Opinião e Análise

Paulo Silva

Daniela Pacheco

Tendo sido classificada como umas das tecnologias mais disruptivas da última década, a chamada Internet das Coisas (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/iot">IoT</a> – Internet of Things) tem se mostrado cada vez mais importante, tanto na iniciativa privada quanto no poder público, impactando praticamente todas as indústrias e processos de negócio.
Um dos exemplos de como esta tecnologia tem sua importância reconhecida foi a instituição do Plano Nacional de Internet das Coisas (<a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/decreto/d9854.htm">Decreto 9.854/2019</a>), com foco na implementação e desenvolvimento da IoT no Brasil e baseado “na livre concorrência e na livre circulação de dados, observadas as diretrizes de segurança da informação e de proteção de dados pessoais”.
Dada a importância e o potencial da IoT e considerando que um dos pilares da área de Legal Operations é a tecnologia, se faz necessário um exercício para buscarmos como ela impacta a área e quais seriam possíveis aplicações, cabendo, inicialmente, uma rápida explicação sobre o que é a IoT.
Podemos conceituá-la como a tecnologia que permite a objetos físicos se conectarem a outros objetos físicos, trocando dados em tempo real ou mesmo iniciando e finalizando processos de negócios e fluxos de operações. Relatório elaborado pela Deloitte em conjunto com a Confederation of Indian Industry e publicado em 2020, já apontava para a importância que a IoT teria nos próximos anos, principalmente após o advento da Covid-19.
Para que esta tecnologia funcione, alguns componentes são necessários: a) os sensores, presentes nos dispositivos, coletando dados, identificando padrões, iniciando e finalizando ações; b) protocolos de rede (IP’s), que permitem que qualquer máquina conectada à internet possa se comunicar com outra também já conectada na rede; c) computação em nuvem que permite às organizações armazenar e analisar os dados coletados a partir de uma infraestrutura remota, o que aumenta a capacidade de processamento desses dados, ao mesmo tempo que reduz os custos.
No que se refere aos sensores, eles estão embarcados em muitos dispositivos (devices) que vão de automóveis e maquinário agrícola, passando por geladeiras, televisores, celulares, assistentes virtuais até aos chamados wearables, como smartbands, smartwatches e smart glasses.
Porém esse conjunto não alcançaria seu real potencial se não fosse complementada pela inteligência artificial (IA), utilizando, principalmente, o machine learning e o deep learning. É a IA que permite que os dados coletados pelos sensores, transmitidos pela rede em tempo real e processados na nuvem, convertam-se em aplicações efetivas.
Essas aplicações, por sua vez, direcionam-se basicamente a:
<ul>
<li>automatizar tarefas diárias;</li>
<li>aprimorar a experiência do cliente;</li>
<li>aprimorar o processo de tomada de decisões por meio dos dados captados e dos modelos e algoritmos alimentados;</li>
<li>gerar novos fluxos de receita.</li>
</ul>
A partir desses conceitos e direcionamentos, é possível então, buscar como essa tecnologia pode impactar as áreas de Legal Operations e quais benefícios podemos extrair de seu uso.
De imediato, é possível estabelecer que as áreas de legal intelligence acabam sendo beneficiadas com o uso da IOT, podendo, inclusive, antecipar ao departamento jurídico de uma empresa se uma determinada ocorrência pode gerar aumento de demandas.
Como exemplo da aplicação acima, imagine-se um processo de viagem, onde as reservas de hotel e as passagens aéreas são gerenciadas pela IoT.
Caso ocorra um evento imprevisto e o voo venha a ser cancelado ou adiado, além de um processo que envolve o atendimento ao cliente, que pode abranger desde uma reprogramação do voo até o cancelamento da reserva de hotel, o departamento jurídico já poderia ter as informações de todos que foram impactados e com isso decidir se caberiam medidas que antecipassem e evitassem possíveis litígios, bem como já prever os impactos orçamentários decorrentes (honorários, provisão, pagamentos). Um exemplo da aplicação voltada a um processo decisório aprimorado por meio dos dados gerenciados pela IoT.
No suporte a litígios e na constituição de provas, o uso de smart glasses (“os óculos inteligentes”) poderia, por exemplo, melhorar a qualidade de perícias judiciais, não só transmitindo dados, mas alertando o perito sobre possíveis “pontos cegos” ou mesmo lhe permitindo validar se todos os quesitos da perícia estão devidamente atendidos. Em outra frente, poderia facilitar as reconstituições de ocorrências pela polícia judiciária por meio de realidade aumentada. Sendo a área de Legal Operations responsável pela elaboração de subsídios, o uso da IoT em situações similares seria excelente.
Aliás, o mesmo wearable poderia automatizar uma grande parte do processo de resposta a ofícios.
Imagine receber um ofício “físico” e ao lê-lo com este dispositivo, o texto capturado já é convertido em dados que não só alimentam o cadastro, mas já buscam as informações solicitadas pela autoridade (ou iniciam o processo de cumprimento de alguma obrigação), começando, em paralelo, o processo de elaboração automática de resposta, cabendo ao profissional de operações legais não mais confeccioná-la, mas validar aquela gerada pelo processo de IoT.
Igualmente, um ofício de pensão alimentícia poderia ser rapidamente atendido pela área de recursos humanos.
Na frente de prática operacional, sensores em teclados e mouses das equipes de Legal Operations, ligados a uma ferramenta de BPMS (Business Process Management System) acelerariam o mapeamento e automação de fluxos e processos.
A partir dos exemplos acima, é possível afirmar que o uso da IoT em Legal Ops também aprimoraria a experiência do cliente (no caso, o poder público, que teria suas solicitações mais rapidamente atendidas, de maneira mais uniforme e célere), além de permitir a automação de tarefas de maneira muito rápida e efetiva, uma vez que possibilitaria a aplicação de um processo de melhoria contínua de maneira muito mais rápida.
Sensores em tela seriam mais efetivos no processo de machine learning, por exemplo, no caso de classificação de petições, pois apontariam onde, comumente, em tais petições, determinados dados estão, e assim, o processo de classificação seria mais rápido.
O uso da Internet das Coisas traz questões que envolvem a LGPD, ferramentas de criptografia e a segurança cibernética, porém, o objetivo deste texto, que tateia nas possíveis aplicações de IoT no mundo jurídico e na área de Legal Operations, é pensar em como podemos fazer um bom uso dela, ainda mais em um cenário em que seu custo diminui, seja em seu processamento, seja nos dispositivos usados.
Não se ignora que, na área de Legal Operations, em termos de tecnologia, ainda temos muitas lacunas (busca-se tanto o uso da IA, porém não se dá a devida atenção a qualidade dos dados inseridos e que servirão de base para ela), porém, negligenciar as possibilidades que a Internet das Coisas apresenta é algo que não pode ser feito, sob pena de não usarmos todo o seu potencial de modo estratégico.
Afinal, ainda que amplamente usada e que já seja um pouco clichê, está correta a frase de Peter Drucker quanto a criar o futuro ser a melhor forma de prevê-lo.
Vamos criar o futuro do Legal Operations no Brasil!
*
O subtítulo deste texto é uma frase de Arthur C. Clarke, escritor e inventor britânico radicado no Sri Lanka, autor de obras de divulgação científica e de ficção científica.

dall-e

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JOTA

Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinta de magia

Internet das Coisas e Legal Operations

A chamada Internet das Coisas tem se mostrado cada vez mais importante, tanto na iniciativa privada quanto no poder público