Opinião e Análise

Guilherme Tocci

Simone Oliveira

A discussão sobre o papel do Jurídico corporativo como parceiro de negócios já é demodê e não se coloca mais em xeque se auxilia os clientes internos na viabilização dos objetivos comerciais. Em um passado não tão distante, o Jurídico corporativo era visto como a área que apenas dizia “não”, que inviabilizava negócios e como um centro de custo, o que gerava um efeito perverso de afastá-lo da área comercial. De uns tempos para cá, a mentalidade de business partner e de ecossistema, cujo objetivo é balancear os interesses da companhia e seus parceiros, tem prevalecido para a boa harmonia entre as áreas de uma organização – todos devem trabalhar de forma colaborativa em prol da visão e metas da empresa.
Uma sugestão para clarear a mentalidade do novo Jurídico, sem cair em clichês, pode ser “possibilitar objetivos comerciais, garantindo proativamente as melhores soluções criativas que otimizem o risco legal e comercial”.
Para que a representação acima não seja apenas uma frase de efeito e vazia para ser incluída em apresentações, vale desmembrar os seus itens, a fim de pensar na sua aplicação prática, possibilitando assim, a atuação do profissional do Jurídico de forma efetiva:
<ol>
<li>Possibilitar objetivos comerciais: ter clareza sobre quais são os objetivos gerais da empresa e conseguir correlacionar com o escopo comercial, facilitará a percepção interna de valor agregado em negociações e contratações. Nem sempre as empresas ou suas áreas estabelecem claros objetivos ou, se estabelecem, não os divulgam da melhor maneira. Mesmo assim, caberá ao profissional do Jurídico entendê-los de outra forma. Uma boa dica é obter essas informações de maneira informal, como convidar-se para reuniões estratégicas da área comercial (ao invés de esperar que o cliente venha à sua procura com o problema na mão), marcar um almoço com a liderança ou aproveitar alguma outra oportunidade adequada.</li>
<li>Garantindo proativamente as melhores soluções criativas: o Jurídico não deve se resguardar para pensar apenas em soluções tradicionais com remédios já conhecidos. Saber prever eventuais situações de risco para o negócio e atuar de modo diligente pode fortalecer as parcerias do departamento. Diversidade e Inclusão também são fundamentais para trazer visão diferente para os velhos problemas.</li>
<li>Que otimizam o risco legal e comercial: equilibrar as metas comerciais, objetivos de negócios e princípios de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/esg">ESG</a> com praticabilidade jurídica é sempre um desafio. O Jurídico não deve ter o papel de eliminar riscos, evitando-os a qualquer custo, mas sim de avaliá-los , apresentá-los ao time comercial estratégico e pensar como otimizá-los, observando sempre a lei e princípios éticos. Quando a questão é controversa e há argumento de defesa, alguns riscos valem a pena serem tomados em benefício do negócio.</li>
</ol>
O impacto do Jurídico interno em negociações corporativas, especialmente a de contratos, se dá por dois principais caminhos: (i) ativamente negociando com as partes interessadas; (ii) empoderando os times a negociar. Geralmente o Jurídico in-house é enxuto, não dispõe de um time extenso de pessoas advogadas para tocar as demandas, e é com esse desafio de “mais por menos”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> que a eficiência entra. Como o Jurídico pode realizar o seu papel, sem ativamente participar de todas as micro tarefas?
Uma das atribuições do Jurídico interno é a de investir na autonomia dos seus parceiros para que possam negociar contratos de forma efetiva e escalável e evitar que o departamento se torne o gargalo. Para tanto, algumas alternativas são:
<ul>
<li>Trabalhar no mapeamento e desenho de fluxos: o caminho inicial é ter clareza na definição dos processos internos que deverão ser mapeados, identificando os colaboradores que devem ser envolvidos (como responsável, aprovador, suportes, consultados e informados – definido por matriz RASCI) e mapeamento da operação atual e de como seria a alternativa ideal para o caso em questão. Focando, é claro, em como alcançar a independência dos times internos para o bom seguimento das negociações.</li>
<li>Consolidação de um playbook: definir, em termos gerais, o que é aceitável ou não para a empresa – em uma espécie de cartilha. Muitas vezes, o que não é aceitável não é uma questão essencialmente jurídica, mas, por ser tratada no contexto da negociação do contrato, dá a impressão de que o Jurídico é que está sendo um empecilho para fechar o negócio. Por isso, é importante que o Jurídico seja a área que possa ser o ponto focal para alinhar diretrizes em questões multidisciplinares. Como resultado, será possível dar ferramentas para os times defenderem a posição padrão da empresa, mas também de terem alternativas para flexibilização de condições contratuais tanto para advogados juniores quanto para clientes internos.</li>
<li>Pensar em cláusulas alternativas: além de diretrizes amplas sobre o que pode ou não ser aceito pela empresa, em alinhamento com diferentes áreas, cláusulas alternativas já pré-aprovadas pelo Jurídico podem reduzir a quantidade de consultas realizadas para o departamento legal. A elaboração de um contrato é vital na consolidação de uma boa negociação – as minutas contratuais devem ser flexíveis e adaptáveis à realidade e necessidades de cada negócio.</li>
<li>Investir em comunicação e treinamentos: de nada adianta definir fluxos e consolidar materiais se apenas o seu time fica sabendo. Garanta uma comunicação efetiva e treinamentos (ao vivo e/ou gravados) para a empresa e faça com que estejam facilmente disponíveis. Para maior disseminação da informação pelas áreas da empresa, uma solução pode ser a criação de “embaixadores” em cada área – que ficarão responsáveis por garantir que seus pares e gerenciados tenham acesso ao conhecimento gerado.</li>
<li>Garantir uma boa gestão do conhecimento e governança da informação: é importante compartilhar as informações com os colaboradores, mas é igualmente relevante praticar uma boa gestão do conhecimento, para a empresa garantir que nenhum funcionário tenha informações não documentadas (e de fácil acesso). Isso auxilia no momento em que o profissional está ausente ou até mesmo para a criação de uma trilha de aprendizado para o onboarding de novos colaboradores.</li>
<li>Controle das negociações: reflita sobre a dispensa de fluxos de aprovação para cada item de negociação. Para um processo mais célere, ter um controle mensal (manual ou automatizado) sobre o que está acontecendo pode ser mais efetivo do que realizar aprovações pontuais e repetitivas.</li>
<li>Inserção de tecnologia: antes de pensar em automatizar fluxos contratuais, tenha processos bem mapeados, definidos e em uso pela a empresa. Inserir tecnologia em workflows que não funcionam bem em processos off-line, só irá digitalizar a desorganização. Saiba utilizar a tecnologia como aliada a fim de fazer registros e automações para maior velocidade, controle e inteligência da operação corporativa.</li>
<li>Olhar para fora: as alternativas acima são voltadas muito para dentro da empresa, mas o profissional da área jurídica também tem que olhar para fora. Ficar sentado no conforto do escritório ou, nos tempos atuais, de casa, não ajuda muito a trazer soluções criativas. Visitar clientes, principais fornecedores, ir a eventos, feiras do setor, entre outros e entender o que o cliente tenta explicar em conversas no ar-condicionado do escritório são passos importantes para um advogado corporativo. Faz toda a diferença observar o que ocorre na prática na hora de redigir o contrato e de desenvolver diretrizes. Construir um networking orgânico para entender práticas do mercado também é algo fundamental para não ter que reinventar a roda.</li>
<li>ESG: esta sigla que está tão em alta no momento também não deve ser deixada de lado tampouco ser usada como algo apenas retórico. Como já falado no início, o Jurídico interno deve dar o exemplo quando o assunto é atuação ética, de acordo com a lei e os valores da empresa, sem deixar de assumir certos riscos, após cuidadosa avaliação. O Jurídico também deve dar o exemplo tendo um time diverso, constituído por pessoas de grupos sub representados e que vão dar uma visão diferente para os problemas que surgirem.</li>
</ul>
Essas são algumas situações amostrais de como o in-house pode impactar a negociação de contratos sem negociar diretamente com clientes externos. Colocar o Departamento Jurídico como um promotor de boas práticas pode provar ter um papel mais ativo, influente e abrangente em uma corporação. Validando que o corpo jurídico não deve ser envolvido em todos os temas e negociações contratuais, mas também não se esquivando de responsabilidades consultivas e construtivas na participação mais ativa, quando necessária.
O Jurídico deve realçar a sua capacidade de entender o business. Sabendo falar juridiquês, português ou a própria linguagem de negócios a depender da situação. Entendendo quais são os objetivos comerciais e como estão relacionados ao ecossistema da empresa. Pensando proativamente em soluções criativas, realizando benchmarks com profissionais do mercado e antecipando eventuais adversidades e crises à organização. O papel da pessoa advogada nas negociações contratuais pode ser sintetizado em conseguir otimizar (e não mitigar) riscos jurídicos e comerciais.
___________________________________________________________________________________
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> SUSSKIND, Richard. Tomorrow's lawyers. Oxford University Press, USA, 2013.

thomas-martinsen-4H9IuFBIpYM-unsplash

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Empoderamento dos times comerciais com soluções criativas para maior autonomia e eficiência jurídico-corporativa

O impacto do jurídico interno na negociação de contratos

Empoderamento dos times comerciais com soluções criativas para maior autonomia e eficiência jurídico-corporativa.