Opinião e Análise

Cintia Torquetto

Marcia Ferrari

Sempre que pensamos em infraestrutura, grandes canteiros de obras vêm à mente ou salas de projetos, leilões, ambientes em sua maioria ocupados por homens, imagens estereotipadas que ainda povoam nosso subconsciente. Alguns dirão que sempre houve mulheres nesses lugares e que não enxergam preconceito ou distinção entre seus pares. “Eu até tenho uma amiga que trabalha com infraestrutura” será uma frase frequentemente ouvida. Verdade seja dita, sim, elas existem, a cada dia passam a ocupar mais posições estratégicas e em maior número, mas a progressão ainda é tímida.  
Discutir a importância da presença das mulheres, sobretudo em um setor que as afeta tão diretamente, é uma reflexão que surge do incômodo de ter oportunidades e lugar de fala na infraestrutura, segmento essencial para um desenvolvimento socioeconômico realmente sustentável, seja ele do ponto de vista financeiro ou ambiental. 
A ideia da Infra Women Brazil nasceu em 2019 de uma inquietação de ver poucas mulheres nesse lugar de fala. Um grupo que começou com cinco profissionais hoje congrega mais de 1.200 integrantes atuantes nas mais diversas frentes desse fascinante setor, que vêm trabalhando para proporcionar mais visibilidade às representantes femininas, fortalecendo sua presença na infraestrutura.   
Embora tenhamos algumas iniciativas que contribuam para ampliar esse espaço, a falta de representatividade ainda é visível. Além do mais, defender a presença de mulheres no mercado de trabalho, ou simplesmente mulheres, virou uma ameaça ou quase um ataque em algumas rodas. Por isso, vamos falar sobre equidade, que significa respeito à igualdade do direito de cada um, independentemente de uma força de lei (embora muitas vezes necessária), mas é um sentimento do que se considera justo.  
Agora fica a pergunta: se não temos mulheres à frente de projetos de infraestrutura, seria possível pensar em projetos de infraestrutura que incluam e impactem a vida de mulheres?   
Reconhecer que mulheres e homens não são beneficiados de maneira equânime em projetos de infraestrutura é um avanço. Elas são as mais atingidas pela falta de infraestrutura ou por uma infraestrutura não inclusiva, no que tange à saúde, saneamento básico, transporte público, infraestrutura escolar, iluminação pública – este último com impacto direto na segurança. Em geral, é a mulher que deixa de trabalhar porque não conseguiu vaga da creche para seus filhos, ou que falta ao trabalho em razão de doenças que poderiam ser evitadas se houvesse saneamento básico adequado, ou que, simplesmente, tem medo de ser assediada em transportes públicos lotados ou ruas mal iluminadas.   
Estudo recente da OCDE (2021) intitulado “Selected stocktaking of good practices for inclusion of women in infrastructure” afirma que a infraestrutura não é gênero-neutro, uma vez que homens e mulheres possuem diferentes necessidades e usos da infraestrutura, de acordo com seus papéis na sociedade, status econômico e que a falta ou baixa qualidade de infraestrutura também está diretamente relacionada ao respeito à segurança e qualidade de vida de mulheres.   
Desde 2006, o Fórum Econômico Mundial divulga seu relatório global de desigualdade de gênero (Global Gender Gap Report), que congrega uma série de indicadores distribuídos em quatro pilares – saúde e sobrevivência, grau de instrução, participação econômica e oportunidades e empoderamento político. No último relatório, divulgado em 2022, o Brasil está abaixo da metade (94ª posição), no ranking de 146 países, o que mostra que embora o assunto tenha ganhado mais atenção na última década, há muito a se evoluir. A lista é encabeçada por países como Islândia, Finlândia e Noruega.   
Com essa desigualdade ainda gritante, a presença delas importa. Importa para trazer uma visão holística, estratégica e de longo prazo. Importa para auxiliar na identificação de barreiras que impedem mulheres de participar de maneira mais significativa e efetiva na construção de um futuro melhor.  
O papel dos agentes públicos é fundamental para a condução de políticas públicas que não beneficiem desproporcionalmente determinados grupos em detrimento de outros, e isso só é possível se considerarmos equipes diversas para tomada de decisões e condução de uma infraestrutura mais inclusiva, em que as vozes de todos, não apenas mulheres, sejam ouvidas durante o processo. Ferramentas de financiamento que privilegiem projetos transformadores, e que tenham como metas igualdade de gênero pode ser um começo.   
O novo acordo ortográfico, em 1990, trouxe algumas mudanças na tentativa de unificar a ortografia, e a palavra infraestrutura perdeu o hífen passando-se a ser grafada sem separações. Começamos esse texto com uma pergunta e deixamos outra aqui como reflexão: já não é hora de escrevermos infraestrutura junto, de uma vez por todas?

infraestrutura

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JOTA

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