Opinião e Análise

Isadora Cohen

Luísa Dubourcq Santana

Victor Medeiros

Matheus Cadedo

Não é de hoje que o Brasil convive com um grande déficit de infraestrutura nos mais diversos setores do desenvolvimento nacional.<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> Recursos cada vez mais escassos fazem com que os nossos gestores tenham que eleger prioridades, escolhendo quais projetos de investimentos sairão ou não do papel. Essas decisões não são tarefas simples. Inúmeras questões são postas em debate: Qual é o problema de infraestrutura mais urgente? Que projeto será mais eficaz? Quais serão os efeitos de implementação ou expansão de uma infraestrutura? Qual deve ser a prioridade do governo?
A proposição de um projeto exige grande arcabouço de justificação que explicite a busca do gestor pela tomada da melhor decisão possível, ao se propor uma iniciativa de investimentos em infraestrutura.  É este processo que nos permite averiguar se os recursos públicos estão sendo eficientemente aplicados, sendo utilizados a partir de uma série de estudos que atestam os benefícios de um projeto em detrimento de outros.
<a href="http://conteudo.jota.info/aprovometro-jota"><img class="aligncenter wp-image-292714 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/aprovometro.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>
No âmbito das concessões, podemos abstrair essa necessidade de justificação dos próprios diplomas normativos. Tanto a Lei de Concessões Comuns quanto a de Parcerias Público-Privadas exigem<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>, preliminarmente ao lançamento do edital de uma proposta, a expedição de atos e estudos que justifiquem a conveniência e oportunidade gerada pela concessão.
Historicamente, esses dispositivos têm sido interpretados de forma restritiva, pressupondo-se apenas a exigência de estudos de Value for Money, que, na teoria (e na prática estrangeira), têm se resumido à realização da chamada análise de PSC (Public Sector Comparator)<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
O que defendemos aqui, entretanto, é que a demonstração de conveniência e oportunidade de projeto pode ir além do estudo PSC.
<blockquote class="jota-article__eye">Uma análise de custos não se mostraria capaz de subsidiar o gestor na tomada de decisão acerca de qual mecanismo de contratação de um projeto de infraestrutura seria o mais vantajoso à sociedade.</blockquote>
E ainda: no Brasil não temos parâmetros de preços e dados consolidados a ponto de viabilizar um PSC. Além disso, o país é bastante heterogêneo para que possamos ter uma única metodologia que expresse as particularidades dos custos de cada localidade.
Nesse sentido, uma alternativa seria averiguar as externalidades sociais, econômicas e institucionais que a implementação de um projeto de infraestrutura pode proporcionar. Em suma, os investimentos realizados em uma iniciativa podem gerar benefícios indiretos e diretos em termos de desenvolvimento econômico (como incremento do PIB, emprego e diversificação da economia local); de desenvolvimento social (como indicadores de nível de pobreza, educação e saúde) e institucional (como no incremento da transparência pública). Tais benefícios também podem se fazer sentir em matéria ambiental, mensurando-se em termos como na redução da emissão de poluentes. Em realidade, os critérios de análise são diversos<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>, proporcionando a verificação de uma série de métricas sociais, econômicas e ambientais.
Com isso, se torna possível atestar os benefícios socioeconômicos que um projeto de infraestrutura potencialmente gera. Consequentemente, o investimento público também passa a ser efetuado com maior grau de qualidade, já que passa a ser considerado o retorno socioeconômico e institucional que o dinheiro público proporcionará aos cidadãos afetados por um projeto. Em outras palavras, tais análises permitem avaliar, em maior ou menor grau, a capacidade que determinado projeto de infraestrutura tem de aumentar, efetivamente, o bem-estar econômico e social da população beneficiada, objetivo primordial na provisão de serviços essenciais como a internet, o saneamento básico, o transporte e a mobilidade urbana e a eletricidade.
Análises assemelhadas a estas já fazem parte das práticas internacionais de justificação dos projetos de infraestrutura. Como exemplo, cita-se o Reino Unido que estimula a análise da maximização do impacto que uma libra investida em infraestrutura pode desempenhar na redução da pobreza.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a> Os analistas britânicos também se debruçam sobre elementos de equidade proporcionados pelos projetos, de forma a perceber se estes são realmente capazes de combater a pobreza e promover avanços como a efetiva igualdade de gênero.
No Brasil, também já se notam movimentações que visam aprimorar a análise de conveniência e oportunidade dos projetos de infraestrutura. Nesse sentido, o Governo Federal  vem buscando construir um Guia Orientativo de estruturação de análises de Value for Money em projetos de infraestrutura.<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a> Em julho de 2020, o Ministério da Economia, por meio de sua Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura (SDI), abriu um processo de consulta pública visando produzir um “Guia Prático de Análise Custo-Benefício (ACB) de Projetos de Investimento em Infraestrutura, que reúne diretrizes e orientações metodológicas para a adoção sistemática da avaliação socioeconômica de projetos no ciclo de investimentos em infraestrutura”.
Como orienta a própria nomenclatura do futuro Guia, as análises propostas não se preocupam apenas em realizar um comparativo de preços de contratações, indicando qual é a mais barata, mas também averiguar o retorno social e econômico que diferentes modelagens de projetos podem proporcionar. Ou seja, um Estudo que se preocupa em apontar o custo- benefício gerado por uma contratação de infraestrutura.
A iniciativa do Ministério da Economia também busca apresentar uma análise socioeconômica dos projetos com base em critérios analíticos objetivos, promovendo a quantificação e monetização dos benefícios e externalidades geradas pelos projetos. Ou seja, propõe-se um estudo baseado em métodos estatísticos e econométricos, por exemplo, que evidenciem os benefícios sociais, econômicos e institucionais gerados pelos recursos públicos investidos no projeto, atestando, justamente, a vantajosidade e conveniência na sua implementação.
Também é interessante perceber que o estímulo aos estudos baseados nas análises de externalidades sociais, econômicas, institucionais e ambientais, geradas por um projeto de infraestrutura, tem o potencial de proporcionar a inauguração de um novo capítulo na estruturação de análises comparativas de Value for Money. Se hoje, como exposto inicialmente, o foco tem sido a comparação de custos e preços na contratação de um projeto por diferentes modalidades contratuais, de modo a se demonstrar a opção aparentemente mais barata, o cerne da questão pode passar a ser a análise do arranjo contratual que mais se adequa ao atingimento das externalidades socioeconômicas vislumbradas em estudos prévios (de custo benefício).
Em outras palavras, se as análises de custo-benefício demonstram que a instalação e manutenção de uma infraestrutura pode gerar uma série de ganhos como a criação de vagas de emprego, a melhoria de índices educacionais e de segurança pública, por exemplo, podemos nos perguntar qual modelagem contratual - se via lei nº 8.666 ou por parcerias público-privada - assegurará o maior aproveitamento das previsões feitas.
E aí, a análise passa a ser baseada em custos transacionais para implementação de uma ou de outra modalidade, bem como das economias de processos e sinergias entres as diversas atividades que devem ser feitas para viabilizar o atingimento daquela finalidade para qual a contratação se presta.
Acontece que, historicamente, no Brasil, o investimento público direto costuma ser muito baixo, em função de uma série de micro entraves institucionais que dificultam, por exemplo, que os mais de 5 mil municípios e 27 Estados acessem recursos federais, façam contratações de bons projetos e executem obras a tempo e a contento<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
Não à toa, o Brasil ostenta uma das menores relações investimentoXPIB, inclusive se comparados com outros países em desenvolvimento. Então para se permitir uma comparação efetiva entre os modelos de contratação disponíveis para realização de projetos de infraestrutura, é preciso se levar em consideração o histórico de efetividade e execução dos investimentos por aquele determinado ente público.
O Guia que está sendo preparado pelo Governo Federal será ainda mais interessante se puder considerar: (i) essas discrepâncias entre as diversas localidades, em termos de execução de (bons) investimentos – para permitir, de fato, uma comparação entre contratações diretas que deixam a desejar em termos de tempo e qualidade com outras formas mais efetivas de viabilizar o investimento (como as concessões); e (ii) medidas que poderiam ser adotadas por entidades públicas para evitar custos desnecessários que acabam contribuindo para que o baseline seja muito comprometido – para incentivar o Poder Público a transpor obstáculos que comprometem os resultados que poderiam ser atingidos pela política pública diretamente executada.
<hr />
O episódio 51 do podcast Sem Precedentes faz uma análise do julgamento do Supremo Tribunal Federal que pode derrubar a decisão do governo Jair Bolsonaro de zerar alíquota de importação de armas de fogo. Ouça:
https://youtu.be/r2tHugS_7do
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a>Veja-se, por exemplo: https://atarde.uol.com.br/economia/noticias/2144492-o-brasil-tem-30-anos-de-deficit-em-infraestrutura-diz-presidente-do-sinicon.Acesso em 10 de março de 2021.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Consulte-se o artigo 10 da Lei de PPPs (Lei nº 11.079/2004) e o artigo 5º da Lei nº 8.987/1995.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Para se inteirar um pouco mais do tema consulte-se coluna também disponibilizada no JOTA: <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/infra/a-analise-de-value-for-money-em-projetos-de-parceria-qual-o-melhor-momento-18122020">https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/infra/a-analise-de-value-for-money-em-projetos-de-parceria-qual-o-melhor-momento-18122020</a>. Acesso em 10 de março de 2021.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Um bom método de selecionar critérios socioeconômicos analíticos é se inspirar nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU).  Os mesmos estabelecem metas relacionadas ao desenvolvimento econômico, institucional, social e ambiental das nações. Cumpre salientar que a participação do Brasil na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável decorre da Resolução A/Res 70/1, de 25.09.2015, da Assembleia Geral das Nações Unidas. Mais informações podem ser consultadas em: <a href="http://www.agenda2030.com.br/ods/8/">http://www.agenda2030.com.br/ods/8/</a>. Acesso em 10 de março de 2021.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Consulte-se: . DFID’s Approach to Value for Money (VfM). Department for International Development. July 2011. Segundo o documento “VfM is not a new concept or a hurdle we have to jump over in order to be allowed to carry on doing development; it’s about maximising the impact of each Pound spent to improve poor people’s lives.”
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a>Disponível:<a href="https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/consultas-publicas/2020/guia-de-analise-custo-beneficio-de-projetos-de-investimento-em-infraestrutura">https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/consultas-publicas/2020/guia-de-analise-custo-beneficio-de-projetos-de-investimento-em-infraestrutura</a>. Acesso em 10 de março de 2021.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Um exemplo disso foram os PACs – que apesar da grande liquidez e disponibilidade de recursos, tiveram baixa realização em forma de investimento público direto.

pexels-startup-stock-photos-7374

https://images.jota.info/wp-content/uploads/2021/09/copy-of-jota-logo-high-cmyk.jpeg

JOTA

Como gestores podem usar novas metodologias para a implementação de um projeto de infraestrutura

Como decidir? Os desafios de quem precisa justificar um projeto de infraestrutura

Como gestores podem usar novas metodologias para a implementação de um projeto de infraestrutura