Opinião e Análise

Maria Alicia Lima Peralta

Direto do Vale do Silício, na Califórnia, a Singularity University promove o <a href="https://www.su.org/executive-program">The Singularity Executive Program</a>, uma poderosa imersão que propõe um olhar sobre como a tecnologia irá redefinir negócios e comunidades, mudando para sempre como seus participantes enxergam seu papel no mundo.
O objetivo da capacitação é preparar líderes não apenas para compreender tecnologias exponenciais, mas, principalmente, para transformá-los em agentes de mudança. Com 80 executivos representando mais de 45 nacionalidades diferentes, o programa começa com cinco provocações:
<ul>
<li>Por que estamos ali?</li>
<li>Quais inovações vêm em nossa direção nos próximos anos?</li>
<li>Quem será impactado por essas tecnologias?</li>
<li>Como faremos parte desse processo?</li>
<li>Quando devemos começar a mudança?</li>
</ul>
São perguntas que levam os participantes a exceder, em muito, a mera curiosidade sobre as diversas aplicações da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/inteligencia-artificial">inteligência artificial</a>, as utilidades do metaverso, as soluções habilitadas pelo blockchain ou o fascinante (e assustador) universo da biotecnologia. A verdadeira provocação é sobre o protagonismo que precisamos ter em nossa própria jornada, em um mundo de incertezas e mudanças cada vez mais rápidas.
A primeira constatação que surge é de que precisamos “desaprender”. É necessário admitir que o “novo” que está sendo construído não tem mais relação com o passado e esquecer o que sabemos para realmente mergulhar no mundo da inovação exponencial, seja ela incremental, radical ou disruptiva.
Em segundo lugar, aprendemos com as empresas do Vale do Silício que um agente da mudança e da inovação — capaz de gerar discussões, reflexões e questionamentos que devem preceder a tomada de decisões que afetam empresas e pessoas — precisa, antes de tudo, reconhecer as tendências que moldam a nova forma de trabalhar.
No entanto, antes de discorrer sobre essa nova lógica, vale lembrar que muitos gestores jurídicos ainda se mantêm alheios ao mundo da inovação, seja por ignorância ou, simplesmente, por medo de como a tecnologia está mudando o mundo que conhecemos. Infelizmente, para aqueles que acham que é uma questão de escolha, um aviso: as sete tendências que compartilho abaixo são transversais a toda e qualquer organização, inclusive os departamentos jurídicos.
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<li>A disrupção é humana: a tão falada disrupção acontece nos seres humanos e não nos produtos. São as pessoas que acabam surpreendidas e impactadas pelas novas soluções tecnológicas para problemas antigos, geradas em escala e velocidade sem precedentes. Gestores jurídicos hoje já se encontram pressionados por uma equação quase perversa: a crescente demanda por expertise jurídico e uma forte pressão pela redução de orçamentos. Fazer mais por menos exige, por si só, todo um questionamento sobre todo o modelo mental que temos hoje, exigindo uma ampla reflexão sobre o que fazer e como fazer, mas, principalmente, porque fazer.</li>
<li>A segunda tendência é eliminar o achismo através do método empírico: quanto tempo perdemos enquanto presumimos que a nova solução que está sendo desenvolvida é a mais adequada? O lema “pensar grande, começar pequeno e aprender rápido” precisa ser incorporado a qualquer projeto de inovação. Faço um especial destaque para o “começar pequeno”. É necessário “prototipar” e testar incansavelmente para reduzir o espaço de suposições ou projeções baseadas no achismo das empresas, bem como devemos lembrar diariamente que toda iniciativa de sucesso começa com uma versão beta. Nunca teremos o melhor produto ou serviço no início e, sim, devemos ter o “melhor para aquele momento”. Tentativa e erro é um binômio essencial para a evolução de um produto, serviço ou de uma área.</li>
<li>É preciso visar a abundância e não a escassez: as organizações foram desenvolvidas para lidar com a limitação de recursos, com o decréscimo de vendas, com o pior cenário. Porém, é primordial também trabalharmos para o crescimento e as novas oportunidades que a tecnologia poderá proporcionar. É preciso pensar em como aumentar o bolo ao invés de só nos preocuparmos em dividi-lo. Nas organizações inovadoras o resultado que advém de uma mentalidade de abundância é surpreendente — e a fatia do bolo fica ainda maior;</li>
<li>O mundo será cada vez mais descentralizado: o blockchain, base das criptomoedas, smart contracts (contratos autoexecutáveis) e NFTs, também está produzindo as DAOs (organizações autônomas descentralizadas), que poderão substituir empresas e governos no futuro. Neste ponto, as potencialidades para o mundo jurídico são gigantescas. A segurança jurídica deixa de estar sob a tutela de uma autoridade centralizadora — como bancos, cartórios e até o Judiciário — e passa a estar na relação entre pares, garantida por um sistema de códigos (ou blocos) que não pode ser desfeito ou quebrado. É mandatório que advogados se dediquem a entender as ferramentas que advém da tecnologia do blockchain.</li>
<li>O impacto da longevidade: o rejuvenescimento de células, aumento das funções humanas e a substituição de órgãos e membros por componentes tecnológicos irá impactar todas as indústrias do planeta. Aqui é essencial que as indústrias estejam preparadas para preparar-se para termos mais pessoas, ativas por mais tempo. É possível ganhar velocidade e produtividade investindo-se em Inovação Aberta, que nada mais é do que um processo que permite produzir novos produtos ou serviços em um sistema criação compartilhada. Nenhuma área de R&amp;D interna é melhor do que um time de milhares de cientistas, designers, engenheiros, pesquisadores, economistas, etc., unidos para desenvolver uma nova solução. Mais uma vez, o advogado terá um papel fundamental em entender como a inovação pode ser produzida por times internos e externos às organizações, em processos de coautoria, onde o licenciamento de marcas, patentes e direitos autorais será um mecanismo viabilizador do trabalho;</li>
<li>Máquinas e humanos: treinar máquinas a pensar como humanos, produzirá máquinas que irão falhar como humanos. Os algoritmos de inteligência artificial precisam ser cuidadosamente desenhados e monitorados, para reduzir vieses e obter o melhor da conjugação entre a complexidade decisória dos seres humanos e a velocidade computacional das máquinas. Conceitos sobre ética e legalidade precisam ser elementos intrínsecos ao processo de desenvolvimento de inteligência artificial, liderados por advogados que compreendam como a parametrização desses sistemas funciona.</li>
<li>Empatia: atuar como um líder empático nunca foi tão importante como agora. Nossa humanidade precisa ser a base de todos os avanços tecnológicos. Não podemos esquecer que toda a solução e a tecnologia descoberta até então deve ser direcionada para a melhoria da vida das pessoas. O departamento jurídico terá, sem dúvida, um papel da mais alta relevância em assegurar que a agenda ESG sirva como norte para os efeitos de planos de longo prazo da inovação.</li>
</ol>
Falar sobre essa experiência em uma coluna voltada para departamentos jurídicos serve para ilustrar como é importante que as organizações invistam no letramento digital e na capacitação tecnológica de seus advogados, um segmento que está passando por uma verdadeira transformação em seu DNA. Líderes e demais colaboradores que eventualmente venham passar por essa experiência podem traduzir o aprendizado adquirido em iniciativas práticas que definitivamente colocam a organização em um patamar diferenciado. E decisivamente, não é possível alcançar a realidade sustentável de novas formas de fazer negócio sem ter o jurídico conectado e totalmente inserido nesse inédito contexto.
É claro que não se pretende defender que a única forma de desenvolver o time jurídico para promover a inovação seja através do financiamento pelas empresas de uma qualificação no exterior. Do ponto de vista corporativo, dada a redução de orçamento para cursos e qualificações ao longo dos anos — associada à disparidade cambial que desvaloriza nossa moeda — está cada vez mais difícil implementar esse tipo de iniciativa. Existem, no entanto, processos de desenvolvimento de talentos que permitem identificar profissionais que sejam não só capazes de absorver os conteúdos, mas também de disseminá-los para o time ao retornar para a empresa. Isso permitiria escalonar o investimento, além de motivar colaboradores a conquistar essa oportunidade.
Evidentemente, a capacitação continuada é também uma escolha pessoal. Ter vontade de aprender é necessário para participar deste novo mundo de inovação. E, mais que a vontade de aprender, devemos admitir todos os dias que sabemos muito pouco. É um exercício de melhoria contínua que permite, ainda, a conexão com pessoas que pensam de forma diferente. Em ambientes diversos aprendemos muito mais e entendemos a razão pela qual é preciso permitir a pluralidade de ideais em um processo sadio de troca.
Participar de programas que proporcionam o contato com a inovação não só traz novas habilidades técnicas, mas esclarece a visão do que deve ser priorizado e como pode ser feito. E você? Por que está aqui? Seu jurídico tem metas claras que conversam com o movimento de inovação da empresa? Como você vê sua área daqui a cinco anos? Fica o convite à reflexão.

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JOTA

A transformação do mercado e o impacto nos departamentos jurídicos

Uma experiência sobre a inovação exponencial no Vale do Silício

Seu jurídico tem metas claras que conversam com o movimento de inovação da empresa? Como você vê sua área daqui a cinco anos?