Opinião e Análise

Natascha Veridiane Schmitt

É mainstream, no mundo, falar em descarbonização. Descarbonizar tornou-se movimento civilizatório da humanidade: é propósito antes de ser business plan. É criação de valor compartilhado entre stakeholders, não apenas em favor de shareholders. É um dos pilares da agenda de sustentabilidade, que prestigia as ações voltadas concomitantemente aos três “P”s: people, planet e profits (pessoas, planeta e lucros), ou “Triple Bottom Line”, como cunhado por John Elkington em 1994.   
É verdade que a redução das emissões dos gases de efeito estufa (GEE) é pauta há muito tempo – essa agenda nasceu entre as décadas de 1980 e 1990, quando se começou a alertar para os impactos do aumento das concentrações de GEE. Dessa época, muitos lembram da proibição do uso de clorofluorcarbonos (CFCs) em aerossois e em sistemas de refrigeração e de como os CFCs liberados na atmosfera reagiam com o ozônio e diminuíam a camada de ozônio.   
Mas o que é descarbonizar? Trata-se do processo de redução das emissões de gases de efeito estufa provenientes de atividades humanas, especialmente aquelas relacionadas ao consumo de combustíveis fósseis. O objetivo principal da descarbonização é alcançar a economia de baixo carbono – ou seja, diminuir a dependência de fontes de energia baseadas em carbono e promover a transição para fontes de energia mais limpas e sustentáveis.  
Hoje, o tema da descarbonização ganhou relevância a ponto de impactar diretamente a economia mundial. Além de entrar fortemente na pauta do setor financeiro como critério na concessão de financiamentos (vide, por exemplo, a contabilidade de carbono que passou a ser exigida pelo BNDES no Brasil), o consumidor tem optado por adquirir produtos sustentáveis e alinhados à agenda de descarbonização (mesmo que isso implique acréscimo de preço no produto). É crescente a conscientização mundial e, portanto, a orientação do mercado nessa direção.  
A urgência é inerente à agenda. Para atingir a meta de limitação do aquecimento global a 1,5°C até 2050 estabelecidas pelo Acordo de Paris, será preciso reduzir as emissões de GEE em 60% até 2050. A geração de energia é a maior responsável por tais emissões, já que boa parte da eletricidade ainda é gerada pela queima de carvão, petróleo ou gás. 
No Brasil, falar da descarbonização no setor de energia é satisfatório. Nosso cenário é diferente. Atrás dos EUA e da China, somos o terceiro país do mundo com maior produção de energia renovável. E, mesmo comparado a esses dois países, nossa proporção interna é muito maior: a infraestrutura de geração limpa do Brasil corresponde a 85% da sua matriz energética (fonte solar responde por 11,2% da capacidade nacional; energia eólica, 11,1%; hidrelétricas, 51,3%). 
Somado a isso, no Brasil temos a perspectiva da revolução do hidrogênio verde – produção de hidrogênio através da eletrólise da água –, já que é um dos países mais competitivos do mundo para a sua produção.  
A Europa, ao seu turno, tem 38,6% de sua matriz energética limpa. O objetivo é que alcancem 42,5% em 2030.  
É impossível deixar de pontuar que há grandes idiossincrasias no mundo a respeito dessa agenda. A geração de energia limpa é um bom exemplo.  
A nós, brasileiros – que somos diariamente questionados sobre a preservação da nossa floresta amazônica por outros países e organismos internacionais –, soa bastante controverso que a União Europeia classifique como “energia limpa” a que decorre da queima de madeira extraída de florestas (inclusive nativas). E mais: ela, hoje, é a maior fonte de energia “renovável” da União Europeia – 60% do total, muito a frente da geração eólica e solar. Porque considerada energia “limpa” e “renovável”, os países da região contabilizam essa fonte para satisfazer suas metas de energia limpa.   
Ou seja: na Europa, usa-se a exploração de florestas para combater as mudanças climáticas decorrentes da utilização de gás e óleo na matriz energética.  
Outra incongruência dessa agenda em relação às energias renováveis no Brasil está relacionada ao mercado voluntário de créditos de carbono. Há certificadoras que têm rejeitado projetos de energia eólica e solar por considerarem que, em países como o Brasil (de matriz energética majoritariamente limpa), não estaria atendido o requisito da adicionalidade.  
Abram-se parênteses para explicar a adicionalidade em projetos de créditos de carbono: nesse mercado, é necessário que o projeto, para ser apto à geração futura de créditos de carbono, comprove que as ações tomadas para reduzir as emissões de GEE são ações adicionais. Um exemplo prático: a adicionalidade existe apenas se comprovado que a implementação e operação de determinada usina de energia eólica depende das receitas do crédito de carbono. Esse requisito é central à sistemática dos <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/creditos-de-carbono">créditos de carbono</a>.  
Como, no Brasil, a geração de energia eólica tem se tornado prática comum – afinal, ela perfaz 11,1% de nossa matriz energética –, a razão para a implementação e operação desse tipo de infraestrutura não necessariamente advém mais da oportunidade de acesso ao mercado voluntário de carbono. Em outras palavras, gera crédito de carbono a usina que é dependente das receitas do crédito de carbono.  
Assim, porque o Brasil já larga na frente nascendo com matriz energética limpa, é ele prejudicado no mercado de créditos de carbono. A interpretação sobre o requisito da adicionalidade beneficia países que precisam passar pelo processo de transformação da sua matriz e que, portanto, só o fazem por meio de incentivos. É uma constatação da clara injustiça com que o Brasil é tratado nessa agenda.  
É preciso trabalhar a agenda de sustentabilidade em favor do Brasil, para que traga nosso merecido desenvolvimento. Aqui, descarbonizar é, para além de nossa vocação e propósito, uma oportunidade econômica. O país é responsável por apenas 2,92% das emissões de gás carbônico globais. A China, maior poluidor mundial, 24%. Se é verdade – e não apenas discurso – que o mercado financeiro tem se colocado como ferramenta para aceleração dessa agenda, o aporte de investimentos em infraestrutura verde e sustentável no Brasil é certo. Temos plena capacidade de imprimir o impacto positivo no mundo e liderar essa agenda.

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JOTA

No Brasil descarbonizar é, para além de nossa vocação e propósito, uma oportunidade econômica

Descarbonização e infraestrutura

No Brasil a descarbonização é, para além de nossa vocação e propósito, uma oportunidade econômica