Opinião e Análise

Alessandra Salgueiro

Karina Lanfredi

O público que participa do maior festival de música e entretenimento do mundo nem de longe imagina tudo que é necessário para a realização de um grande evento como o Rock in Rio. A verdade é que, muitas vezes, nem paramos para pensar nisso quando assistimos aos shows e demais atrações que lá acontecem. Há muito mais do que se possa imaginar por trás da Cidade do Rock, lugar por onde circulam mais de 100 mil pessoas por dia.
Os números acompanham o porte do festival. Durante os sete dias, são 300 shows, 507 horas de apresentações musicais, 1.255 artistas, mais de 3 mil pessoas envolvidas só na produção dos 8 palcos. Nesta equação, inclua mais de 500 produtos licenciados em um evento que gera aproximadamente 28 mil empregos. Nesse contexto, qual é o papel do Jurídico? Como ele se faz presente para tudo isso acontecer?
O corpo jurídico que faz o Rock in Rio acontecer soma números tão expressivos quanto os citados acima. É impossível contabilizar o número de reuniões que exigem a presença dos advogados, as diversas ocasiões que são necessárias orientações jurídicas, assim como a quantidade de atas, contratos e demais instrumentos e demandas necessárias para o adequado andamento das tratativas internas e externas. Desde o contato com fornecedores, parceiros, representantes de artistas, aos diversos órgãos públicos, o Jurídico está presente em todas as fases de preparação do evento. Para dar uma ideia de quantidade, até o momento da abertura dos portões do festival, são celebrados mais de 1.200 contratos para fazer tudo acontecer.
Os instrumentos contratuais são variados: acordos de confidencialidade, cartas acordo, todos os tipos de contratos, tais como de prestação de serviço, patrocínio, licenciamento, parcerias, dentre outros, termos aditivos,  regulamentos, termos de adesão, documentos societários e demais instrumentos que forem necessários para a formalização dos acordos realizados. Desde os guindastes que colocam a Cidade do Rock de pé até os maiores artistas, todos precisam assinar um contrato minuciosamente elaborado pelo time Jurídico do Rock in Rio, garantindo o acesso e a segurança das 700 mil<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> pessoas que passaram pelo evento.
A produção de uma nova edição começa mesmo antes de terminar a edição corrente. O Rock in Rio Brasil 2024, por exemplo, já começou a ser planejado ainda durante o festival de 2022, com a equipe de Parcerias conversando com possíveis patrocinadores e parceiros ou renovando os antigos acordos, momento necessário para que o Jurídico esteja presente oferecendo o assessoramento contratual, tirando dúvidas e discutindo possibilidades de negociação. O Rock in Rio não para e o Jurídico também não, seja pelo time jurídico interno, quanto pelos escritórios externos, que dão suporte à organização do evento em todo processo de formalização de tudo o que é negociado.
Essa é a materialização do Jurídico Business Partner, uma nova forma dos advogados internos e dos escritórios externos oferecerem seus serviços. As advogadas e os advogados estão cada vez mais focados no direito preventivo, no pensamento colaborativo, na construção em conjunto, com o objetivo de viabilizar iniciativas e construir pontes para que as oportunidades comerciais saiam do papel com segurança, conformidade e, sobretudo, lucratividade para todos os envolvidos na operação.
Além do citado time de Parcerias, as demais áreas internas da empresa, como o Financeiro, Artístico, Produção, Acessibilidade, Operações, Ticketing, Marketing e Engenharia também demandam maior atenção do Jurídico nessa época de planejamento. Com a evolução constante do Direito, os contratos também ficam cada vez mais complexos e elaborados, com cláusulas “pétreas” que, se antes já eram necessárias, devido à natureza tão específica do nosso objeto ― evento de música e entretenimento ― depois da chegada e evolução do Compliance e da Lei Geral de Proteção de Dados (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lgpd">LGPD</a>), tornaram-se obrigatórias.
Em todos os instrumentos, uma das cláusulas mais bem elaboradas é a de confidencialidade, item necessário para garantir a discrição necessária para a realização de parcerias e negociações estratégicas, não só envolvendo os artistas, mas também nos instrumentos de fornecimento, acordos que garantem toda a infraestrutura necessária para o festival.
Desta forma, toda a equipe do Rock in Rio – internos e externos – devem assinar um Non Disclosure Agreement (NDA) para garantir a preservação do sigilo de todas as tratativas que os colaboradores possam estar envolvidos. Não é muito diferente das demais empresas em suas atividades vitais e necessárias à preservação do segredo de negócios: certamente o leitor ou a leitora já precisou assinar um NDA ou, se perguntado por algum amigo curioso, precisou responder que o assunto não podia ser comentado porque trata-se de algo confidencial.
Ainda em relação ao contrato, o fluxo de aprovações conta com a participação do Jurídico exatamente após a aprovação do acordo comercial. O advogado ou advogada responsável elabora o instrumento adequado, que segue até a assinatura final após a concordância de todas as partes. Cada contrato é um documento único, que precisa ter uma atenção especial e individual.
Nem sempre é fácil ou rápido chegar à fase de assinaturas. São inúmeras as idas e vindas, discussões e muitas reuniões até chegar a um denominador comum. Nas demandas mais complicadas, a equipe do Jurídico até promove uma comemoração quando o contrato é, finalmente, assinado. Valorizar e celebrar as conquistas é essencial para a formação de um time unido e de alta performance.
Com o maior número de patrocinadores e licenciados em um só evento, o Rock in Rio já não é apenas um festival, é uma marca, que precisa de atenção, proteção e acompanhamento. Todos os colaboradores da empresa atuam como uma espécie de “fiscais” para a proteção da marca. Centenas de pessoas e/ou empresas que fazem uso indevido/não autorizado da marca, são notificadas por nós, para que cesse ou regularize aquela situação, tanto para que a marca registrada seja protegida, quanto em respeito aos parceiros com os quais temos acordos e parcerias comerciais.
Promotores de uma cultura litigante ensinada ainda na faculdade, é notório que a educação jurídica precisa passar por uma transformação. Os advogados e advogadas ainda estão aprendendo a promover uma cultura preventiva, investindo em bons profissionais na negociação de contratos e na formulação de estratégias para evitar litígios, celebrar boas parcerias e mitigar riscos. Para fazer a diferença na profissão – sobretudo se o leitor ou a leitora quer trabalhar na indústria de entretenimento, reunimos as seguintes dicas que, em nossa visão, são essenciais:
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<li>Resiliência: aceitar que um contrato ou uma iniciativa dependem de muitas pessoas – e que às vezes toda uma negociação acaba recomeçando do zero após meses de discussão – faz parte do processo;</li>
<li>Clareza: parte das equipes com quem você vai trabalhar não é formada por advogados. Guarde o “juridiquês” para falar com os outros advogados, seja didático nas explicações e democratize o acesso à informação. Isso vai acelerar o processo;</li>
<li>Domínio técnico: entender de propriedade intelectual, direito autoral, direito contratual (cessão de direitos, licença de conteúdo, patrocínio etc.) e outras especificidades do direito do entretenimento. Conhecer a Lei da Meia-entrada (Lei nº 12.933/2013<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>), as normas de Segurança Privada (Portaria nº 3.233/2012 da Polícia Federal<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>) e as regras do ECAD (a começar pela Lei nº 9.610/1998<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>) pode ser um bom começo.</li>
<li>Bom senso: saber o que é e como usar o bom senso ajuda em todo o processo de orientação jurídica;</li>
<li>Saber trabalhar em equipe: Saber que o direito de um não pode ultrapassar o direito do outro, que todos estão aqui para um objetivo em comum, que é entregar o festival da melhor maneira possível. Assim, o trabalho em equipe torna-se uma necessidade, tanto com clientes/parceiros, quanto com os times internos e externos.</li>
</ol>
Essas são apenas algumas das diretrizes. Os desafios são muitos, o trabalho é dinâmico, especialmente durante o evento. Então, há que se preparar para os imprevistos, como o que passamos em 2021. Pela primeira vez, foi preciso adiar a realização de uma edição do Rock in Rio, em razão da pandemia da Covid-19. A edição desse ano passou para 2022, onde a organização do evento, como um todo fez “do limão uma limonada”, transformando o evento na edição do tão esperado reencontro. Entre 2 e 11 de setembro de 2022, a Cidade do Rock foi o palco do maior festival de música e entretenimento já realizado pela organização, que diante do esforço e comprometimento de cada um dos colaboradores, se superou mais uma vez.
Por fim, é importante dizer que cada estande montado, cada marca presente, cada contrato celebrado, se materializa em sorrisos e momentos inesquecíveis dos fãs e dos artistas, que se emocionam ao performarem diante de um público tão engajado e animado. E para que tudo ocorra com segurança para todos, continue trazendo inovação e siga mantendo a tradição de entrar para a história pela sua execução de excelência.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Público estimado. Informações públicas, extraídas dos sites Rock in Rio e Rádio Rock. Disponível respectivamente em <a href="https://www.radiorock.com.br/2022/09/13/rock-in-rio-termina-com-publico-de-700-mil-pessoas-e-impacto-economico-de-mais-de-2-bilhoes-de-reais%E2%80%AF/">https://www.radiorock.com.br/2022/09/13/rock-in-rio-termina-com-publico-de-700-mil-pessoas-e-impacto-economico-de-mais-de-2-bilhoes-de-reais%E2%80%AF/</a> e <a href="https://rockinrio.com/rio/pt-br/informacoes/">https://rockinrio.com/rio/pt-br/informacoes/</a>. Acesso em 09/10/2022.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Consulte o site do Planalto. Disponível em &lt;http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12933.htm&gt;. Acessado em 09/10/2022.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Consulte o site da Polícia Federal. Disponível em &lt;https://www.gov.br/pf/pt-br/assuntos/seguranca-privada/legislacao-normas-e-orientacoes/portarias/portaria-3233-2012-2.pdf/view&gt;. Acessado em 09/10/2022.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Consulte o site do Planalto. Disponível em &lt; http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%209.610%2C%20DE%2019%20DE%20FEVEREIRO%20DE%201998.&amp;text=Altera%2C%20atualiza%20e%20consolida%20a,autorais%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&amp;text=Art.,os%20que%20lhes%20s%C3%A3o%20conexos.&gt;. Acessado em 09/10/2022.

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JOTA

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