Opinião e Análise

Gabriel Fajardo

Sílvia Machado Lage

<p>Legatário do modelo GEIPOT ou “de planilhas tarifárias” desenvolvido pela antiga Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes nos anos 1980, cuja fórmula de cálculo divide o custo total do sistema (extraído com base nos custos médios de cada item e não nos custos reais, inclusa a parcela de lucro da concessionária) pelo número de passageiros que pagam proporcionalmente pela tarifa, o modelo regulatório vigente dos contratos de concessão de transporte coletivo não acompanhou a evolução observada em outros setores – basta lembrar a revolução regulatória nos setores de telecomunicações e energia elétrica e a premente mudança no setor de saneamento.</p>
<p>A necessidade de superação desse modelo – que tem sido já há muito tempo duramente criticado em todo o país –, no qual todos os custos do sistema e toda a demanda de passageiros são repassados para a tarifa (portanto, arcados pelos usuários pagantes), é cada vez mais reconhecida e destacada pelos especialistas como crucial para a sustentabilidade dos serviços de transporte<a href="applewebdata://05AFE7D9-28AA-47DF-B3F1-FE07637B43EA#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, tanto por não incentivar a eficiência do sistema de remuneração das concessionárias – e consequentemente a qualidade dos serviços prestados – como por engessar a própria criatividade empreendedora nos ganhos de escala e melhor organização logística.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/tributos?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Tributos_materias" rel="attachment wp-att-291213"><img class="size-medium wp-image-291213 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-tributos-v2.jpg" alt="" width="300" height="300" /></a></p>
<p>De fato, a obsolescência do modelo GEIPOT se tornou particularmente evidente após a eclosão da pandemia Covid-19 sob os ângulos da transparência e da modicidade tarifária, na medida em que recompensa a ineficiência das concessionárias ao não permitir, em geral, que o Poder Concedente garanta que o repasse integral dos custos da operação para a tarifa converta eventual aumento na arrecadação em ganhos de qualidade para o sistema.</p>
<p>Trata-se do conhecido e velho problema, já identificado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) como uma das principais falhas no modelo de regulação econômica das concessões de rodovias federais<a href="applewebdata://05AFE7D9-28AA-47DF-B3F1-FE07637B43EA#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, da chamada metodologia de “regulação por custos”: comparada à regulação por incentivos ou objetivos – que evita problemas de medição dos serviços e de manipulação de tarifas –, os efeitos adversos decorrentes da regulação por custos (assimetria de informações, desempenho e qualidade insuficientes, ausência de limites objetivos para modificações contratuais e instrumentos ineficazes de participação e controle social disponibilizados aos usuários, entre outros) foram apontados pela Corte de Contas, juntamente com a ausência de efetiva fiscalização das concessionárias por parte das agências reguladoras, como os principais causadores dos aumentos indevidos de tarifa atualmente verificados em todo o país.</p>
<p>No setor de transportes, a regulação por custos realmente não envolve mecanismos de política tarifária que privilegiem a eficiência e atualidade dos serviços, vinculando a revisão da tarifa unicamente a eventos extraordinários – o que tem como consequência o desincentivo à produtividade das concessionárias de transporte e o consequente aumento das tarifas.</p>
<p>Tal situação, considerando-se as diretrizes da Lei Federal de Concessões – que orientam a prestação de serviços públicos em estrutura de mercado concorrencial, é dizer, por regulação de incentivos –, está se tornando cada vez mais insustentável tanto para o Poder Público como para os usuários, na medida em que ao aumento dos custos do sistema corresponde uma queda constante de passageiros e, consequentemente, da qualidade dos serviços prestados pelas concessionárias (que visam maior retorno sobre o capital investido).</p>
<p>A calhar, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou, no último dia 12/04, um estudo bastante relevante e aprofundado sobre indução de eficiência e melhoria da qualidade dos serviços de transporte público de passageiros intitulado “Novo Modelo de Contrato de Mobilidade Urbana: Como Gerar Receita, Aumentar Uso e Reduzir Custos de Transporte Público Urbano”, que vai justamente ao encontro com as mais recentes discussões em torno do tema.</p>
<p>Partindo da premissa de que o transporte público “é a forma mais eficiente de oferecer mobilidade a baixo custo, impacto ambiental e impacto urbano”, o IPEA apresentou, considerando o cenário das externalidades positivas que o transporte público traz à cidade, diversas propostas de alterações para os atuais contratos de concessão de ônibus no país – aplicáveis tanto para futuras licitações como para contratos vigentes (via aditivos em processos de reequilíbrio econômico-financeiro) –, com foco na melhoria e qualidade dos serviços para os usuários.</p>
<p>Além de maior flexibilidade – incluindo sugestão de sistemas alimentadores “sob demanda” –, o Instituto propõe, sempre visando diminuir os custos do sistema e a obtenção de novas receitas, diversas práticas avançadas de regulação eficiente de tarifa e controle e definição de rotas adequadas com a utilização de tecnologias de acompanhamento de passageiros/itinerário, buscando maior eficiência da gestão dos serviços pelo Concedente e o melhor nível possível da prestação do serviço para os usuários.</p>
<p>O arrazoado do IPEA assenta, com robustez, um diagnóstico hoje bastante aceito e comum entre os mais avançados estudos sobre os modelos de regulação de contratos de concessão para transporte de passageiros no mundo – inclusive em Minas Gerais – e que se tornou notório e irrecusável após os desdobramentos da pandemia da Covid-19 para o setor, qual seja, o de que “os contratos de concessão de ônibus terão de passar por significativa reformulação”.</p>
<p>É verdade que o setor perdeu grande oportunidade com o veto do PL 3364/2020, que previa uma reforma estrutural nos contratos de concessão existentes, inclusive com a necessidade de indução de mecanismos de eficiência e de aumento da regulação sobre a atividade privada; mas nada impede que o que foi ventilado pelo PL possa ser realizado por meio de negociações – isto é: a partir do diagnóstico dado, é viável a reformulação das premissas adotadas em prol da melhoria do serviço público, em um esforço conjunto de concessionárias e Poder Concedente.</p>
<p>A revolução no transporte coletivo é urgente, necessária e especialmente convidativa em momentos de crise como a que vivemos: a flexibilidade, associada à eficiência e à transparência, parecem ser uma tríade capaz de apontar um caminho possível.</p>
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<p class="jota-article__reference"><a href="applewebdata://05AFE7D9-28AA-47DF-B3F1-FE07637B43EA#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Segundo os resultados do estudo do Grupo de Trabalho do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Públicos de Transporte Urbano e Trânsito, publicado em agosto de 2017 e coordenado pela ANTP com o intuito de identificar as práticas utilizadas para o cálculo dos custos dos serviços de transporte público urbano de passageiros por ônibus, os referenciais de custos GEIPOT utilizados pela maioria dos municípios brasileiros não mais refletem a dinâmica setorial de mercado (cf. Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP. “Custos dos serviços de transporte público por ônibus: método de cálculo”. Coordenação geral de Antonio Luiz Mourão Santana; Coordenação técnica de Maria Olívia Guerra Aroucha; Apresentação de Ailton Brasiliense Pires. São Paulo: 2017, p. 16-17).</p>
<p class="jota-article__reference"><a href="applewebdata://05AFE7D9-28AA-47DF-B3F1-FE07637B43EA#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Confira-se, nesse sentido, os paradigmáticos Acórdãos do Plenário n°s 1174/2018 e 1096/2019.</p>


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JOTA

Contratos de concessão de ônibus terão de passar por significativa reformulação

Transporte coletivo de passageiros: flexibilidade, regulação e serviços adequados

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