Opinião e Análise

Thaís Araripe Dias

O primeiro investimento cruzado, realizado no âmbito da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13448.htm">Lei 13.448/2017</a>, deu-se no 3º Termo Aditivo ao Contrato de Concessão da Estrada de Ferro Vitória Minas, firmado entre a União, representada pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/antt">ANTT</a>), e a Vale, mais precisamente no seu Anexo 9, que incluiu a Valec – Engenharia, Construções e Ferrovias na relação tríade.
Por si só, esse contexto continha caráter inovador, vez que implementou na prática o dispositivo do art. 25, § 1º, da referida lei, contemplando que o órgão ou a entidade competente poderiam, de comum acordo com os contratados, buscar soluções para todo o sistema ferroviário e adotar medidas diferenciadas por contrato ou por trecho ferroviário que considerassem a reconfiguração de malhas, admitida a previsão de investimentos pelos contratados em malha própria ou naquelas de interesse da administração pública.
Conforme o <a href="https://boletim.sigepe.planejamento.gov.br/publicacao/detalhar/83337">Plano Nacional de Logística do Ministério da Infraestrutura</a>, mais precisamente no seu Relatório Executivo, de acordo com os empreendimentos mapeados, um dos destaques dos cenários futuros seria o significativo desenvolvimento previsto do modo ferroviário na rede de transporte brasileira. De sorte que no cenário “Empreendimentos em Andamento” já estava prevista a Ferrovia de Integração Centro-Oeste, a FICO.
Nesse mesmo contexto de estudo, ao tratar das tendências de fluxos logísticos, em relação ao escoamento das cargas de GSA (Granéis Sólidos Agrícolas), as infraestruturas tendem a ficar muito dependentes, em todos os cenários, do conjunto de ferrovias denominado, no referido documento, como “conjunto ferroviário central”, formado por FICO, FIOL (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), Ferrogrão e FNS (Ferrovia Norte-Sul), tendo como estrutura complementar a Rumo Malha Norte.
Aprovado em 15 de outubro de 2021, pela Resolução GM/MINFRA nº 6, de 15 de outubro de 2021, o Plano Nacional de Logística dava então direcionamento claro à atuação no modo ferroviário e à implantação da FICO.
Nesse contexto, no âmbito da discussão da renovação antecipada da Estrada de Ferro Vitória Minas, foi assinado o 3º Termo Aditivo ao referido contrato de concessão, em 18 de dezembro de 2020, bem assim o seu Anexo 9, que dispunha sobre o Acordo de Obrigações de Investimentos.
A relação tríade composta pela ANTT, Vale e Valec, nesse acordo, levantou importante discussão prévia dentro da estatal. Afinal, como justificar, no âmbito da sua vinculação à Lei 13.303, o desenho inovador e tão saudável ao modo ferroviário, ao equilíbrio da matriz de transportes do Brasil e até ao Orçamento geral da União?
Pensar em um desenho tradicional, como o realizado na FNS e na FIOL, outras duas ferrovias outorgadas à Valec, e que contemplavam a contratação às expensas do orçamento público de empreiteiras para a execução das obras ferroviárias, seria regredir em um contexto de inovação. Questionar sobre a necessidade de licitar junto a um desenho tão delineado como aquele que se apresentava seria também burocratizar o óbvio: estava-se diante de uma grande oportunidade de negócio!
Foi nesse contexto que o art. 28, § 3º, inciso II veio à tona, ao dispensar as empresas públicas da licitação, nos casos em que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares, vinculada a oportunidades de negócio definidas e específicas, justificada a inviabilidade de procedimento competitivo.
No Informativo nº 358 do Tribunal de Contas da União (TCU), com fundamento no Acórdão 2488/2018-Plenário, a Corte Máxima de Contas fixou requisitos mínimos a serem observados para a contratação direta de empresa parceira com fundamento no art. 28, § 3º, inciso II, da <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13303.htm">Lei 13.303/2016</a> (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/lei-das-estatais">Lei das Estatais</a>), seriam eles:
<ol>
<li>avença obrigatoriamente relacionada com o desempenho de atribuições inerentes aos respectivos objetos sociais das empresas envolvidas;</li>
<li>configuração de oportunidade de negócio, o qual pode ser estabelecido por meio dos mais variados modelos associativos, societários ou contratuais, nos moldes do art. 28, § 4º, da Lei das Estatais;</li>
<li>demonstração da vantagem comercial para a estatal;</li>
<li>comprovação, pelo administrador público, de que o parceiro escolhido apresenta condições que demonstram sua superioridade em relação às demais empresas que atuam naquele mercado; e</li>
<li>demonstração da inviabilidade de procedimento competitivo, servindo a esse propósito, por exemplo, a pertinência e a compatibilidade de projetos de longo prazo, a comunhão de filosofias empresariais, a complementariedade das necessidades e a ausência de interesses conflitantes.</li>
</ol>
Na I Jornada de Direito Administrativo realizada pelo Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF), foram aprovados dois enunciados relativos a parcerias estratégicas celebradas por empresas estatais e que merecem destaque, os quais também foram considerados no âmbito jurídico de análise:
Enunciado 27: A contratação para celebração de oportunidade de negócios, conforme prevista pelo art. 28, § 3º, II, e § 4º da Lei 13.303/2016 deverá ser avaliada de acordo com as práticas do setor de atuação da empresa estatal. A menção à inviabilidade de competição para concretização da oportunidade de negócios deve ser entendida como impossibilidade de comparação objetiva, no caso das propostas de parceria e de reestruturação societária e como desnecessidade de procedimento competitivo, quando a oportunidade puder ser ofertada a todos os interessados.
Enunciado 30: A "inviabilidade de procedimento competitivo" prevista no art. 28, § 3º, inc. II, da Lei 13.303/2016 não significa que, para a configuração de uma oportunidade de negócio, somente poderá haver um interessado em estabelecer uma parceria com a empresa estatal. É possível que, mesmo diante de mais de um interessado, esteja configurada a inviabilidade de procedimento competitivo.
Portanto, a análise jurídica da Procuradoria Jurídica da Valec consubstanciou dez recomendações para garantir que o enquadramento da licitação dispensada seria respaldada nas melhores práticas do TCU e no seu aparato legal, garantindo a higidez e a transparência do processo. Foram elas:
<ol>
<li>que a escolha do parceiro esteja associada a suas características particulares;</li>
<li>a vinculação a oportunidades de negócio definidas e específicas;</li>
<li>a inviabilidade de procedimento competitivo;</li>
<li>que a avença é obrigatoriamente relacionada com o desempenho de atribuições inerentes aos respectivos objetos sociais das empresas envolvidas;</li>
<li>a configuração de oportunidade de negócio, a qual pode ser estabelecida por meio dos mais variados modelos associativos, societários ou contratuais, nos moldes do art. 28, § 4º, da Lei das Estatais;</li>
<li>a demonstração da vantagem comercial para a estatal;</li>
<li>a comprovação, pelo administrador público, de que o parceiro escolhido apresenta condições que demonstram sua superioridade em relação às demais empresas que atuam naquele mercado;</li>
<li>a demonstração da inviabilidade de procedimento competitivo, servindo a esse propósito, por exemplo, a pertinência e a compatibilidade de projetos de longo prazo, a comunhão de filosofias empresariais, a complementariedade das necessidades e a ausência de interesses conflitantes;</li>
<li>que a inviabilidade de competição para concretização da oportunidade de negócios seja entendida como impossibilidade de comparação objetiva, no caso das propostas de parceria e de reestruturação societária e como desnecessidade de procedimento competitivo, quando a oportunidade puder ser ofertada a todos os interessados;</li>
<li>que esta inviabilidade de competição não necessariamente precisa se fundar na existência de somente um interessado em estabelecer uma parceria com a empresa estatal, já que é possível que, mesmo diante de mais de um interessado, esteja configurada a inviabilidade de procedimento competitivo.</li>
</ol>
Em suma, o grande cerne da oportunidade de negócio em questão está na utilização de recursos privados para a construção da FICO.
Pela primeira vez na história da Valec, uma ferrovia a ela outorgada está sendo construída às expensas de um particular, no brilhantismo do investimento cruzado, a bem do interesse público, de modo a evidenciar também a eficiência e dinamismo trazido pela Lei das Estatais, que incentiva as estratégias negociais e comerciais, desvinculando a mentalidade por vezes burocrática que se concentrava na figura do Estado e alcançando importantes pilares de governança e confiabilidade às empresas públicas.
Há muito ainda a ser explorado nesse contexto inovador, é só o começo!

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JOTA

Lei das Estatais traz dinamismo e desvincula mentalidade burocrática concentrada na figura do Estado


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Construção da FICO: Lei das Estatais traz dinamismo e desvincula mentalidade burocrática concentrada na figura do Estado