Opinião e Análise

Rafaela Medeiros

Graças a uma combinação de desafios que exigem, simultaneamente, uma visão jurídica apurada e um entendimento profundo do negócio, aliados ao surgimento de novas ferramentas tecnológicas que auxiliam a avaliação e as análises dos(as) advogados(as) internos(as) das empresas, também conhecidos por “in house lawyers”, o Departamento Jurídico corporativo tem comprovado sua expressiva relevância, com atuação não apenas como solucionador de controvérsias, mas como peça-chave capaz de agregar cada vez mais valor ao negócio das empresas.
Até pouco tempo, o Jurídico das empresas era visto, equivocadamente, como mero supervisor dos escritórios de advocacia externos. Nesse contexto, o papel dos advogados internos não era reconhecido com a devida importância no desenvolvimento estratégico do negócio. Dentre as atividades que enxergavam serem mais comuns, destacavam-se as de: (a) contribuir com a escolha dos escritórios de advocacia externos; (b) revisar os memorandos e pareceres recebidos destes parceiros, opinando quanto à razoabilidade e aplicabilidade, adequando o trabalho sob a ótica corporativa e interesses da empresa; e (c) atuar como elo para os escritórios que precisavam de informações sobre as políticas e procedimentos da organização.
Com sorte, essa percepção está mudando. Hoje, pode-se dizer que este profissional demonstra uma atuação que vai muito além da condução de processos, claramente relevante no direcionamento dos negócios da empresa.
O seu papel, de mero administrador e orientador quanto à aplicabilidade de normas jurídicas, contempla, na verdade, a atuação como um verdadeiro “parceiro de negócios” (business partner), promovendo orientações, pareceres e definições precisas e relevantes sobre as mais variadas questões jurídicas que se aplicam ao negócio e seus serviços ou produtos. Chega a funcionar como verdadeiros direcionadores do modelo de negócio e dos investimentos da empresa. Essa atuação se dá de forma independente dos escritórios externos, que muitas vezes sequer chegam a ser consultados, sobretudo em situações que exigem um maior conhecimento do negócio.
Essa evolução pode ser observada através de uma pesquisa realizada pela editora Análise Editorial e publicada no anuário “Análise Executivos Jurídicos e Financeiros 2019”[1], que confirma o crescimento em 34% no número de advogados que ingressaram nos setores jurídicos das principais empresas do país.
Ainda de acordo com a Análise – desta vez em números do mapeamento de 2022², a valorização do Jurídico corporativo segue em curva ascendente, já houve um aumento de 51% nos cargos de Diretor Jurídico e de 28% nos cargos de Gerente Jurídico nas organizações mapeadas.
A publicação deste ano ainda demonstra que 62% dos diretores jurídicos respondem direto para o principal executivo das empresas, 51% se responsabilizam pela área ESG, 60% também respondem pela área de Compliance e 26% também contemplam a área de Proteção de Dados. E abraçar áreas tão relevantes e críticas ao negócio não poderia ser feito sem o apoio de parceiros especializados.
Sem dúvidas, as orientações de escritórios de advocacia externos, que normalmente são especializados em determinada área do Direito, continuam tendo uma função de grande relevância. Isso é algo indiscutível. No entanto, para a otimização da aplicação das orientações, exige-se um profundo conhecimento do negócio e das práticas e normas internas da empresa (ainda que baseado nas legislações cabíveis).
A sinergia entre os universos jurídicos do ambiente corporativo e dos escritórios de advocacia externos, através de uma atuação conjunta baseada na troca de experiências e complementação de expertises, se torna cada vez mais admirável, necessária e desafiadora.
Diante dessa nova perspectiva, o advogado corporativo deixa de ser visto em um papel estritamente relacionado à aplicação das normas jurídicas, e passa a atuar como um verdadeiro business partner. Assim, por diversas vezes, é possível acompanhar o assunto/projeto do início ao fim, reunindo as mais diversas perspectivas, auxiliando, inclusive, na criação do histórico para manter a coerência de atuação da empresa em seu segmento ao longo do tempo. Tal medida se reflete diretamente no desempenho da organização.
Nesse cenário, ingressar no Jurídico de uma empresa gera uma mudança no perfil de atuação de um advogado acostumado com a prática dos escritórios de advocacia. A atuação dentro das empresas expõe o profissional a, além de responsabilidades de gerenciamento potencialmente significativas, ingressar em desafios que transcendem o universo jurídico, incluindo a necessidade de: conhecimento profundo do negócio para a emissão de orientações alinhadas com os objetivos da empresa, trocas constantes entre as suas diversas áreas, bem como desenvolver o conhecimento dos regulamentos e normas da empresa, sua cultura, missão e valores. É o profissional corporativo com conhecimento técnico-jurídico.
A diversidade na atuação permite que o advogado trabalhe com pessoas de múltiplas áreas de atuação e com os mais diversos backgrounds, propiciando desenvolvimento significativo das suas habilidades, que passam a ir muito além do conhecimento do Direito.
No contexto da atuação prática, vale destacar algumas atividades relevantes, bem como desafios encontrados no ambiente corporativo atualmente. O advogado in house precisa, por exemplo, desenvolver as seguintes habilidades ou skills no ambiente corporativo:
<ul>
<li>Ser capaz de realizar orientações precisas, relevantes e oportunas a diversos membros da empresa sobre uma variedade de tópicos jurídicos relacionados ao seu negócio, produtos ou serviços;</li>
<li>Elaborar, revisar e participar ativamente da negociação de diversos contratos e acordos comerciais, atuando prioritariamente de forma preventiva;</li>
<li>Gerenciar e mitigar riscos legais, projetando e implementando políticas e procedimentos da empresa;</li>
<li>Garantir o cumprimento de todas as leis e regulamentos aplicáveis ao negócio, avaliando sempre o melhor cenário e promovendo alternativas quando houver situação contrária à lei;</li>
<li>Promover as melhores práticas legais, a exemplo do compliance, proteção de dados, construção da agenda ESG e de aprimorar a gestão de risco;</li>
<li>Facilitar a comunicação e gerenciamento de quaisquer órgãos e/ou terceiros externos;</li>
<li>Manter um bom relacionamento não só com seu departamento, mas com as demais áreas da empresa, de forma a ampliar seu conhecimento do negócio, criando um ambiente corporativo amistoso e propício para melhores negociações;</li>
<li>Promover retornos, pareceres, consultas, viabilizando de forma ágil o negócio – simplificando a governança, sempre que possível;</li>
<li>Manter-se atualizado com as mudanças na legislação, principalmente em relação às leis, regras e regulamentos que afetam diretamente ou indiretamente seus negócios; e</li>
<li>Facilitar e esclarecer o entendimento das demais áreas da empresa sobre os termos legais necessários para o dia a dia do negócio.</li>
</ul>
Exige-se do advogado, assim como se dá com qualquer profissional de áreas especializadas, uma expertise acerca do Direito e de sua área de atuação. Contudo, cada vez mais se espera dele uma visão multidisciplinar e curiosa, permitindo que haja um comportamento sinérgico com as mais variadas áreas funcionais.
O Departamento Jurídico, portanto, tornou-se um parceiro fundamental para o desenvolvimento dos negócios da empresa. Através da devida avaliação dos riscos, resguarda os interesses da organização e não deve inviabilizar o negócio. Dizer “não” é a última alternativa – o mais correto é dizer “como”, mitigando riscos e adequando os projetos e iniciativas conforme as normas em vigor.
Cabe ao profissional jurídico corporativo, portanto, com sua atuação multitask, possibilitar a operação ou o lançamento de novos produtos e/ou serviços da forma mais segura possível. Nesse contexto, ele deixa de ser visto como um “entrave” ao desenvolvimento da empresa, passando a significar investimentos no lugar de custos, tornando-se assim um verdadeiro facilitador e por que não dizer, parte essencial do negócio.
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[1] Análise Editorial. Artigo: Média de advogados cresce 34% nas dez empresas com maior número de profissionais jurídicos. Analise.com, 2019. Disponível em <a href="https://analise.com/noticias/media-de-advogados-cresceu-34-nas-dez-empresas-com-maior-numero-de-profissionais-juridicos">https://analise.com/noticias/media-de-advogados-cresceu-34-nas-dez-empresas-com-maior-numero-de-profissionais-juridicos</a> . Acesso em: 27 de julho de 2022.
[2] Análise Editorial. Anuário Análise Executivos Jurídicos e Financeiros das maiores empresas do Brasil. Edição de aniversário de 15 anos. Páginas 58 a 61.

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JOTA

O advogado in house e o seu papel estratégico nas empresas

A atuação multitask do advogado corporativo e sua crescente relevância

Cabe ao advogado corporativo possibilitar a operação ou o lançamento de produtos e/ou serviços da forma mais segura possível