Opinião e Análise

Jackson De Toni

<p>As medidas explícitas de política industrial chegaram a <a href="https://www.imf.org/en/Blogs/Articles/2024/04/12/industrial-policy-is-back-but-the-bar-to-get-it-right-is-high">2.000</a> nos últimos anos, consolidando a tendência impulsionada pelas crises do capitalismo central desde 2008, o “efeito China” que concentra metade da produção mundial e a crise pandêmica que reforçou o movimento de <em>reshoring</em>.</p>
<p>Mazzucato (2021) repaginou a importância de vincular os objetivos da política industrial à solução de grandes e complexos problemas nacionais, com a deterioração ambiental, o envelhecimento populacional ou a transição digital. Essa abordagem, conhecida como Mission Oriented Industrial Policy (MOIP), vem orientando a ação de muitos países.</p>
<h3><a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=cta-site&amp;utm_medium=site&amp;utm_campaign=campanha_poder_q2&amp;utm_id=cta_texto_poder_q2_2023&amp;utm_term=cta_texto_poder&amp;utm_term=cta_texto_poder_meio_materias"><span style="font-weight: 400;">Conheça o JOTA PRO Poder, plataforma de monitoramento que oferece transparência e previsibilidade para empresas</span></a></h3>
<p>Em estudo recente, Wieser et al (2025) apontam diversas adaptações necessárias para o amadurecimento desta abordagem em políticas públicas. A primeira é o desenvolvimento de uma teoria do programa sobre o tema. O estudo propõe uma Teoria do Programa integrada, baseada nas experiências das cinco missões da União Europeia (clima, combate ao câncer, solos, oceanos e cidades).</p>
<p>A proposta estrutura-se em quatro campos de ação: formulação e promoção da missão, construção de capacidades no setor público, experimentação <em>bottom-up</em> e escalonamento/integração de soluções. Essa abordagem busca guiar como as MOIPs devem operar para enfrentar desafios sociais complexos. O estudo propõe enfatizar a importância da flexibilidade, aprendizagem e adaptação. A implementação de MOIPs exige abordagens dinâmicas, que se ajustem continuamente ao contexto. A teoria da ação não pressupõe uma sequência linear de políticas, mas destaca a importância de ciclos de feedback, monitoramento constante e ajustes estratégicos, inclusive reconfigurações das próprias missões quando necessário.</p>
<p>Outro destaque vai para o papel do setor público e da coordenação interinstitucional. O sucesso das missões depende da capacidade do setor público de coordenar ações entre diferentes níveis e esferas de governo, de desenvolver estruturas de governança ágeis, e de garantir recursos humanos e financeiros adequados. A falta dessas capacidades foi apontada como uma das principais fragilidades nas missões da UE. A complementação da teoria com evidências empíricas também é outra prioridade.</p>
<p>A abordagem original inspirada em <a href="https://drodrik.scholar.harvard.edu/sites/scholar.harvard.edu/files/dani-rodrik/files/conditionality_mazzucato_rodrik_0927202.pdf">Mazzucato</a> foi enriquecida com elementos emergentes das experiências das missões, como: a necessidade de “<em>buy-in</em> político” de diversos órgãos governamentais, a relevância de narrativas claras sobre como a missão será atingida, e a valorização de soluções contextuais, não necessariamente inovadoras, mas adaptadas às realidades locais.</p>
<p>Finalmente há limitações, desafios e problemas de transferibilidade da abordagem. Os autores reconhecem que as MOIPs não são "kits prontos" aplicáveis em qualquer contexto. Sua eficácia depende de fatores como: o tipo de desafio enfrentado (mais técnico ou controverso), o grau de ambição da missão, e as capacidades institucionais existentes.</p>
<p>Também se aponta a limitação das abordagens centradas apenas na criação de mercados, sugerindo que mecanismos de desestabilização de práticas estabelecidas são essenciais para promover transformações sistêmicas.</p>
<p>Na realidade brasileira essas limitações são potencializadas, dada a fragmentação do Estado, as dificuldades de coordenação entre as agências públicas, a baixa capacidade estatal em planejamento, monitoramento e avaliação  e a tradição de <a href="http://arquivos.eadadm.ufsc.br/somente-leitura/EaDADM/UAB_2017_1/Modulo_1/Ciencia%20Politica/Material%20Complementar/Lobby.pdf">captura privada</a> do processo decisório público.</p>
<p>A seguir uma lista não exaustiva das (poucas) missões em países selecionados. Temas associados à transição digital e ambiental são comuns a todos eles.</p>
<h3>Estados Unidos</h3>
<p>As estratégias industriais norte-americanas estão ancoradas em programas como o <a href="https://www.congress.gov/bill/117th-congress/house-bill/4346">CHIPS Act</a>, o <a href="https://www.irs.gov/inflation-reduction-act-of-2022">Inflation Reduction Act</a>, e agências como a <a href="https://www.darpa.mil/">DARPA</a> e ARPA-E. As principais missões são:</p>
<ol>
<li>Soberania tecnológica em semicondutores.</li>
<li>Descarbonização econômica: investimentos em energia limpa, hidrogênio verde e veículos elétricos.</li>
<li>Segurança nacional e liderança em IA e computação quântica.</li>
<li>Avanços em saúde e biotecnologia: foco em produção nacional de vacinas e terapias.</li>
<li>Resiliência de cadeias de suprimentos críticas.</li>
</ol>
<h3>China</h3>
<p>A China vem implementando estratégias industriais robustas como o <a href="https://english.www.gov.cn/2016special/madeinchina2025/">Made in China 2025</a> e seus planos quinquenais. As principais prioridades incluem:</p>
<ol>
<li>Autossuficiência tecnológica: ênfase em semicondutores, 5G/6G e inteligência artificial.</li>
<li>Transformação verde: uso de energias renováveis e ampliação da frota de veículos elétricos.</li>
<li>Modernização industrial: com foco em robótica, aeroespacial e biotecnologia.</li>
<li>Segurança alimentar e energética.</li>
<li>Liderança em tecnologias estratégicas.</li>
</ol>
<h3>Japão</h3>
<p>Com políticas como a <a href="https://www.japan.go.jp/kizuna/2021/09/green_growth_strategy.html">Green Growth Strategy</a> e o conceito <a href="https://www8.cao.go.jp/cstp/english/society5_0/index.html">Society 5.0</a>, o Japão foca em:</p>
<ol>
<li>Neutralidade de carbono até 2050.</li>
<li>Cidades inteligentes e conectadas.</li>
<li>Robótica e automação para lidar com o envelhecimento populacional.</li>
<li>Digitalização transversal da economia.</li>
<li>Mobilidade sustentável e autônoma.</li>
</ol>
<h3>França</h3>
<p>O plano France 2030 e a iniciativa <a href="https://www.economie.gouv.fr/files/files/PDF/nouvelle-france-industrielle-sept-2014.pdf">Nouvelle France Industrielle</a> visam transformar setores industriais por meio de inovação:</p>
<ol>
<li>Descarbonização da indústria.</li>
<li>Produção de veículos elétricos acessíveis.</li>
<li>Transformação sustentável do setor agroalimentar.</li>
<li>Soberania em IA, nuvem e tecnologias digitais.</li>
<li>Saúde do futuro e bioprodução avançada.</li>
</ol>
<h3>Reino Unido</h3>
<p>A estratégia industrial britânica é liderada pela <a href="https://www.gov.uk/government/consultations/invest-2035-the-uks-modern-industrial-strategy/invest-2035-the-uks-modern-industrial-strategy">UK Industrial Strategy</a> e iniciativas da Innovate UK:</p>
<ol>
<li>Descarbonização dos transportes e da energia.</li>
<li>Tecnologia voltada ao envelhecimento saudável.</li>
<li>IA confiável e economia de dados.</li>
<li>Cidades limpas e seguras.</li>
<li>Sustentabilidade e agricultura do futuro.</li>
</ol>
<h3>Alemanha</h3>
<p>A política industrial alemã tem sido guiada por iniciativas como a <a href="https://www.bmbf.de/SharedDocs/Publikationen/DE/FS/657232_Bericht_zur_Hightech-Strategie_2025_en.pdf?__blob=publicationFile&amp;v=2">High-Tech Strategy</a> e o programa Industrie 4.0, focando em inovação tecnológica e modernização industrial. Suas missões principais incluem:</p>
<ol>
<li>Transição energética (<em>Energiewende</em>): prioriza a descarbonização, energias renováveis e eficiência energética.</li>
<li>Mobilidade inteligente e sustentável: desenvolvimento de veículos elétricos e autônomos, com ênfase em infraestrutura digital.</li>
<li>Saúde personalizada: integração entre biotecnologia e digitalização dos serviços de saúde.</li>
<li>Digitalização da indústria (Indústria 4.0): uso de automação, inteligência artificial e IoT na manufatura.</li>
<li>Segurança cibernética e soberania digital.<strong style="font-family: inherit; font-size: inherit; font-style: inherit; font-variant-ligatures: inherit; font-variant-caps: inherit;"> </strong></li>
</ol>
<h3>Índia</h3>
<p>A Índia tem diversas estratégias industriais complementares.</p>
<p>A <a href="https://www.makeinindia.com/">Make in India</a> (2014) busca transformar o país em polo global de manufatura.<br />
A Atmanirbhar Bharat (2020) almeja promover autossuficiência econômica, enquanto a Missão Nacional de Manufatura (2025-2026) prevê incentivos para MPMEs, tecnologia e manufatura limpa.</p>
<p>Também se destacam iniciativas como:</p>
<ul>
<li>PLI (Production Linked Incentives): para impulsionar a produção nacional.</li>
<li>Missão de Hidrogênio Verde (2023).</li>
<li>Desenvolvimento de corredores industriais.</li>
</ul>
<h3>África do Sul</h3>
<p>A política industrial da <a href="https://www.thedtic.gov.za/wp-content/uploads/NIPF-1.pdf">África do Sul</a> busca crescimento sustentável e redução de desigualdades. Suas missões são:</p>
<ol>
<li>Beneficiamento de recursos minerais.</li>
<li>Transição para energias renováveis.</li>
<li>Indústria automotiva de veículos elétricos.</li>
<li>Fortalecimento de PMEs.</li>
<li>Modernização da infraestrutura nacional.</li>
<li>Promoção de tecnologias avançadas e IA.</li>
</ol>
<p><strong>México</strong></p>
<p>O <a href="https://www.planmexico.gob.mx/">Plan México</a> (2025-2030) pretende posicionar o país entre as dez maiores economias do mundo. Os principais eixos são:</p>
<ol>
<li>Atração de US$ 277 bilhões em investimentos em setores-chave.</li>
<li>Criação de 1,5 milhão de empregos em manufatura especializada.</li>
<li>Substituição de importações, especialmente asiáticas.</li>
<li>Incentivos fiscais e apoio à inovação.</li>
<li>Infraestrutura logística.</li>
<li>Energia renovável: 45% da matriz até 2030.</li>
<li>Semicondutores e projetos como o Corredor Interoceânico.</li>
<li>Projeto Olinia: veículos elétricos urbanos acessíveis.</li>
</ol>
<h3>Brasil</h3>
<p>A política <a href="https://www.gov.br/mdic/pt-br/composicao/se/cndi">Nova Indústria Brasil</a> (2024-2033) define seis missões para o fortalecimento industrial:</p>
<ol>
<li>Agroindústria sustentável e digital: foco em rastreabilidade, bioinsumos e agricultura de baixo carbono.</li>
<li>Complexo da saúde resiliente e universal: nacionalização de vacinas, medicamentos e insumos.</li>
<li>Infraestrutura sustentável: mobilidade urbana verde, saneamento e conectividade.</li>
<li>Transformação digital industrial: digitalização e Indústria 4.0 para MPMEs.</li>
<li>Bioeconomia e segurança energética: hidrogênio verde, biocombustíveis e economia circular.</li>
<li>Tecnologias estratégicas: IA, semicondutores, defesa e telecomunicações.</li>
</ol>
<hr />
<p>Evenett,S., Jakubik, A., Martín, F., Ruta. R. (2024). The Return of Industrial Policy in Data WP/24/1 IMF Working Paper.</p>
<p>De Toni, J. e Hitner, V. (2024) O caminho tortuoso da política industrial brasileiro no século XXI. In  Neoindustrialização Brasileira, Sergio Velho (org.), Editora Blucher.</p>
<p>Mazzucato, M., e Rodrik, D. (2023). Industrial Policy with Conditionalities: A Taxonomy and Sample Cases. (Working paper WP 2023/07). IIPP. Disponível em: <a href="https://www.ucl.ac.uk/bartlett/public-purpose/publications/2023/oct/industrial-policy-conditionalities-taxonomy-and-sample-cases">https://www.ucl.ac.uk/bartlett/public-purpose/publications/2023/oct/industrial-policy-conditionalities-taxonomy-and-sample-cases</a></p>
<p>Mazzucato, M. (2021). Mission economy: A moonshot guide to changing capitalism. London, UK: Penguin Allen Lane.</p>
<p>Wieser, H., Kofler, J., Janssen, M.,  Reid, A., Angelis, J., Griniece, E. Kaufmann, P. (2025). How do mission-oriented innovation policies work? A theory of action derived from the EU missions (April 02, 2025). <a href="https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=5201630">https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=5201630</a></p>


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