Opinião e Análise

Jéssica Loyola Caetano Rios

Isadora Cohen

Por essência, a palavra parceria remete à ideia de reunião de pessoas para a realização de interesses e objetivos comuns. Derivada das palavras parceiro ou parceira, do latim “partiarium”, diz respeito àquele que participa, que faz parte das intenções de outrem. No âmbito das concessões e parcerias público-privadas, a premissa conceitual não poderia ser diferente: tratam-se de arranjos contratuais construídos para viabilizar a participação do particular na consecução das tarefas públicas, caracterizados pela convergência de interesses entre a Administração Pública e o parceiro privado na realização de determinada atividade.
Para que tal premissa se confirme na prática e se estabeleça uma parceria verdadeira entre as partes, é fundamental que Administração Pública e particular mantenham entre si um espaço aberto à discussão dos temas complexos que se apresentem ao longo da execução do contrato, primando pela construção dialógica de soluções e alternativas que possibilitem o cumprimento do objeto contratual.
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De fato, é apenas através do diálogo que se pode garantir a efetiva participação e atuação do particular como parceiro da Administração Pública, despindo a relação contratual das amarras e limitações características do regime de prerrogativas típico da Teoria Clássica do Direito Administrativo.
<a href="https://conteudo.jota.info/risco-politico" target="_blank" rel="noopener noreferrer"><img class="aligncenter wp-image-244336 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/04/cta-risco-politico.png" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
Nas concessões e parcerias público-privadas, a verticalidade e autoritarismo normalmente associados aos contratos administrativos devem ser relativizados<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, cedendo espaço ao desenvolvimento de uma relação consensual e dialogada entre as partes, que permita ao particular participar conjuntamente da concepção e gestão do contrato, identificando problemas, construindo soluções inovadoras e customizadas às especificidades do negócio e contribuindo para o aprimoramento constante dos serviços prestados.
Em linhas gerais, e sem qualquer pretensão de esgotar esse tema, a essencialidade do diálogo e da consensualidade nas relações de longo prazo firmadas entre a Administração Pública e parceiros privados pode ser justificada pelo fato de que (i) as concessões e parcerias público-privadas são contratos de resultados, cujos meios de consecução não são estáticos e imutáveis; (ii) as relações de longo prazo são naturalmente incompletas e, como tais, pressupõem ajustes e adequações ao longo do tempo; e (iii) a primazia da consensualidade na discussão de questões complexas e/ou controvertidas promove ganhos de eficiência, economia e tempo às partes.
A percepção dos contratos de concessão e parcerias público-privadas como instrumentos de resultado está diretamente relacionada à necessidade de que se confira maior flexibilidade e dialogicidade a essas relações<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Se, de um lado, o objetivo e finalidade última do contrato é a prestação do “serviço público adequado ao pleno atendimento dos usuários”, os meios que serão adotados pelo particular para atingir tal fim são inúmeros e estão sujeitos a modificações e aperfeiçoamentos, à medida em que a tecnologia e instrumentos disponíveis também se desenvolvam ao longo do tempo. Nessa perspectiva, também as necessidades dos usuários e as próprias características do empreendimento estão sujeitas a transformações, exigindo das partes a adequação da prestação dos serviços às especificidades de cada caso concreto.
A adequação do contrato à realidade fática a ele subjacente pressupõe o compartilhamento de ideias, definições e discussões entre as partes, a quem caberá buscar conjuntamente os melhores meios para o sucesso da parceria e para a maior adequação do serviço público posto à disposição da sociedade. Para as concessões e parcerias público-privada, portanto, é inviável a definição prévia e engessada dos meios de execução do contrato, cabendo às partes dialogarem constantemente sobre as alternativas possíveis e mais adequadas ao atingimento da finalidade contratual.
Às inúmeras possibilidades disponíveis e possíveis para a realização do objeto contratual, somam-se os igualmente numerosos riscos, vicissitudes e incertezas aos quais se submetem as concessões e parcerias público-privadas durante os seus longos anos de vigência. Diante da impossibilidade de que sejam definidos previamente todos os eventos econômicos, jurídicos e sociais que poderão impactar o equilíbrio econômico-financeiro contratual, por vezes a matriz de riscos e os mecanismos de reparação dos seus efeitos, tal como previstos inicialmente pelas partes, se mostra incapaz ou insuficiente de reequilibrar o contrato.
Nesses casos, partindo-se da premissa de que os contratos de concessão e parceria público-privados são, por natureza, incompletos e mutáveis, o diálogo e a consensualidade novamente ganham importância. Isso porque, diante da materialização de riscos imprevistos e de efeitos incalculáveis sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, poderão as partes, dentro das diretrizes e premissas básicas contratuais, repensar a alocação de riscos prevista inicialmente e os próprios mecanismos de reequilíbrio adotados originariamente, construindo conjuntamente soluções que, ao tempo em que viabilizem a continuidade e a prestação adequada dos serviços, também garantam as condições da proposta apresentada pelo particular.
Mais do que isso, uma vez que as relações contratuais de longo prazo pressupõem a sua constante adequação às mudanças ocorridas ao longo tempo, a atuação conjunta das partes em busca das melhores alternativas para a continuidade da parceria é necessária e deve preceder a interferência unilateral e impositiva da Administração Pública na relação, seja para modificá-la ou extingui-la. Não se ignora, evidentemente, a possibilidade de atuação imperativa da Administração Pública em determinados casos, mas a precedência da busca consensual pelas ferramentas que viabilizem a continuidade da relação contratual é da maior importância nas relações contratuais de longo prazo.
<blockquote class="jota-article__eye">Como resultado da impossibilidade de se imaginar previamente todos os eventos que poderão impactar a execução e o bom andamento do contrato, as relações de longo prazo estão sujeitas a uma série de intercorrências pós-contratuais imprevisíveis, mas que devem ser tratadas e enfrentadas pelas partes.</blockquote>
Nesse contexto, o contrato é e deve ser uma moldura metodológica que oriente o comportamento, permita e incentive o diálogo entre em torno dessas incertezas. Vale dizer, é de suma relevância que os contratos orientem e prevejam mecanismos de diálogo entre as partes, contribuindo para o fortalecimento da cultura da consensualidade nessas parcerias e na ampliação da autonomia das partes para lidarem com o dinamismo que é inerente a essas relações.
Finalmente, a consensualidade e o diálogo são também importantes ferramentas de eficiência, de mitigação de custos e de tempo. Há ganhos de eficiência, uma vez que permitem a troca de percepções, ponderações e preocupações a respeito das questões contratuais controvertidas, promovendo possíveis ganhos qualitativos à tomada de decisões.
Além disso, há mitigação de custos e de tempo, à medida em que o diálogo contínuo entre as partes, seja para a definição dos conceitos contratuais, das diretrizes e premissas interpretativas a serem adotadas durante a execução contratual ou para o endereçamento de qualquer tema complexo relacionado à avença, contribui para a construção de um ambiente amigável, não adversarial, e, portanto, menos suscetível à instauração de futuros procedimentos administrativos, judiciais e/ou arbitrais.
As relações público-privadas de longo prazo são – e devem ser – dinâmicas e ajustáveis às diferentes circunstâncias fáticas que se apresentem ao longo de sua execução.
O contrato é, nesse contexto, uma moldura principiológica que estabelece as diretrizes da relação contratual, cujo conteúdo, conceitos e interpretações devem ser constantemente revisitados e ressignificados pelas partes. O diálogo, a consensualidade e a cooperação são as ferramentas essenciais para que essa dinamização aconteça e para que se possa, enfim, prestar o serviço mais adequado aos usuários, garantindo a sua atualidade, modernidade e eficiência.
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O Sem Precedentes desta semana analisa <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/bolsonaro-indica-kassio-nunes-stf-01102020" target="_blank" rel="noopener noreferrer">surpreendente indicação</a> de Kassio Nunes Marques, hoje desembargador do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF1), para o Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/stf">STF</a>). Ouça:
https://www.youtube.com/watch?v=6UbopF1SKqA&amp;feature=emb_title
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Nas palavras de Kleber Zanchim, “O modelo mental estatizante, calçado no rigor da lei e na primazia do interesse público, não tem lugar nas PPPs. Assim, para a disseminação desta figura jurídica, o Estado terá de buscar o equilíbrio entre ser um centro de exercício de poder e um player do mercado. Será ao mesmo tempo regulador e regulado. Investidor e controller do investimento. Parte obrigada ao cumprimento de determinada obrigação e julgador sobre o adequado adimplemento do contrato. E, por fim, aplicador e, simultaneamente, sujeito, tanto do Direito Público quanto do Direito Privado”. In: ZANCHIM, Kleber Luiz. Contratos públicos e direito provado: interpretação, princípios e inadimplemento. São Paulo: Almedina, 2016.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Nas palavras da Professora Juliana Palma, “Basicamente, os parceiros privados nos contratos de PPP e nos contratos de gestão, por exemplo, modelam a forma de execução do objeto contratual de acordo com a expertise que possuem e o cenário no qual o serviço será prestado, mediante a definição dos projetos executivos e das correspondentes metas. (...) Nessa medida, o tipo de controle é predominantemente por resultados”. In: PALMA, Juliana Bonacorsi de. A atuação administrativa consensual. Malheiros Editores, 2015.

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JOTA

O contrato é e deve ser uma moldura metodológica que oriente o comportamento, permita e incentive o diálogo

O diálogo nas parcerias público-privadas

Nas concessões e parcerias público-privadas, a verticalidade e autoritarismo normalmente associados aos contratos administrativos devem ser relativizados