Toda nova tecnologia traz à reboque muitas expectativas. Com os smart contracts não foi diferente; desde o boom do Bitcoin em 2016 e a propagação da tecnologia blockchain como consequência, muito se fala sobre contratos inteligentes e suas aplicações. A ideia deste breve texto é fazer uma análise sobre a sua aplicabilidade pelo departamento de Legal Operations.
Há quem defina os smart contracts como “contratos dinâmicos”, porque são instrumentos digitais autoexecutáveis, altamente adaptáveis e que usam a tecnologia blockchain para garantir que todas as obrigações ali previstas serão cumpridas. Todo smart contract possui um código de programação com suas regras, condições e consequências.
Quando se pensa em um contrato tradicional, a primeira coisa que vem à mente são cláusulas, obrigações, responsabilidades, penalidades e possíveis bonificações, certo? Tudo isso pode ser programado para que o smart contract execute automaticamente estes tópicos, nas mais variadas circunstâncias.
Como mencionado, a autoexecutoriedade diferencia o smart contract de um contrato tradicional. Seja ele digitalizado ou impresso, o “contrato normal” é um instrumento onde, na maioria das vezes, somente se acessa durante a fase de assinaturas ou caso algo não saia como o previsto.
Isso ocorre porque muitas áreas corporativas tratam o contrato comum como um mero obstáculo para iniciar a atividade com um fornecedor. E é natural que não advogados enxergue a formalização contratual dessa forma, já que a fase de elaboração de um contrato é etapa mais crítica, burocrática e demorada da operação na contratação de um parceiro.
Nesse sentido, os smart contracts chegam para reparar o primeiro problema das grandes empresas: a gestão contratual. Definir regras, obrigações contratuais e suas consequências facilitará a gestão de um contrato, algo muitas vezes deixado de lado por gestores e fiscais de contratos quando acumulam esta função com outras atividades de igual importância. Basta que os profissionais definam as diretrizes e deixem a tecnologia fazer o seu trabalho.
Vale ressaltar uma importante questão: os contratos são inteligentes, mas não são superdotados. A correta execução das obrigações dependerá das regras inseridas em sua programação. Caso ocorra algum conflito de cláusulas e a divergência não tenha sido prevista, certamente será necessária a intervenção de uma pessoa.
Ou seja, à luz do que se sabe até o momento, os smart contracts seriam mais efetivos no apoio à gestão e execução contratual do que necessariamente nas etapas anteriores (fase de negociação, propostas, aceitação, elaboração do contrato, assinatura e enfim a execução).
Se a tecnologia torna a execução do contrato mais “smart”, a programação passa a ser uma grande aliada. As obrigações transformam-se em algoritmos que, após a concordância das partes, são programadas facilitando o seu acompanhamento.
Por ser realizado no contexto da tecnologia blockchain, as validações são realizadas por meio de um ambiente criptografado e altamente seguro, diminuindo a possibilidade de fraudes, alterações e possíveis breachs de segurança, garantindo assim a segurança no processo.
Este nível de segurança permite que as partes contratantes tenham tranquilidade simplesmente porque não cabe termo aditivo em um smart contract: qualquer alteração obriga à realização de um novo instrumento, mesmo se a modificação for oriunda de um erro de digitação ou uma cláusula mal escrita.
Ainda sobre a segurança, após as partes definirem as regras da contratação, toda a transação é avaliada em uma rede complexa de dados interligados. Se mais da metade dos computadores em rede concordarem com a operação, a transação é válida, criando assim uma cadeia de registros que impedem qualquer alteração naquele instrumento.
O smart contract entra em operação quando a previsão contida na cláusula do contrato se concretiza, acionando a lógica da programação ali presente e informando às partes de sua conclusão. É automação pura.
Os smart contracts podem ser um fim para as numerosas, repetitivas e redundantes cláusulas contratuais para os níveis de serviço. Será o fim das expressões jurídicas clássicas e conhecidas dos contratualistas, como “as partes acordam”, “incluindo, mas não se limitando” e “no presente e no futuro”, pois a lógica é binária, condicional e puramente programada. Uma cláusula de várias linhas seria substituída por “Parte A fará isso” + “Parte B fará aquilo” + “Se Partes A e B falharem, situação C acontecerá”. Tão simples quanto isso.
Partindo deste raciocínio simplista, objetivo e produtivo, economiza-se tempo e discurso discutindo cláusulas contratuais. Como consequência, litígios serão evitados. Em contrapartida, passa-se a investir mais em um apoio jurídico especializado em processos, procedimentos e blindagem da operação.
Pode-se dizer, portanto, que os smart contracts oferecem padronização em sua elaboração, escalabilidade em sua utilização e previsibilidade em sua execução ou na ocorrência de um descumprimento.
O LegalOps exerce um papel crucial em departamentos e escritórios, dando suporte aos advogados e conferindo mais eficiência e eficácia aos processos que envolvem a produção das áreas técnicas. Focando suas atividades em temas como planejamento estratégico, gestão orçamentária, financeira e de projetos e tendo na tecnologia um de seus pilares, esta área libera os advogados, dando a eles a possibilidade de focar somente na estratégia jurídica da atividade.
Na busca por eficiência e escalabilidade na área contratual, o LegalOps pode atuar em diversas frentes, que vão desde a elaboração dos fluxos de requisições até a estruturação de indicadores da área. E uma dessas frentes é a implantação de um CLM (contract lifecycle management), tipo de ferramenta sistêmica extremamente aderente ao uso de smart contracts.
A utilização destas ferramentas combinadas garante à área de LegalOps um controle quanto a execução das cláusulas, aplicação de penalidades ou bonificação por performance, renovação ou elaboração de termos de quitação ao fim da relação contratual, ou ainda, o controle de obrigações assumidas pelas partes, como a manutenção de licenças ou a comprovação de regularidade cadastral, por exemplo.
O profissional de Legal Operations, deve trazer velocidade e eficiência aos processos, buscando a solução dos chamados “gaps” através de uma visão holística do negócio e de como as operações jurídicas impactam. Com seu viés analítico presente na interpretação de dados da operação e controle de seus indicadores, o profissional de LegalOps consegue focar na prevenção, se antevendo a possíveis problemas.
Para tanto, a possibilidade que se apresenta hoje, de estruturar instrumentos contratuais por meio de algoritmos autoexecutáveis, em uma rede segura (blockchain), mantendo-os em uma ferramenta que já informa ao time de LegalOps, a área contratual e ao cliente/solicitante do contrato como os mesmos estão performando, deve ser amplamente explorada.
Aqui, a área de LegalOps passa a realizar o acompanhamento das regras programadas, bem como realiza a supervisão da lógica algorítmica dos smart contracts, validando as aplicações de penalidades, a concessão de bonificações e atingimento dos níveis de serviço acordados ainda em fase pré-contratual.
Fica claro que o uso dos smart contracts, por meio de uma combinação de processos, automação e governança da informação, acaba por gerar dados e indicadores, que permitem uma melhor avaliação do quanto a área contratual está alinhada ao planejamento estratégico da companhia.
Além disso, permite que o profissional jurídico se concentre apenas nas atividades intelectuais ao se desvencilhar das tarefas operacionais que podem ser realizadas por máquinas.
Os smart contracts permitem um melhor gerenciamento do ciclo de vida do contrato bem como viabilizam que automações possam traduzir em dados os principais indicadores, alimentam bases de informações e trazem às equipes uma visão clara do que merece uma atenção especial antes que se torne um problema para a operação.
As vantagens oferecidas pelo smart contracts vão além do jurídico e trazem benefícios aos contratantes. No ambiente de seguros, facilitaria as empresas a cobrarem a apólice de acordo com o perfil do segurado, acessando mais rapidamente seu histórico de sinistros, passando até mesmo pela celeridade no pagamento da indenização após ter todas as informações de um acidente esclarecidas.
Nas vendas online em operações b2b ou b2c entre desconhecidos, todo o processo estaria mais protegido, garantindo às partes maior tranquilidade no cumprimento das obrigações de pagamento e de envio de uma mercadoria ou prestação de serviço.
Um alerta se faz necessário: para que o uso dos smart contracts, de fato, traga os benefícios esperados, é importante que os profissionais de LegalOps estabeleçam uma rotina de acompanhamento e revisão periódica quanto ao funcionamento dos algoritmos, automações e APIs usadas. Não se trata de uma revisão focada apenas no funcionamento, mas na segurança quanto a criptografia das informações originárias e resultantes da execução de contratos.
A mesma diligência aplicada aos contratos físicos deve existir aqui; a vantagem é que, se em uma realidade de contratos físicos ou digitalizados, esta diligência se dá de uma forma quase artesanal e individual, em uma realidade de smart contracts, esta diligência impacta todos os contratos celebrados que usem aquela estrutura de algoritmos, automações e APIs. Evidente que o processo se torna mais eficiente, seguro e com um nível de accountability muito maior nesta segunda realidade. Em linhas gerais, pode ser até um novo ponto de auditoria.
A adoção de tecnologias disruptivas no mundo jurídico é irreversível. Entender a correlação entre os Smart Contracts e o LegalOps permite atingir a alta performance e rendimento em uma velocidade inédita. E, no viés humano, certamente novas competências funcionais serão exigidas de um advogado. Os profissionais que irão atuar na prevenção e com foco na agilidade operacional utilizarão as novas ferramentas como aliadas e a todo momento buscarão o aperfeiçoamento técnico em novas formas de pensar o negócio.