Opinião e Análise

Felipe Nogueira Fernandes

Natália Hallit Moyses

Natália Resende Andrade Ávila

Na <a href="https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/infra/as-concessoes-federais-de-infraestrutura-portuaria-06112020">primeira parte deste artigo</a>, abordamos especificamente a questão do reequilíbrio de contratos de arrendamento portuário por eventuais prejuízos causados pela pandemia do novo coronavírus<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Esta segunda parte tem como objetivo explorar as medidas legais tomadas para o enfrentamento da pandemia, que acabaram resultando em evoluções regulatórias no âmbito do setor portuário.
Em 4 de abril de 2020, foi publicada a Medida Provisória n° 945, que trouxe duas mensagens relevantes para as atividades portuárias, quais sejam: (i) a essencialidade de tais atividades e (ii) a preocupação com os trabalhadores portuários avulsos.
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Em relação ao primeiro ponto, as atividades portuárias foram incluídas no rol de atividades essenciais de que trata o art. 10 da <a href="http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/LEIS/L7783.htm">Lei nº 7.783, de 1989</a>[2]. Essa alteração, em verdade, corrigiu uma omissão injustificável da lei, que já incluía dentre as atividades essenciais diversos outros serviços públicos. Cabe destacar, nesse sentido, que os portos são responsáveis por quase todo o fluxo de comércio exterior brasileiro e são absolutamente fundamentais para o adequado funcionamento da nossa economia.
Assim, dada a essencialidade da atividade portuária, foi que a MP nº 945, em seu art. 4°, flexibilizou temporariamente o disposto no § 2º do art. 40 da Lei nº 12.815, de 2013, e estabeleceu que, na hipótese de indisponibilidade de trabalhadores portuários avulsos para atendimento às requisições, os operadores portuários não atendidos poderão contratar livremente trabalhadores com vínculo empregatício para a realização de serviços de capatazia, bloco, estiva, conferência de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações, pelo prazo de até doze meses.
Trata-se, no entanto, de medida de caráter temporário, justificada pelo fato de que o afastamento de trabalhadores avulsos por questões sanitárias potencializou o risco de indisponibilidade de mão-de-obra avulsa nos portos.
Isso porque a própria MP nº 945 elencou hipóteses em que o trabalhador portuário avulso não poderia ser escalado, haja vista questões de saúde. Por outro lado, buscando garantir condições mínimas de subsistência a esses trabalhadores impedidos de exercer seu ofício, a Medida Provisória também dispôs que, enquanto impedidos, tais trabalhadores receberiam uma indenização cujo valor poderia ser compensado por reequilíbrio dos contratos de arrendamento, caso impactados, ou mediante desconto tarifário concedido pela administração do porto aos operadores portuários.
Ainda, para evitar aglomerações de trabalhadores e ao mesmo tempo modernizar o procedimento de escalação de trabalhadores avulsos, a MP também exigiu que as escalações ocorressem por meio eletrônico que permita ao trabalhador habilitar-se sem comparecer ao posto de escalação.
A preocupação, portanto, desdobrou-se na vertente da saúde do próprio trabalhador e da comunidade e também no que toca à sua subsistência e de sua família.
O Ministério da Infraestrutura, por meio da Portaria n° 46, de 8 de maio de 2020, posteriormente substituída pela Portaria nº 146, de 2 de outubro de 2020, disciplinou as regras para o recebimento do valor da indenização supracitada, a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos de arrendamento portuário e a concessão de desconto tarifário em razão do pagamento da referida indenização pelos operadores portuários<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a>.
Além das medidas de natureza emergencial, a MP nº 945 também contemplou ajustes legislativos de caráter mais estruturante, como a própria inclusão da atividade portuária no rol de atividades essenciais da Lei nº 7.783, e, ainda, o acréscimo de um novo parágrafo no art. 40 da Lei nº 12.815, de 2013, a fim de permitir que trabalhadores portuários avulsos registrados ou cadastrados para determinada função possam exercer outras atividades para as quais detenham qualificação, independentemente de novo registro ou cadastro.
Essa regra, além de conferir mais flexibilidade à mão-de-obra avulsa, com a finalidade de que seja mais bem aproveitada, está alinhada a disposições preexistentes da Lei nº 12.815, de 2013, que, no seu art. 33, II, “b”, já estabelecia a atribuição ao OGMO de promover “treinamento multifuncional do trabalhador portuário”.
Em adição, no âmbito da tramitação da referida MP no Congresso e a partir do diálogo e amadurecimento das propostas iniciais encaminhadas pelo Executivo, agregaram-se novas disposições ao texto, no intuito de, além de enfrentar a pandemia em si, propiciar um ambiente mais competitivo e favorável à retomada da economia como um todo no pós crise.
Tais dispositivos constam da Lei n° 14.047, publicada recentemente, em 25 de agosto de 2020, e promoveram alterações, sobretudo, na Lei n° 12.815, de 2013, merecendo o destaque a ser adiante delineado, uma vez que representam evoluções regulatórias no setor.
A primeira delas diz respeito às alterações no art. 3° da Lei n° 12.815, de 2013, com a inclusão do inciso VI, que consagra como diretriz na Lei uma prática já observada no setor, qual seja, a liberdade de preços nas operações portuárias, reprimidos quaisquer atos prejudiciais à competição e ao abuso do poder econômico.
Em relação a esse ponto, é importante mencionar que os terminais portuários autorizados já operam com preços livres (art. 43, II, e art. 45, da Lei nº 10.233, de 2001). Além disso, desde o advento da Medida Provisória nº 595, de 2012, convertida na Lei nº 12.815, de 2013, não há mais exigência de movimentação de carga própria nas instalações portuárias exploradas mediante autorização, de modo que esses terminais portuários atualmente podem concorrer livremente com os terminais dos portos organizados, que, em geral, são explorados mediante contrato de arrendamento.
Portanto, a previsão legal de que as operações portuárias em geral, seja em terminais autorizados ou arrendados, são exploradas em regime de liberdade de preços é medida que de certa forma reduz a assimetria atualmente existente entre esses dois tipos de instalações portuárias.
Claro que a liberdade de preços, para funcionar adequadamente, requer que haja um ambiente de concorrência. Inclusive, essa já vem sendo uma preocupação do poder concedente, tanto que em alguns editais de licitação recentes se privilegiou a concorrência no mercado em detrimento da concorrência pelo mercado, mediante a inserção de cláusulas que restringiam a participação no leilão de empresas que já contassem com participação de mercado relevante. A diretriz legal de aplicação de um regime de liberdade de preços só reforça essa tendência.
<blockquote class="jota-article__eye">Ainda que, eventualmente, a restrição possa implicar um valor de outorga menor é de extrema relevância que o mercado funcione com um nível adequado de concorrência entre os operadores.</blockquote>
Também com o objetivo de conferir mais clareza ao texto legal e, ainda, dar o devido tratamento a contratos cujos objetos se diferenciam entre si, alterou-se o art. 4° para incluir o art. 5°-C, de modo a distinguir as cláusulas essenciais dos contratos de concessão de portos organizados daquelas referentes aos contratos de arrendamento de instalações portuárias.
Importante, neste ponto, ressaltar que, enquanto o contrato de concessão se refere à exploração do próprio porto organizado, total ou parcialmente, o contrato de arrendamento diz respeito a um terminal destinado à movimentação de cargas ou passageiros existente num porto organizado, que pode ter diversas instalações portuárias diferentes, inclusive concorrendo entre si.
Há, portanto, uma diferença significativa entre o objeto de um contrato de concessão de porto organizado e o objeto de um contrato de arrendamento de instalação portuária. São negócios diferentes, o que justifica um tratamento legislativo distinto a essas duas espécies de contratos.
Além disso, falando apenas dos arrendamentos, há situações bastante distintas. Há terminais que operam de forma verticalizada com o dono da carga, enquanto outros não. As condições em que cada terminal opera também podem variar bastante. Esses fatores, entre outros, podem fazer com que alguns contratos demandem certas cláusulas que seriam desnecessárias em outros. Mas, de um modo geral, nos parece bem vinda a possibilidade de fazer contratos de arrendamento mais simples<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a>.
A ideia, mais uma vez, é aproximar os terminais arrendados dos terminais autorizados. Claro que não é possível equiparar totalmente os contratos de arrendamento aos contratos de adesão (para instalações portuárias autorizadas), uma vez que num caso existe a cessão do uso da área e no outro se trata apenas de autorizar a atividade. Mas, certamente, há espaço para uma aproximação entre esses instrumentos, o que também nos parece algo salutar.
As aludidas alterações caracterizam-se, ainda, como uma importante sinalização, considerando, sobretudo, o cenário de concessões de portos organizados que se avizinha. Nessa mesma linha, o art. 5º-A, que a Lei nº 14.047 acrescentou à Lei nº 12.815, de 2013, esclarece que os contratos celebrados entre a concessionária do porto organizado e terceiros têm natureza privada, inclusive aqueles destinados à exploração de instalações portuárias.
Na verdade, essa regra apenas deixa expresso algo que já se poderia concluir com tranquilidade a partir de outras normas do ordenamento jurídico. À medida que o porto é concedido a uma empresa privada, desde que o objeto da concessão também abranja a exploração das instalações portuárias nele localizadas, os contratos celebrados pelo concessionário com outros particulares para o desempenho das atividades concedidas terão natureza privada.
Regra semelhante consta do § 2º do art. 25 da Lei nº 8.987, de 1995, e do art. 21 do Decreto nº 8.033, de 2013. Ainda assim, o acréscimo do art. 5º-A à Lei nº 12.815, de 2013, foi importante, uma vez que afasta interpretações jurídicas que poderiam representar um risco ao processo de desestatização dos portos brasileiros, proporcionando mais segurança jurídica às concessões portuárias.
Outra importante alteração, trazida pelo art. 5°-B, foi a possibilidade de se dispensar a realização de licitação para a celebração de contratos de arrendamento portuário, quando for comprovada (i) a existência de um único interessado em sua exploração, após a realização de chamamento público pela autoridade portuária e (ii) a conformidade com o plano de desenvolvimento e zoneamento do porto.
Entende-se que tal previsão, considerados seus dois requisitos, além de encontrar guarida no art. 37, XXI, da CF, alia os princípios da impessoalidade, transparência e eficiência, tão caros à Administração Pública, em prol do constante aprimoramento contratual e regulatório que se persegue nos setores de infraestrutura de transportes<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Considerando a existência de um único interessado, não faria sentido realizar um longo e caro processo de licitação. A aplicação dessa regra pode, assim, dar mais eficiência e agilidade à gestão de áreas dos portos organizados, aproximando um pouco os portos brasileiros dos modelos de gestão aplicados nos portos mais modernos do mundo, onde o gestor do porto, mesmo público, possui mais liberdade e flexibilidade para administrar as áreas do porto.
No mesmo sentido do acima ressaltado e também com vistas a aumentar a segurança jurídica no setor, elevou-se a nível legal, por meio do art. 5°-D, a hipótese de celebração de contrato de uso temporário para movimentação de cargas não consolidadas<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>.
De acordo com o referido dispositivo, a administração do porto organizado poderá pactuar com o interessado na movimentação de cargas com mercado não consolidado, observado o prazo improrrogável de até 48 meses, o uso temporário de áreas e instalações portuárias localizadas na poligonal do porto organizado.
Nesse caso, também fica dispensada a realização de procedimento licitatório. O interessado deverá realizar os investimentos necessários para a exploração da área e, ao final do contrato, não terá direito de indenização pelos investimentos realizados.
Cabe enfatizar que quarenta e oito meses é um prazo relativamente curto quando se fala em contrato para utilização de áreas destinadas a operações portuárias. Na hipótese de haver mais de um interessado na utilização de áreas e instalações portuárias e inexistir disponibilidade física para alocar todos os interessados concomitantemente, a administração do porto organizado promoverá um processo seletivo simplificado para a escolha do projeto que melhor atenda ao interesse público e do porto, assegurados os princípios da isonomia e da impessoalidade na realização do certame.
Esse instrumento serve para atrair novos usuários para o porto organizado, pois diz respeito à movimentação de cargas ainda não consolidadas. Tal característica de prospecção de mercado, a nosso ver, justifica que não se exija um processo convencional de licitação. Trata-se de mais um mecanismo para dar mais agilidade à gestão dos portos públicos, com o objetivo de melhorar seus resultados.
Por fim, introduziu-se um inciso (XXIX) no art. 27 da Lei nº 10.233, de 2001 que atribui competência à ANTAQ para regulamentar outras formas de ocupação e exploração de áreas e instalações portuárias não previstas na legislação específica, reforçando o disposto no art. 47-A do Decreto nº 8.033, de 2013, e constituindo um importante mecanismo para o incentivo do uso adequado de áreas ociosas nos portos<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>.
O setor portuário está em constante evolução e esse dinamismo exige que, de tempos em tempos, sejam repensados os instrumentos que disciplinam a exploração da atividade.
Observa-se, dessa forma, que o enfrentamento da pandemia se deu tanto em uma atuação nas medidas emergenciais quanto pelo aprimoramento de disposições e fortalecimento de institutos no âmbito do setor. Tão importante, ou até mais, que as discussões principiológicas, ainda que relevantes para a estruturação de pensamentos, é a adoção de medidas objetivas, técnicas, com fundamento jurídico, que propiciem segurança jurídica seja para fins de enfrentamento direto à pandemia seja para garantir o crescimento e a modernização do setor, o que já se observa.
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O episódio 43 do podcast Sem Precedentes analisa a nova rotina do STF, que hoje tem julgado apenas 1% dos processos de forma presencial. Ouça:
https://youtu.be/a6M2upbiCFY
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> Disponível em: &lt;https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/infra/as-concessoes-federais-de-infraestrutura-portuaria-06112020&gt;.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Disponível em: &lt;https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-146-de-2-de-outubro-de-2020-281065868&gt;. Acesso em 22 de outubro de 2020. A alteração se justificou em razão da conversão da MP nº 945 na Lei nº 14.047, de 24 de agosto de 2020, que incorporou as modificações realizadas no âmbito do Congresso Nacional.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Visando atrair investimentos e reduzir o custo regulatório, recentemente, a Antaq disciplinou, na Resolução Antaq nº 7.821, de 2020, os procedimentos para elaboração da versão simplificada dos estudos prévios de viabilidade técnica, econômica e ambiental, para a realização de licitação de outorga de arrendamentos portuários, com fundamento no art. 6º, § 1º, inciso IV do Decreto nº 8.033, de 2013. Os estudos de viabilidade em versão simplificada poderão ser realizados sempre que o valor total previsto para o contrato de arrendamento for inferir a 100 vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea “c” da Lei nº 8.666, de 1993 e o prazo de vigência do contrato for, no máximo, de 10 anos, incluídas eventuais prorrogações. Os investimentos realizados correrão por conta e risco dos interessados, sem direito a indenização ao término do contrato.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União, no âmbito da Fiscalização 189/2019 - TC 022.534/2019-9, ressaltou que “a inexistência de procedimentos simplificados para o arrendamento de áreas em casos específicos, como por exemplo quando não há mais que um interessado, ou quando referente a projeto proposto por interessados para área ociosa, ou ainda para contratos de menor vulto, com horizonte temporal não tão extenso, é sem dúvida uma séria limitação à expansão, modernização e otimização da infraestrutura e da superestrutura que integram os portos organizados e instalações portuárias preconizadas pelo inciso I do Art. 3º da Lei 12.815/2013”.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Instituto previsto na Resolução Antaq nº 2.240/2011, mantido na Resolução Normativa Antaq nº 07, de 2016, posteriormente questionado por decisão da Justiça Federal do Espírito Santo, disponível em: &lt;<a href="http://portal.antaq.gov.br/wp-content/uploads/2018/01/Senten%C3%A7a_Uso_Tempor%C3%A1rio-2.pdf">http://portal.antaq.gov.br/wp-content/uploads/2018/01/Senten%C3%A7a_Uso_Tempor%C3%A1rio-2.pdf</a>&gt;. Acesso em 19 de outubro de 2020.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Vide Acórdão nº 2.711/2020-TCU-Plenário.

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JOTA

Análise jurídica das medidas adotadas para o enfrentamento da pandemia – Parte II

As concessões federais de infraestrutura portuária

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