada à alta complexidade das questões sociais contemporâneas e às limitações intrínsecas de eficácia da solução legislativa em alguns casos resultam na implementação de políticas públicas inábeis a promover os direitos fundamentais.

Ademais, a totalidade das externalidades advindas da regulação raramente é considerada no processo político. É o caso dos gastos orçamentários do governo para sua implementação, os custos para o seu cumprimento, ambos a serem arcados pelos indivíduos e pelas empresas por meio da tributação, as barreiras à entrada de novos competidores e ainda os eventuais efeitos adversos gerados, que são difíceis de serem estimados,ii especialmente sem uma política de avaliação legislativa.

Observe-se, a propósito, que independentemente de opção político-ideológica governamental, procedimentos de avaliação de impacto são institucionalizados em diversos países do mundo enquanto etapa obrigatória do processo legislativo. Desenvolve-se, substancialmente, em muitos países democráticos, as técnicas de Legísticaiii, que, a seu turno, propõem o combate à inflação legislativa, assim como a observância de um método para repensar a produção legislativa e aumentar a sua qualidade. Trata-se, portanto, de refletir sobre a elaboração e o impacto da lei, propondo uma série de práticas e medidas a serem tomadas para se promover a simplificação e o planejamento legislativos.

Nas décadas de 1980 e 1990, propagaram-se políticas de boa legislação, em especial no cenário europeu, baseadas em duas vertentes: i) reforma do direito vigente, o que significou a revogação de inúmeros atos normativos obsoletos, desnecessários ou burocratizantes; ii) avaliação e planejamento prévios, concomitantes e posteriores à aprovação de novas leis. No Reino Unido, por exemplo, buscou-se a simplificação legislativa a partir da aprovação do Deregulation and Contracting Out Act, de 1994iv, e desde 2010 através do programa Red Tape Challenge que se baseia na colaboração entre sociedade, empresariado e governo para a revogação de regulações desnecessáriasv. Quanto à avaliação, adotam o Regulatory Impact Assessment – RIA, com práticas ex ante e ex post, desde 1998vi.

No Brasil, apesar da prodigalidade normativa, não se identifica um modelo sistemático e institucionalizado de avaliação legislativa. Bem verdade, as normas são geralmente aprovadas e/ou propostas a partir de análises parciais dos problemas que buscam solucionar e, não raro, a isso se acresce ainda alguma pitada de imediatismo, oportunismo, demagogia ou populismo.

A propósito do tema, observe-se encontrar-se em tramitação, na Câmara dos Deputados, o PLP 494/2018vii, que visa acrescentar, na Lei Complementar (LC) n. 95/98, disposições sobre avaliação prévia de impacto de políticas públicas. A proposta, a priori, parece alinhar-se à tendência de se pensar e racionalizar a produção legislativa, na medida em que se constata a limitação e insuficiência na criação de novas normas e/ou políticas públicas como forma de se garantir o desenvolvimento econômico e a consecução de direitos fundamentais. Entretanto, fiel à tese que se desenvolve neste texto, deve-se anotar que simplesmente criar mais uma norma para instituir a avaliação legislativa no país está longe de ser suficiente para os fins necessários. Basta constatar, a propósito, que a própria LC 95/98 estabelece uma série de regras para uma produção legislativa mais clara e compreensível, conforme ditames da Legística formal, e tem sido reiteradamente inobservada. O Decreto federal que implementa a LC 95/98 (atualmente o Decreto nº 9191/2017) apresenta um anexo com previsão de um mecanismo de checklist, isto é, uma lista com critérios e questões para se avaliar a pertinência de um novo ato normativo. Apesar da sua previsão, esse instrumento é muito pouco utilizado.

Segundo a melhor técnica, para que uma lei ou práticas regulatórias sejam legítimas e avaliadas como qualitativamente boas, é preciso que haja razões minimamente racionais que as sustentem, justamente pelo fato de que configuram uma limitação à liberdade humana, como, de resto, constitui toda norma jurídica. Especialistasviii indicam cinco níveis de racionalidade legislativa (linguística, sistemático-normativa, social, instrumental e axiológica), hábeis a construir normas mais efetivas e legítimas, que não representem mera intervenção estatal excessiva e despropositada.

Tudo isso passa ao largo das discussões sobre os problemas contemporâneos brasileiros. Às crises circunstanciais, o governo (o Executivo e o Legislativo) segue produzindo novas normas. E as pessoas seguem pedindo e apoiando novas normas. Só que esse remédio já foi testado sistematicamente ao longo dos últimos trinta anos. E o paciente continua gravemente enfermo.

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i Sobre o impacto da confiança no desenvolvimento econômico de um país, confira: COOTER, R. D.; SCHAFER, H. O nó de salomão: como o direito pode erradicar a pobreza das nações. Curitiba: CRV, 2017.

ii BLUNDELL, John; ROBINSON, Colin. Regulação sem o Estado. Rio de Janeiro: Instituto Liberal, 2000.

iii Para aprofundar os estudos em Legística, ver: DELLEY, J. Pensar a Lei: introdução a um procedimento metódico. Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, v. 7, n. 12, p. 101-143, jan./jun. 2004; SOARES, Fabiana de Menezes. Legística e Desenvolvimento: a qualidade da lei no quadro da otimização de uma melhor legislação. Revista da Faculdade de Direito da UFMG. Belo Horizonte, n. 50, p. 124-142, jan./jul. 2007.

iv CASTRO, A. V. J. Legística e Modelos de Avaliação Legislativa:
uma proposta para o aprimoramento da produção normativa municipal de Belo Horizonte. Assembleia de Minas. Disponível em: < https://www.almg.gov.br/export/sites/default/consulte/publicacoes_assembleia/obras_referencia/arquivos/pdfs/legistica/legistica_modelos.pdf>.

Sobre o ato normativo, ver: <https://www.legislation.gov.uk/ukpga/1994/40/contents>.

viii OLIVER-LALANA, A. Daniel. Rational lawmaking and legislative reasoning in parliamentary debates. In: WINTGENS, Luc. J. OLIVER-LALANA, A. Daniel (eds). The rationality and justification of legislation: Essays in Legisprudence. Suíça: Springer, 2013, p. 140, 156 e 159.

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