Opinião e Análise

Gabriel Fajardo

Cristiana Fortini

A estabilidade das relações público-privadas demanda previsibilidade. Em um ambiente marcado por crises econômicas e políticas, cabe ao Direito prover a segurança necessária para realização de investimentos mediante a formação de vínculos contratuais de longo prazo. 
Ao menos desde a Constituição da República, houve um esforço para que as intepretações jurídicas pudessem ser previsíveis. A voz arguta da doutrina, por diversas vezes, apresentou soluções, denunciou inconformidades legislativas, se preocupou com a atuação descabida das instituições.
<a href="http://conteudo.jota.info/jota-pro-tributos"><img class="aligncenter wp-image-259015 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos.jpeg" sizes="(max-width: 1080px) 100vw, 1080px" srcset="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos.jpeg 1080w, https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos-300x300.jpeg 300w, https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos-1024x1024.jpeg 1024w, https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos-150x150.jpeg 150w, https://www.jota.info/wp-content/uploads/2020/07/cta-jota-pro-tributos-768x768.jpeg 768w" alt="" width="1080" height="1080" /></a>
A Lei nº 13.655/18 foi um aceno importante em prol dessa agenda. Sinalizou aos controladores e gestores a importância de se considerarem os efeitos da decisão, sem se amparar apenas em valores abstratos<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote1sym" name="sdfootnote1anc">[1]</a>. Impôs aos agentes públicos o encargo de motivar racionalmente as escolhas e decisões, exibindo a análise das opções disponíveis, quando existentes, e a justificativa do caminho adotado. 
É com pesar, pois, que se observa o episódio Linha Amarela, que revela o quanto ainda se há de avançar na conquista da segurança jurídica. O esforço de se consolidar o Brasil como um ambiente estável, previsível juridicamente, e sobretudo confiável sofre um abalo. 
Contratos de concessão são vínculos por meio dos quais se transfere a execução de serviços públicos (aliados ou não a obras públicas), não a titularidade. Daí a possibilidade, observados os procedimentos legais, de se romper prematuramente o contrato. 
Concessões tradicionais ou especiais envolvem, em maior ou menor grau, investimentos privados que são recuperáveis ao longo do contrato. Desonerar-se do dever de investir diretamente é, inclusive, um dos possíveis fatores a motivar o poder concedente a celebrar a concessão. A esse elemento impulsionador se aliam outros como a expectativa de ganhos de eficiência, via atuação particular, e mesmo a obtenção de valores- outorga, como exemplo- a serem pagos pelos concessionários. 
O que move o privado a assumir obrigações perante o Poder Concedente e os usuários? Lucro. Este o fator a impulsionar o operador econômico a celebrar o contrato. O investimento realizado há de ser recuperado. Mais que isso, o concessionário espera obter retorno econômico- não a mera amortização dos investimentos- pelo conjunto de obrigações assumidas.
Não por outra razão, a relação prazo de duração e investimentos é umbilical. O lapso temporal oscila ao sabor, entre outros fatores, do volume de investimentos assumido pelo privado.
<blockquote class="jota-article__eye">Como, então, admitir que o Poder Concedente desfaça o vínculo antes de seu termo, mormente quando não se apontam falhas em volume e profundidade capazes de sustentar a decisão pelo desfazimento do elo? </blockquote>
A equação encontrada pelo legislador foi permitir a encampação do serviço pelo Poder Concedente, desde que realizada prévia indenização ao parceiro privado<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote2sym" name="sdfootnote2anc">[2]</a>.Mas não só: dada a sensibilidade da quebra do vínculo e das repercussões econômico-financeiras decorrentes da decisão administrativa de encampar, o legislador exigiu lei autorizativa específica para a hipótese. 
O Município do Rio de Janeiro nos ofertou uma amostra do quanto os contratos ainda são vulneráveis. Aludiu-se ao alto custo do pedágio e à alegação de superfaturamento pela concessionária como fundamento para quebra das cancelas<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote3sym" name="sdfootnote3anc">[3]</a>. A isso se seguiu a judicialização da demanda pela concessionária, que conseguiu em duas instâncias impedir a medida pretendida. 
Recentemente, em decisão monocrática, o STJ decidiu pela possibilidade de o Poder Concedente, diante de lei autorizativa, encampar a concessão da Linha Amarela, sob a alegação de que restavam comprovados os indícios de descumprimento do contrato pela concessionária<a class="sdfootnoteanc" href="#sdfootnote4sym" name="sdfootnote4anc">[4]</a>. 
Para além da instabilidade jurídica, a decisão confundiu conceitos distintos: enquanto a encampação cuida da retomada do serviço por motivo de interesse público, devidamente justificado, a caducidade é a hipótese cabível de encerramento do vínculo contratual por descumprimento de obrigações da concessionária. 
Os requisitos são, por isso mesmo, distintos – mas ambos demandam a devida instrução processual, o comprometimento com as regras legais, e o respeito ao investimento privado. Mas, mais ainda, requerem que seja realizada uma avaliação consequencialista da decisão, sopesando, inclusive, os custos que serão assumidos pelo Município, com a retomada do serviço público. 
A deferência do controle ao controlado é salutar e imperiosa, mas não se traduz em cheque em branco. A atuação administrativa gozará de prestígio caso, para além de não ilícita de pronto, esteja presente motivação densa, apta a explicar as escolhas adotadas, suficiente para que se possa compreender o caminho percorrido. Deferência não traduz blindagem. Não há nenhuma relação entre deferência e chancela à ilegalidade.
Fora da racionalidade decisória, do respeito aos vínculos contratuais, e dos ritos ordinários procedimentais, não haverá conforto, estabilidade, segurança. Quem ganha neste cenário? 
O episódio Linha Amarela é um desserviço ao propósito de atrair investimentos privados ao escancarar o quão perigoso pode ser assumir contratos com o Poder Público. O drama se acentua em tempos de nova roupagem para o marco do saneamento e da alegada necessidade de que operadores econômicos acudam às concorrências.

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<a class="sdfootnotesym" style="font-family: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;" href="#sdfootnote1anc" name="sdfootnote1sym">[1]</a> Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.
Parágrafo único. A motivação demonstrará a necessidade e a adequação da medida imposta ou da invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa, inclusive em face das possíveis alternativas
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote2anc" name="sdfootnote2sym">[2]</a> Art. 37. Considera-se encampação a retomada do serviço pelo poder concedente durante o prazo da concessão, por motivo de interesse público, mediante lei autorizativa específica e após prévio pagamento da indenização, na forma do artigo anterior.
<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote3anc" name="sdfootnote3sym">[3]</a> A existência ou não se superfaturamento e o excessivo valor do pedágio não são negados ou defendidos neste texto.
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<a class="sdfootnotesym" href="#sdfootnote4anc" name="sdfootnote4sym">[4]</a> Trecho da decisão:“O contrato pactuado em 1994, portanto em outra realidade, foi sendo, aqui e ali, prorrogado, estando nos dias de hoje desvinculado do edital. Os indícios de que obras foram superfaturadas são vários e coincidentes, apurados em mais de um processo administrativo. O afastamento, a posteriori, em 2005, do fluxo de veículos como elemento da equação financeira do contrato corroborou a descaraterização do contrato na forma como estabelecido no edital de licitação. Esses fatos provavelmente causam o valor oneroso do preço do pedágio à custa do cidadão”. SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA Nº 2792 - RJ (2020/0237896-3).
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JOTA

Município do Rio de Janeiro nos ofertou uma amostra do quanto os contratos ainda são vulneráveis

Linha amarela e o castelo de areia da segurança jurídica

O episódio Linha Amarela é um desserviço ao propósito de atrair investimentos ao escancarar o quão perigoso pode ser assumir contratos com o Poder Público.