Opinião e Análise

Isadora Cohen

João Kenji

Pedro Giannini

Fornecimento de infraestrutura básica tem impacto direto no desenvolvimento econômico regional e no acesso aos recursos fundamentais. Ao longo das últimas décadas, a infraestrutura brasileira contou com grandes aportes originados do setor público. E nessa condição, o governo federal brasileiro sempre desempenhou importante papel na definição dos objetivos de curto prazo e na definição de cronogramas regulatórios, orientando o acesso ao crédito de longo prazo, seu custo, retorno financeiro e acesso às instituições bancárias.
Nos idos de 2000, a estratégia de investimentos orientava aumento de financiamentos diretos e indiretos nos setores de infraestrutura. Com a criação dos Programas de Aceleração do Crescimento (PAC I e II)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> e os Programas de Investimentos em Logística (PIL I e II), despontou, também, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como ator-chave para condução de tal estratégia e orientador do fluxo de crédito à infraestrutura no Brasil.
<a href="https://conteudo.jota.info/poder-contato"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
Como se sabe, o BNDES foi grande provedor de crédito subsidiado para projetos de infraestrutura alinhados com a promoção de desenvolvimento. Interessante notar que o índice utilizado (TJLP) para balizar a política do crédito era – intencionalmente - menos dispendioso do que o custo do capital no mercado financeiro.
O governo brasileiro estabeleceu a TJLP em 1994, que se tornou a taxa de juros referencial do BNDES para financiamento de infraestrutura. A taxa foi criada pela Medida Provisória nº 743, no dia 2 de dezembro, definida pelo Conselho Monetário Nacional, com duração de três meses e calculada de acordo com (i) a taxa de inflação da meta pro rata para os próximos doze meses e (ii) um prêmio de risco<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Diversos estudos realizados pelo Banco Mundial mostraram que as linhas de crédito subsidiadas pelo BNDES não tiveram grandes impactos no desenvolvimento econômico e na produtividade, ao mesmo tempo em que causaram considerável impacto fiscal e aumento das despesas financeiras<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">Ainda que o governo federal tenha investido bilhões de reais ao longo de anos, o país historicamente demonstra defasagem em financiamentos de projetos de infraestrutura.</blockquote>
Segundo o levantamento de 2019 desenvolvido pela Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) em conjunto com a Ernest Young, o país investiu nos quatro anos anteriores uma média de 1,8% de seu PIB em infraestrutura e não chegou a ultrapassar a marca de 2,5% nos quinze anos anteriores<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
Segundo os dados apresentados, o Brasil precisaria “investir 4,3% do PIB por dez anos seguidos para eliminar gargalos que dificultam o avanço da produtividade e do desenvolvimento econômico e social. Adaptar a infraestrutura brasileira à fronteira”<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
O Relatório de Competitividade Global de 2019 do Fórum Econômico Mundial classifica o Brasil como 78º entre 141 países em infraestrutura. A infraestrutura de transportes brasileira, subcategoria de infraestrutura, foi classificada como 85ª de 141 e a de serviços públicos como 69ª<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
Em 2018, então, por meio da Medida Provisória nº 777/18, uma nova taxa de juros de longo prazo, a TLP, foi criada. A taxa é anunciada mensalmente pelo Banco Central do Brasil, sendo fixa. Ao longo da vida útil dos contratos, a TLP varia apenas o componente da inflação, calculado com IPCA. A TLP-Pré baseia-se na média de três meses da taxa real de juros do título público NTN-B de 5 anos<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
<blockquote class="jota-article__eye">A criação da nova taxa aponta para uma alteração no papel do BNDES e na política de protagonismo do Governo na realização direta de investimentos estruturantes ou concessão de crédito subsidiado para a infraestrutura.</blockquote>
Ainda, incentiva que o mercado privado tenha mais espaço no financiamento dos projetos e contribui para a diminuição da timidez do mercado de capitais brasileiro.
Aos poucos, a promessa desse movimento que começa com a alteração da TJLP para a TLP é de aumentar a (ainda pequena) representatividade do mercado (inclusive por ferramentas como títulos e bonds) também para viabilizar projetos de longo prazo e mesmo para aqueles com percepção elevada de riscos.
Nesse contexto, o próprio BNDES vem transformando seu papel no que diz respeito ao desenvolvimento da infraestrutura. Presentemente, o BNDES tem se apresentado muito mais como um estruturador do que como um financiador de projetos. Isso, claro, contribui para apoiar a viabilização de projetos de infraestrutura mais financiáveis (inclusive pelo próprio mercado).
Exemplo dessa postura são os recentes movimentos de apoio do BNDES na estruturação de projetos de parcerias no setor de saneamento e o engajamento para apoiar diversos Estados que buscam melhores modelos de concessão, PPPs e desestatização<a href="#_ftn8" name="_ftnref8">[8]</a>.
Alguns dos fatores brevemente descritos nesse pequeno arrazoado podem ser apontados como elementos que ensejam um movimento que tem colocado as debentures como veículo central para destravar investimentos em infraestrutura.
E aí, para compreender como o mercado de capitais pode oferecer alternativas viáveis para os investimentos em infraestrutura, é importante analisar um de seus principais casos de sucesso: o financiamento da Entrevias – a concessionária do Lote rodoviário “Centro-Oeste Paulista”, constituída pelo Fundo Pátria (licitante vencedor).
Ao observar o mercado no momento do financiamento do projeto, entre o final de 2017 e o começo de 2018, podem ser apontadas condições que favoreceram a utilização do mercado de capitais: (a) a queda da taxa SELIC durante o período, incentivando agentes a diversificar seu portfólio com produtos alternativos<a href="#_ftn9" name="_ftnref9">[9]</a>; e (b) a mudança da TJLP e TLP.
Além disso, vale também levar em consideração que os termos oferecidos pelo BNDES poderiam oferecer empecilhos ao financiamento, considerando a padronização de exigências, como sua política estrita de pagamentos de juros apenas pelos sistemas price e SAC – o que acabava sendo incompatível com a rotina de investimentos e amortizações do fundo de investimentos.
Ao analisar a concretização do financiamento, o mercado de capitais se demonstrou como alternativa viável, oferecendo a possibilidade de modular todos os termos acima expostos, realizando um verdadeiro financiamento tailor made para as necessidades do projeto. Um dos exemplos disso foi a modificação do cronograma de amortização para prever pagamentos menores nas primeiras fases do projeto, diminuindo os custos de dívida<a href="#_ftn10" name="_ftnref10">[10]</a>.
Dessa forma, foi possibilitada a realização de um verdadeiro project finance non-recourse, garantido apenas pelas (i) ações da companhia (ações da própria sociedade de propósito específico, e não de seus acionistas patrocinadores); e (ii) recebíveis futuros do projeto<a href="#_ftn11" name="_ftnref11">[11]</a>.
O caso da Entrevias é bastante particular e difere, inclusive, das debentures de infraestrutura emitidas (anteriormente por outras concessionárias rodoviárias, como a CCR e o grupo ECO) para financiar investimentos no setor de rodovias. Enquanto a Entrevias viabilizou o financiamento de longo prazo do projeto como um todo – baseado nos recebíveis projetados para o futuro -, as demais debêntures foram utilizadas tradicionalmente para realizar investimentos pontuais no âmbito de algum projeto já “brownfield” e em andamento, lastreando esses títulos em garantias reais ou pessoais (ou em receitas relacionadas ao projeto em que os investimentos/obras pontuais estavam inseridos).
De qualquer modo, é um exemplo que ilustra a viabilidade de participação do mercado para financiamento da infraestrutura. Aponta para um caminho de abertura para que dependamos menos do governo como investidor/financiador direto (e exclusivo) da infraestrutura. A agenda legislativa também já vem atentando para a importância de viabilizar mecanismos para maior participação privada no financiamento dos projetos. O caminho agora, possivelmente, passará por termos sempre – e cada vez mais – estruturações atentas para os cuidados que conferem atratividade para que o mercado “tope” correr o risco dos projetos de parcerias.
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O episódio 49 do podcast Sem Precedentes faz uma análise sobre o que o Supremo Tribunal Federal precisa dizer sobre a prisão de deputados. Ouça:
https://youtu.be/9Tv7gNDT4Rw
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> FERREIRA, Tiago Toledo; AZZONI, Carlos Roberto. Arranjos institucionais e investimento em infraestrutura no Brasil. Revista do BNDES, Rio de Janeiro, n.35, p. 37-85, jun.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Medida Provisória nº 1.921 - Setembro 30 de 1999.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> BYSKOV, Steen; CLAVIJO, Mateo. Understanding the effects of the Taxa de Longo Prazo (TLP) reform in Brazil. The World Bank, 2017. Disponível em &lt;http://documents.worldbank.org/curated/en/894891502429039796/understanding-the-effects-of-the-taxa-de-longo-prazo-tlp-reform-in-brazil&gt;.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> ABDIB e Ernest Young. Barômetro da Infraestrutura Brasileira. 2ª edição. Novembro de 2019.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Idem
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> WORLD ECONOMIC FORUM. Global Competitiveness Report 2019. Genebra: Fórum Econômico Mundial, 2019.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> BNDES. Metodologia de cálculo da TLP. Disponível em
&lt;https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/guia/custos-financeiros/metodologia-de-calculo-da-tlp/&gt;
<a href="#_ftnref8" name="_ftn8">[8]</a> ESTADÃO; ISTOÉ. BNDES fará papel de estruturador de projetos de infraestrutura. Disponível em &lt;https://www.istoedinheiro.com.br/bndes-fara-papel-de-estruturador-de-projetos-de-infraestrutura/&gt;
<a href="#_ftnref9" name="_ftn9">[9]</a> BANCO CENTRAL DO BRASIL. Histórico da Taxa de Juros do Brasil. Disponível em &lt;https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/historicotaxasjuros&gt;.
<a href="#_ftnref10" name="_ftn10">[10]</a> BANCO DO BRASIL. Flexibilidade abre caminhos para captação de recursos em projetos financiados. Disponível em &lt;https://bancodobrasil.medium.com/flexibilidade-abre-caminhos-para-capta%C3%A7%C3%A3o-de-recursos-em-projetos-financiados-d7db623756df&gt;.
<a href="#_ftnref11" name="_ftn11">[11]</a> Idem

BNDES

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JOTA

Perspectivas de maior participação do mercado de capitais no financiamento de infraestrutura?

Financiamento da infraestrutura e o mercado de capitais

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