Opinião e Análise

Maria Alicia Lima Peralta

Surgido nos EUA nos anos 1990<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, o movimento internacional Outubro Rosa reúne inúmeras ações direcionadas ao combate do câncer de mama, com o objetivo de conscientizar o público feminino sobre a importância da prevenção e do diagnóstico precoce. No Brasil, é o tipo de câncer mais comum<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> e o que mais causa morte em mulheres. Dados<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> do Instituto Nacional de Câncer (INCA) afirmam que, se descoberto em fase inicial, há 95% de chances de cura e que a mortalidade da doença diminui em cerca de 20% nas mulheres entre 50 e 69 anos que realizam o exame a cada dois anos.
Como não temos uma fórmula mágica para evitar esse mal, a principal arma continua sendo a conscientização. Por isso, resolvi compartilhar minha experiência pessoal com os desafios na luta contra o câncer de mama.
<a href="https://www.jota.info/produtos/saude?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Saude_materias"><img class="aligncenter wp-image-292716 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/cta-jota-pro-saude.png" width="688" height="688" /></a>
Outubro de 2017. Estava me arrumando para participar de uma conferência que aconteceria dali a algumas horas quando percebi um caroço no seio esquerdo. “Tenho certeza de que isso não estava aqui...”.
Eu estava em um quarto de hotel em São Paulo, onde passava a semana toda. Quis comentar a descoberta daquele caroço assustador com alguém, mas meu marido morava no Rio de Janeiro com meus filhos e minha mãe tinha falecido dois meses antes, de câncer de ovário. Ou seja: embora fosse encontrar outros 200 colegas de trabalho em alguns instantes no Centro de Convenções do hotel, me senti sozinha.
Terminei de me arrumar e desci. Eu era vice-presidente jurídica da organização e naquele dia dividiria o palco com Viviane Senna<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, presidente do Instituto Ayrton Senna, em uma conferência global da minha empresa. Era, sem dúvida, uma ocasião muito especial, mas, no meio de todo aquele agito, eu parecia estar embaixo d’água, com a sensação de que tudo estava acontecendo meio devagar, sem conseguir ouvir ou ver nada direito.
Finalmente, o evento terminou. Puxei um colega da área médica para um canto e, fingindo naturalidade, disse: “Acho que preciso de um pedido médico para uma mamografia”.
A sequência de acontecimentos que se sucederam é certamente familiar às milhares de mulheres que todos os anos enfrentam a dor do diagnóstico do câncer de mama. A cirurgia de biópsia, o resultado positivo para câncer, o medo e o estigma que esta notícia carrega e, enfim, o início da quimioterapia. Tudo tem que ser muito rápido, porque a luta não é só contra a doença. É contra o tempo também.
Ao contrário do que muitas pessoas me sugeriram, eu não quis parar de trabalhar. Comuniquei o meu diagnóstico aos meus colegas de diretoria e ao meu time direto, sempre com o discurso de que eu seguiria trabalhando não porque eu tinha que fazê-lo, mas porque assim eu desejava. Em casa, apenas meu marido sabia, preferi poupar meus filhos, meu pai e meus irmãos da angústia de ver o câncer entrar nas nossas vidas mais uma vez.
Não diminuí o ritmo de viagens, dentro e fora do Brasil. Continuei me deslocando toda a semana entre Rio e São Paulo e até mesmo viajando para os Estados Unidos praticamente uma vez ao mês. Surgiu a possibilidade de assumir uma posição global e eu aceitei na hora. Fui promovida e a necessidade de viajar aos Estados Unidos e a outros países aumentou ainda mais.
Minha aparência mudava um pouco a cada semana, dependendo do estágio da queda de cabelos e da peruca que eu usava. Em determinado momento, meu rosto parecia um biscoito recheado de tão inchado e muita gente com quem eu encontrava em eventos e aeroportos quase não me reconhecia. Mas seguia trabalhando, apesar do cansaço, do enjoo, da falta de sono e concentração que se seguiam às sessões de quimioterapia.
Nessa época, ouvia de muitas pessoas que eu era muito corajosa, um exemplo e uma inspiração. Confesso que esses adjetivos me incomodavam, afinal, eu achava que estava sendo apenas durona, como sempre havia sido a carreira inteira. Mas, como em tudo na vida, a realidade se impõe, indiferente ao que achamos ou queremos.
Seguindo nesse ritmo insano e que não dava margem nem de parar para pensar, fui surpreendida por uma febre que insistia em não baixar. Ainda com a temperatura acima do normal, embarquei para São Paulo, no melhor estilo “trator corporativo”. A febre piorou. No final do dia eu disse ao meu chefe: “Acho que eu vou dar um pulinho na emergência do hospital”.
De lá, fui direto para a internação, com um princípio de septicemia, uma resposta exagerada do organismo a determinadas infecções que pode lesionar tecidos e órgãos. Mesmo com o diagnóstico, eu dizia: “Gente, não preciso ficar internada, eu juro que daqui vou para casa e tomo todos os remédios que eu tiver que tomar". Obviamente, naquele estágio, essa não era mais uma opção. Eu tinha passado do limite do meu corpo.
Foram cinco dias de hospital, com antibiótico na veia e a tão temida parada obrigatória para pensar. Recebi a visita e o carinho de amigos, colegas e chorei muito no ombro do meu marido. Desejei também, do fundo da minha alma, que minha mãe estivesse ali comigo.
Depois de muito refletir sobre os meus comportamentos e atitudes, eu concluí que eu não vinha sendo movida pela minha coragem ou confiança. A grande verdade era que eu estava, simplesmente, morrendo de medo. Medo de admitir para mim mesma que eu havia adoecido, que eu não era infalível e que eu poderia morrer. Medo das mudanças que aconteciam por dentro e por fora. Medo de não terminar nada do que eu tinha começado. Medo de me enxergar nos olhos das outras pessoas como alguém doente. Medo de deixar os meus filhos sem a mãe, como eu mesma havia ficado sem a minha apenas dois meses antes.
Aos poucos, eu comecei a compreender que assumir a minha vulnerabilidade para mim mesma era mais do que uma necessidade. Era uma urgência. Eu precisava aceitar os meus limites. Precisava aceitar ajuda. E precisava aceitar o olhar das pessoas no ambiente de trabalho como um olhar de carinho, apoio e solidariedade e não como um olhar de pena e comiseração.
Nos dois anos mais pesados do tratamento fiz quatro cirurgias, 12 sessões de quimioterapia e um ano de injeções de uma medicação para o meu tipo de tumor, bastante agressivo. Nessa jornada, fui me abrindo aos poucos para os muitos abraços, palavras de incentivo, pequenos presentes e até elogios aos meus diferentes estilos de “cabelo”. Passei a me permitir responder com sinceridade às pessoas que me perguntavam: “como você está hoje”? Entendi que minha vontade de trabalhar a todo e qualquer custo era, na verdade, uma vontade absurda de viver e descobri que havia outras formas de fazer isso, sem colocar em risco a recuperação da minha saúde.
Nesse período também fiz mudanças importantes na minha vida pessoal. Meu marido e eu decidimos que eu não podia mais passar a semana longe dele e dos meus filhos e que precisávamos morar na mesma cidade. Levei meu pai para morar comigo. Decidi passar os feriados sem trabalhar (!). Viajei com cada um dos meninos para lugares incríveis, dando a eles atenção exclusiva e criando memórias inesquecíveis. Decidi passar um final de semana com as minhas amigas de escola, rindo e fazendo compras. Pedi e aceitei ajuda dos meus amigos fora e dentro do trabalho.
O saldo que ficou do difícil equilíbrio entre doença, trabalho e família foi o reconhecimento de que aceitar os nossos limites pode ser absolutamente libertador. Assumir a própria vulnerabilidade é permitir que as pessoas ao nosso redor possam exercer o que elas têm de melhor: empatia, solidariedade e gentileza. O exercício da vulnerabilidade nos dá, ainda, a oportunidade de vivenciar o sentimento mais restaurador que pode existir: a gratidão.
Passados quatro anos do meu diagnóstico, decidi compartilhar a minha história neste Outubro Rosa na esperança de que o meu relato seja útil para outras mulheres que venham a se deparar com situações semelhantes, mas também para falar sobre alguns aspectos práticos sobre o câncer de mama:
<ol>
<li>Não subestime o autoexame. Foi assim que descobri o meu tumor;</li>
<li>Se tiver casos de câncer de mama ou ovário na família, procure um médico e se informe sobre os exames para identificar possíveis mutações genéticas. Estes exames são caros, mas são muito simples e rápidos de realizar. Eu poderia ter evitado o meu câncer se tivesse feito esse exame.</li>
<li>Caso você esteja enfrentando o doloroso diagnóstico de câncer de mama, discuta com seu médico e com o RH da sua empresa as melhores opções em termos de licença médica. Lembre-se que somente você pode saber qual a dose entre trabalho e repouso faz mais sentido para o sucesso do seu tratamento. Às vezes, ficar em casa o tempo todo pode ser opressor, mas ultrapassar os limites do corpo não vale a pena. Falo com conhecimento de causa.</li>
<li>As mudanças físicas que acontecem durante o tratamento são duras. Cabelos, sobrancelhas e cílios caem, o peso aumenta. Mas, não são sinais da doença e sim da cura! É a medicação que faz com que isso aconteça, então não deixe o seu aspecto físico definir o seu estado de espírito. Experimente perucas, lenços, maquiagens, ou simplesmente, deixe a careca à mostra, se isso fizer você se sentir melhor.</li>
<li>As pessoas não sabem como você está se sentindo e irão se guiar pelo seu próprio comportamento ou pelo que você compartilhar com elas. Não espere que os outros adivinhem o que você consegue ou não consegue fazer, ou demonstrem empatia se você não está sendo gentil com você mesma. Deixe o carinho das pessoas surpreender você e viva a gratidão de peito aberto. O trabalho também é lugar para isso!</li>
</ol>
Além dos pontos acima, é importante ressaltar alguns direitos sociais concedidos àquelas que estão em tratamento contra a neoplasia maligna. Portanto, seguem cinco dicas que também podem ser úteis em momentos de dificuldade:
<ol>
<li><a href="https://www.fgts.gov.br/Pages/sou-trabalhador/saque-neoplasia-maligna.aspx">Saque do FGTS</a> das contas antigas e da atual (para mais informações, acesse o site FGTS.gov);</li>
<li>Tramitação prioritária<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> em processos judiciais e administrativos;</li>
<li>Isenção do Imposto de Renda<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> relativo aos rendimentos de aposentadoria, reforma e pensão;</li>
<li>Isenção do IPI e IPVA<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a> para pacientes mastectomizadas ou caso se enquadre no critério de pessoa com deficiência, de acordo com a legislação própria de cada unidade federativa; e</li>
<li>Acesso gratuito a medicamentos<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.</li>
</ol>
Estas dicas tentam fugir do óbvio e, por isso, não cito o acesso ao tratamento pelo SUS, o auxílio doença concedido pelo INSS para aquelas que contribuem – sem cumprimento de carência – ou até mesmo a aposentadoria por incapacidade definitiva. Caso esteja em um momento de busca por mais leitura sobre a doença, uma fonte confiável e constantemente atualizada é a <a href="https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de-mama">página do INCA</a>, que inclusive publicou neste mês a 6ª edição da cartilha “<a href="https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/cartilha-mama-6-edicao-2021_1.pdf">Câncer de Mama: vamos falar sobre isso?</a>”. Vale também consultar o apoio fornecido pela Caixa de Assistência da OAB da sua localidade.
Em 2021, atingimos um marco histórico. Pela primeira vez, o número de advogadas superou o número de advogados no país<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>. Somos mais de 600 mil! Além das incessantes batalhas jurídicas, travamos lutas constantes para ocupar espaços no mercado de trabalho, haja vista muitos ainda duvidarem de nossa competência. Somos mulheres com únicas trajetórias de luta. Mulheres que devem se unir por esta causa e outras tantas! E, nesta batalha contra o câncer de mama, precisamos espalhar mais do que nunca sobre a importância do exame anual e da detecção precoce. É somente com a conscientização que venceremos definitivamente este mal.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A história do Outubro Rosa. Disponível em: <a href="http://www.outubrorosa.org.br/historia.htm#:~:text=Em%201997%2C%20entidades%20das%20cidades,da%20preven%C3%A7%C3%A3o%20pelo%20diagn%C3%B3stico%20precoce">http://www.outubrorosa.org.br/historia.htm#:~:text=Em%201997%2C%20entidades%20das%20cidades,da%20preven%C3%A7%C3%A3o%20pelo%20diagn%C3%B3stico%20precoce</a>. Acesso em 16/10/2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Em 2019, cerca de 18.068 mulheres foram a óbito com a doença. Somente em 2021, estima-se que novos 66.280 casos tenham sido descobertos. Dados do INCA, disponíveis em: <a href="https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document/cartilha-mama-6-edicao-2021_1.pdf">https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document/cartilha-mama-6-edicao-2021_1.pdf</a>. Acesso em 16/10/2021.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> O câncer de mama em números. Dados da International Agency Research on Cancer (IARC), Instituto Nacional de Câncer (INCA) e Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama). Disponível em: <a href="https://www.femama.org.br/site/br/noticia/o-cancer-de-mama-em-numeros">https://www.femama.org.br/site/br/noticia/o-cancer-de-mama-em-numeros</a>. Acesso em 16/10/2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Eleita a melhor CEO pelo grupo Gestão RH, Viviane é psicóloga, empresária, filantropa e irmã do piloto tricampeão mundial.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Código de Processo Civil, art. 1.048, i, c/c o Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Lei 13.146/2015, utilizando como embasamento os princípios da equidade, isonomia e da analogia.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Lei 7.713/1988, art. 6º, XIV.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Recomendo a leitura do artigo escrito pelo Portal Oncoguia, com um compilado atualizado das legislações estaduais sobre a matéria. Disponível em: <a href="http://www.oncoguia.org.br/conteudo/isencao-do-ipva/121/91/">http://www.oncoguia.org.br/conteudo/isencao-do-ipva/121/91/</a>. Acesso em 16/10/2021.
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> Recomendo um guia de como fazer a solicitação divulgada pelo Portal Abrale, que reforça que cada Secretaria de Saúde pode ter um procedimento específico. Disponível em &lt; <a href="https://www.abrale.org.br/informacoes/direitos-do-paciente/medicamentos-gratuitos/#:~:text=Informe%2Dse%20no%20hospital%20ou,do%20rem%C3%A9dio%20no%20local%20indicado">https://www.abrale.org.br/informacoes/direitos-do-paciente/medicamentos-gratuitos/#:~:text=Informe%2Dse%20no%20hospital%20ou,do%20rem%C3%A9dio%20no%20local%20indicado</a>.&gt;. Acesso em 16/10/2021.
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> Pela primeira vez na história, número de advogadas supera o de advogados. Disponível em: <a href="https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/numero-advogadas-supera-advogados-vez-brasil">https://www.conjur.com.br/2021-abr-27/numero-advogadas-supera-advogados-vez-brasil</a>. Acesso em 16/10/2021.

câncer de mama

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JOTA

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