Opinião e Análise

Nathália Pais

É bem verdade que a faculdade de direito não nos ensina a atuar em um <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/departamento-juridico">departamento jurídico</a>. Não aprendemos a ter uma visão voltada para os negócios e tampouco aprendemos sobre gestão de projetos e pessoas, elementos essenciais para quem atua na advocacia in-house. As disciplinas acadêmicas buscam ensinar apenas a teoria, formando advogados aptos para a advocacia tradicional.
Quando chegamos a um departamento jurídico, nos deparamos com um mundo muito diferente. Precisamos ser conhecedores do negócio, entender como times diversos interagem, o papel que eles exercem dentro da empresa, suprir as necessidades do cliente interno e o mais importante: ser ágil e eficiente nas entregas. 
O advogado que antes cuidava apenas das questões legais hoje participa também da construção de planos estratégicos, figurando como um importante business partner e contribuindo com os resultados. O jurídico, portanto, tornou-se um parceiro fundamental para que o risco seja bem avaliado, sem inviabilizar a operação ou prejudicar o lançamento de um novo produto.
Com toda a relevância do jurídico in-house na condução dos negócios, surgem algumas perguntas:
<ul>
<li>como garantir mais produtividade e colaboração na equipe, evitando silos de trabalho?</li>
<li>como realizar uma boa gestão de tarefas e de pessoas?</li>
<li>é possível ter uma gestão em um ambiente saudável e com entregas de valor?</li>
</ul>
A tarefa de encontrar uma metodologia de trabalho não é fácil. Para responder à essas perguntas é necessário, antes de tudo, entender que a forma de trabalho deve estar alinhada com a cultura da empresa, metas e o perfil do time.
Vamos mudar um pouco de ambiente e sair do mundo jurídico. Tradicionalmente, os projetos de desenvolvimento de software eram executados utilizando o método cascata, no qual um projeto era concluído em etapas e conduzido passo a passo, até o lançamento, como se vê no diagrama abaixo:
[caption id="attachment_365289" align="aligncenter" width="600"]<img class="wp-image-365289 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2022/04/cultura-agil.png" alt="cultura ágil" width="600" height="267" /> Crédito: Divulgação[/caption]
O problema dos antigos métodos é que tudo no projeto era considerado importante, não havia priorização, testes ou validações ao longo do caminho. Isso significa dizer que o processo era rígido e difícil de ser adaptado às necessidades dos clientes que poderiam mudar durante seu curso. Em um mundo onde a adaptabilidade passou a ser uma vantagem competitiva, um método como este torna-se inviável e um trabalho que não resulta em valor real. É loucura.
Em contraponto ao método cascata, trabalhar em um produto em ciclos curtos permite que se obtenha o feedback do usuário logo no começo do desenvolvimento. Assim, é possível eliminar tudo aquilo que constitui um desperdício de esforço. Segundo Jeff Sutherland, autor do livro “Scrum: A arte de fazer o dobro do trabalho na metade do tempo”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, cerca de 80% do valor de qualquer programa está em 20% de suas funcionalidades. Fazer as pessoas estabelecerem prioridades de acordo com este valor as obriga a produzir esses 20% primeiro.
E foi focando naquilo que é essencial que, em 2001, representantes de diversas metodologias se reuniram com a proposta de encontrar uma solução alternativa, criando o <a href="https://agilemanifesto.org/iso/ptbr/manifesto.html">Manifesto Agile</a><a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, que prioriza:
Indivíduos e interações mais que processos e ferramentas
Software em funcionamento mais que documentação abrangente
Colaboração com o cliente mais que negociação de contratos
Responder a mudanças mais que seguir um plano
Segundo uma publicação da Harvard Business Review<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>, 44% das empresas utilizam práticas ágeis dentro da equipe de desenvolvimento e 41% para operações de TI. Contudo, na economia digital, praticar o ágil apenas nas equipes de desenvolvimento e TI não é mais suficiente. As empresas precisam de agilidade em toda a organização, inclusive no jurídico.
Tá, mas e na prática, como e o que se pode implementar da metodologia ágil em um departamento jurídico?
Embora um advogado não escreva códigos ou entregue widgets, isso não quer dizer que a metodologia seja incongruente com serviços jurídicos.
A implementação da gestão ágil em um departamento jurídico parte da premissa de que é necessário ter mais liberdade e menos hierarquização dos processos de trabalho para que as entregas sejam realizadas de forma rápida e constante. Para isso, quanto maior a participação dos advogados na tomada de decisão e menor a subordinação dentro dos departamentos, melhor. Ou seja, o time deve se orientar pelos objetivos da empresa, porém deve ter autonomia para decidir a forma de trabalho e como atingirão as metas.
Vale lembrar que o foco do método são as pessoas, suas interações para criar soluções, sem que isso exija processos burocráticos ou uma extensa documentação. Para tanto, é necessário que se tenha comunicação frequente entre os membros do time e muita conexão com os stakeholders.
<blockquote class="jota-article__eye">Importante também dizer que o uso do ágil deve vir com uma dose de desapego. As pessoas devem estar preparadas para que  a forma de trabalho e os processos sejam sempre revistos, adaptados e modificados conforme necessário.</blockquote>
Alguns exemplos de como trazer a metodologia para casa:
<ul>
<li>Gestão de tarefas – Kanban: O Kanban é um quadro com colunas e cards para designar as tarefas existentes em uma equipe e o status em que elas se encontram. As colunas representam os status (backlog, doing, done). Os cards simbolizam a tarefa e devem ser movidos à medida que damos tratamento àquelas que foram priorizadas. O Kanban permite que todos consigam visualizar o que precisa ser feito por cada um da equipe, de uma forma simples e visual. As tarefas serão gerenciadas com rapidez, transparência e evita que haja demandas repetidas. Visualizando as tarefas de todos é possível, por exemplo, ajudar um colega em um tema que já foi consultado anteriormente, incentivando a colaboração.</li>
<li>Engajamento com os stakeholders: O objetivo do agile é a satisfação do cliente e, no caso de um departamento jurídico, o “cliente interno”. Sendo assim, é fundamental disponibilizar ao cliente acesso a uma equipe capacitada e especializada de advogados e, dentre esses, um ponto de contato para interação direta. Um exemplo de interação mais próxima e direta seria a participação dos advogados em reuniões de desenvolvimento novos produtos, desde a sua concepção ou mesmo participando na mesa para ouvir as metas do negócio. Assim, fica mais fácil entender os gargalos e prever as demandas.</li>
<li>Stand-up meetings: São reuniões diárias de curta duração com o principal objetivo é dar um contexto geral sobre os projetos em andamento, respondendo a três perguntas: O que você fez desde a última reunião? No que você está trabalhando? O que está impedindo você de fazer seu trabalho? Assim, todos estarão a par do que acontece, havendo uma maior integração da equipe e também um aumento considerável da produtividade.</li>
</ul>
É o fórum para identificar os principais problemas ou bloqueios do time, mas não para discuti-los ou resolvê-los.
<ul>
<li>Retrospectivas: São reuniões com uma frequência menor do que as stand-up meetings e têm como objetivo olhar para o passado e identificar pontos de melhoria. Entre as equipes que não são de desenvolvimento, você consegue fazer uma retrospectiva sobre praticamente tudo.</li>
</ul>
O primeiro passo é criar um ambiente comunicativo e de confiança, para discutir o que deu certo e errado sem colocar “culpa” de algo que não deu certo em alguém.
No caso de um departamento jurídico pode fazer sentido, por exemplo, ter um facilitador que trabalha com o time para compartilhar os principais aprendizados do mês e traçar em conjunto planos de ação para resolver as principais dores.
<ul>
<li>Data-driven: Nenhuma dessas adaptações terá efetividade se não houver um acompanhamento dos resultados. Por isso o departamento jurídico também deve coletar dados de produtividade levando em conta a complexidade dos temas tratados pelo time e o tempo de resposta. Só assim será possível verificar se a aplicação da metodologia está gerando os resultados ou se seria necessário adaptá-la.</li>
</ul>
O agile não precisa ser uma proposta de tudo ou nada. Uma abordagem agile só será sustentável se realmente funcionar para a equipe e fornecer melhores resultados para o negócio.
Como mencionado, algumas práticas da cultura ágil facilitam o dia a dia dos advogados e não é muito difícil dar o pontapé inicial, uma vez que se tratam de ajustes no modo de trabalhar que não exigem, por exemplo, uma grande alocação de recursos financeiros, existindo inclusive uma gama de ferramentas que fornecem a visão virtual de um kanban.
As demais sugestões mencionadas dizem respeito aos rituais de um time que podem ser testados após alguns alinhamentos em conjunto e cuja adaptação poderá ser feita após checagens periódicas. E, por último, caso a empresa possua um time de agilistas, vale sem dúvida uma troca de ideias, pois eles poderão guiar e facilitar a implementação da cultura, já tão praticada por eles.
A ideia, como dito acima, é criar uma rotina e usar ferramentas que (retro)alimentem uma melhoria contínua, resultado da maior visibilidade das demandas, foco no essencial e um ritual que permita autonomia e trabalho em equipe.
Espera-se que o uso dessas ferramentas resulte numa equipe mais autônoma, motivada e eficiente, o que permitiria uma melhor gestão e equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, além de abrir espaço para que o advogado tenha mais tempo para exercer seu potencial criativo e a equipe, como um todo, ofereça serviços jurídicos de forma criativa, inovadora. Parece uma verdadeira revolução, mas agilistas e juristas não precisam viver em mundos opostos.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> SUTHERLAND, Jeff: Scrum. A Arte de Fazer o Dobro do Trabalho na Metade do Tempo. Tradução Nina Lua. Rio  de Janeiro:;Editora Sextante, 2019.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Manifesto para Desenvolvimento Ágil de Software. Disponível em: <a href="https://agilemanifesto.org/iso/ptbr/manifesto.html">https://agilemanifesto.org/iso/ptbr/manifesto.html</a>. Acesso em 20/03/2022.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a>  Survey Data Shows That Many Companies Are Still Not Truly Agile. Disponível em: <a href="https://hbr.org/sponsored/2018/03/survey-data-shows-that-many-companies-are-still-not-truly-agile#:~:text=Survey%20Data%20Shows%20That%20Many%20Companies%20Are%20Still%20Not%20Truly%20Agile,-March%2022%2C%202018&amp;text=Agile%20practices%20have%20a%20vital,agile%20needs%20to%20be%20likewise">https://hbr.org/sponsored/2018/03/survey-data-shows-that-many-companies-are-still-not-truly-agile</a>. Acesso em 22/03/2022.

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