Opinião e Análise

Eduardo Hiroshi Hirano

O gestor jurídico por vezes pode ser ver diante de situações paradoxais. De um lado, o dever de exercer o seu papel de parceiro do negócio adotando medidas importantes para a companhia, mas que demandam a aceitação de altos riscos; de outro, exercer o papel de guardião da integridade e reputação da empresa.
Este artigo não abordará o conflito de interesse pessoal do gestor jurídico frente ao seu dever profissional. Trataremos de um desafio corriqueiro e pouco discutido: os limites da atuação do advogado parceiro do negócio.
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Atuar de forma estratégica como parceiro do negócio é o desejo de todos os gestores jurídicos, mas ter a capacidade de efetivamente atuar como um verdadeiro parceiro do negócio é tarefa para poucos.
O gestor jurídico deve ser capaz de proferir opiniões que instiguem o pensamento crítico e estimulem a inovação em busca de soluções aos problemas existentes, além de deter amplo conhecimento sobre o negócio, dominar a arte do planejamento estratégico, ter aptidão para tomar decisões com viés empreendedor, demonstrar capacidade adaptativa às novas atribuições e funções, esbanjar criatividade, ter profundo conhecimento sobre as necessidades dos seus clientes, ter competência para implementar processos e rotinas e saber usar a tecnologia a seu favor.
Os executivos situados na ponta da pirâmide societária, como membros do Conselho de Administração ou Diretoria, possuem uma responsabilidade fiduciária onerosa para com os acionistas, e a eles são atribuídas as responsabilidades de geração de valor e riqueza.
O gestor jurídico desempenha uma função igualmente desafiadora quando se trata de risco e oportunidade. Deve proteger a marca e, ao mesmo tempo, ajudar a aumentar seu valor.
A união do conhecimento técnico jurídico combinado com o conhecimento sobre o negócio, confere ao gestor jurídico a capacidade única de interpretar o risco e utilizá-lo na busca de oportunidades de negócio distinguindo-o dos demais executivos<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>.
O advogado interno, in-house, gera valor através dos resultados obtidos pelas áreas de negócio<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e pela segurança jurídica gerada para as atividades empresariais. A segurança jurídica advém da capacidade de prever e se antecipar aos problemas. Os problemas ocorrem quando a atuação extrapola a lei. Logo, poderíamos concluir que os limites da atuação do advogado é a própria lei. Mas o que fazer quando não há legislação clara ou segurança jurídica capaz de embasar as decisões que desafiam o sistema normativo?
A falta de clareza normativa, pode ser combatida com racionalidade, previsibilidade e governança. Manter o registro de todos os fatores que foram levados em consideração, descrição do ambiente político econômico, pesquisa de eventual jurisprudência existente, mapeamento dos riscos identificados em cada situação, clara definição de papéis e responsabilidades dos envolvidos são fatores que, certamente, auxiliarão na tomada de decisão.
Esses registros também servirão de importante fonte bibliográfica em caso de futuros questionamentos internos ou externos, tais como autos de infração e disputas judiciais e, ainda, em caso de situações adversas inesperadas. Os registros serão úteis para revisar o modelo econômico adotado, gerando maior celeridade e segurança às reações.
Devido à complexidade dos negócios, torna-se cada vez menos tolerável que o gestor jurídico tome decisões puramente legalistas, desprovidas de visão comercial ou de aplicabilidade prática ao negócio. Na verdade, espera-se que faça uso de seu conhecimento jurídico para encontrar alternativas que levem à viabilização do negócio ao invés de simplesmente refutar uma oportunidade frente ao risco.
Tempos de crises proporcionam um ambiente propício à mudança. Com o apoio dos demais executivos, o gestor jurídico poderá identificar diversas alternativas e cenários a serem explorados, contribuindo, em seguida, com o que sabe fazer de melhor: mapear os riscos jurídicos.
Novas oportunidades de atuação, disrupção e inovação, podem desafiar as conservadoras interpretações legais vigentes, gerando discussões sobre sua viabilidade e questionamento sobre sua legalidade.
A pandemia imposta pela COVID-19 impôs ao mundo uma grande crise e a necessidade de rápida transformação, reação e adaptabilidade para continuar sobrevivendo. Entretanto a criação e alteração de leis não ocorrem na mesma velocidade gerando um período de incerteza e instabilidade, desafiando os limites da segurança jurídica das operações.
Demissões, auxílios emergenciais, férias coletivas, home office, anywhere office, demissões por recusa de vacinação contra a COVID-19, vendas on line, reclassificações tributárias, dentre outros pontos, afetaram pronfundamente as atividades empresariais, gerando impactos financeiros e mais questionamentos sobre a segurança jurídica.
Saber como melhor aplicar o direito em prol do desenvolvimento e proteção da atividade empresarial é a chave do sucesso para que o gestor parceiro do negócio e o departamento jurídico contribuam para as operações.
Isso não significa que o Jurídico deve acatar todas as novas ideias propostas, por mais atrativas que possam ser, ignorando ou aceitando todos os riscos, em uma atuação negligente ou imprudente. Tão pouco deve refutar uma nova ideia ou oportunidade apenas pelos riscos e incertezas existentes, sem ao menos contribuir com alternativas propositivas para mitigação dos riscos.
O gestor jurídico deve ajudar a criar um ambiente de trabalho no qual os funcionários são encorajados a conhecer os riscos e não simplesmente evitá-los<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Dentro do ambiente de trabalho, o departamento jurídico será demandado em diversos níveis de atuação com complexidades e habilidades diferentes. A atuação dos advogados in-house pode ser enquadrada em três categorias distintas<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>: policial, consultor e empreendedor, cada qual com limites de atuação diferenciados.
<ul>
<li>“Policial”: mantém a sua atuação sob o pragmatismo da lei, criando e aprovando contratos, implementando programas de compliance e emitindo opiniões jurídicas estritamente técnicas. Postura muito conservadora, visando a mais alta segurança jurídica;</li>
<li>“Consultor”: utiliza o conhecimento técnico jurídico, mesclando-o com seu conhecimento sobre o negócio, seu objetivo é encontrar meios alternativos de viabilizar e traduzir as estratégias do negócio em uma estrutura aderente ao ambiente regulatório. Postura flexível com a assunção de algum risco;</li>
<li>"Empreendedor": foco nos resultados do negócio e na promoção interna do departamento jurídico, trata-se de um inusitado administrador de recursos da empresa com formação em direito. Postura arrojada e consciente dos riscos em prol de grandes realizações.</li>
</ul>
Tanto o Consultor quanto o Empreendedor reconhecem que a própria lei pode ser um diferencial competitivo, entretanto eles se distinguem pela carga de atuação jurídica existente em seu cotidiano, enquanto o Consultor se destaca pelo conhecimento jurídico, o Empreendedor se destaca pela habilidade em se comunicar de forma eficaz com as demais áreas e executivos da empresa, desenvoltura para implementar e extrair o máximo do potencial das soluções jurídicas desenvolvida pelo departamento jurídico.
O limite do papel do “Policial” é o pragmatismo da lei e das políticas internas. O limite do “Consultor” está atrelado ao limite da sua capacidade de estruturação de raciocínio lógico, sagacidade para estruturar modelos propositivos e ao limite da aceitação ou aversão ao risco dos executivos. Já o “Empreendedor” está limitado pela sua própria criatividade, visão estratégica e ao apetite dos acionistas ao risco.
O departamento jurídico deve desempenhar todos os três papéis, agindo e correspondendo conforme a situação assim exigir, sempre pautado pelos preceitos legais, elevados padrões éticos e de compliance. No caso de situações conflituosas, deve fazer prevalecer os interesses da empresa frente aos interesses pessoais próprios ou de terceiros.
Sempre haverá espaço para a ousadia, tão necessária para o aumento de riquezas e criação de valores. Ao mesmo tempo, sempre haverá a possibilidade de definir um ambiente minimante controlável.
A atuação consciente em cada uma das três categorias e a contribuição para fomento de uma boa governança interna são eficientes formas para mitigar riscos, evitar situações conflituosas e gerar valor. Não por acaso discussões sobre uma agenda ESG (Environmental, Social and Governance) ganharam destaque, sendo muito debatidas pela sociedade.
Assim, temos que o gestor jurídico detém posição estratégica, devendo fazer uso de seu conhecimento técnico jurídico e do negócio para gerar valor. Deve atuar em diferentes níveis de demanda, por vezes limitando-se às diretrizes da lei e, na falta de clareza normativa, fazendo uso da racionalidade, previsibilidade e governança como pilares essenciais para a atuação profissional consciente, pautada pela retidão ética e dentro das normas de compliance.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> KPMG INTERNATIONAL. Through the looking glass: How corporate leaders view the General Counsel of today and tomorrow. KPMG, 2021. Disponível em: <a href="https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/xx/pdf/2016/09/through-the-looking-glass.pdf">https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/xx/pdf/2016/09/through-the-looking-glass.pdf</a>.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> BAGLEY, Constance E.; ROELLIG, Mark D., The Transformation of General Counsel: Setting the Strategic Legal Agenda. Disponível em: <a href="https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2201246">The Transformation of General Counsel: Setting the Strategic Legal Agenda by Constance E Bagley, Mark Roellig :: SSRN</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> KPMG INTERNATIONAL. Through the looking glass: How corporate leaders view the General Counsel of today and tomorrow. KPMG, 2021. p. 4 Disponível em: <a href="https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/xx/pdf/2016/09/through-the-looking-glass.pdf">https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/xx/pdf/2016/09/through-the-looking-glass.pdf</a> Acesso em: 22 de julho de 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> NELSON, Robert; NIELSEN, Laura Beth Nielsen. “Cops, Counsel, and Entrepreneurs: Constructing the Role of Inside Counsel in Large Corporations”, 34 LAW &amp; SOC’Y REV 457 (2000) – pp.457-490.

Paradoxo: Ousar para criar valor ou manter a segurança jurídica?

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JOTA

Os limites da atuação do gestor jurídico parceiro do negócio

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