Função Pública

Políticas antiassédio e a questão de gênero na administração pública

Dados da CGU indicam aumento de denúncias em nível federal

Convenção 190 OIT assédio
Crédito: Unsplash

O ano de 2023 pode ser considerado marcado por iniciativas em diversas frentes de combate ao assédio moral e sexual no âmbito público, de cunho normativo e não normativo. A Lei 14.540/2023 implementa o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, com três frentes: prevenção, capacitação e publicização do tema. Além da lei, houve a publicação do Guia Lilás da Controladoria-Geral da União (CGU), especialmente com o objetivo de conscientização sobre o assédio e discriminação.

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Por que essas iniciativas são necessárias na administração pública no Brasil? Com relação a números da realidade brasileira do funcionalismo público, dados de 2022 indicam que as mulheres são maioria nos vínculos públicos civis, alcançando um patamar de 61%. Na esfera federal, dados oficiais, também de 2022, apontam um total de 44,8% de servidoras em atividade[1]. Do ponto de vista institucional, essa realidade deve ser levada em consideração para que sejam modeladas e implementadas políticas protetivas às mulheres.

A CGU possui um repositório de dados de denúncias recebidas de assédio sexual e moral na esfera federal. Em pesquisa realizada em 6 de outubro de 2023, utilizando-se do filtro “denúncia”, com o escopo “assédio”, foram identificados 2.097 casos neste ano (de janeiro a outubro)[2]. Destes casos, dentre os que foram categorizados como resolvidos, o painel indica que 23% foram solucionados integralmente; 27% parcialmente; e 50% não se resolveram.

A título comparativo, a pesquisa foi replicada para ano de 2022 (para o mesmo intervalo temporal de janeiro a outubro). No ano passado, houve um total de 1.155 denúncias registradas com os filtros do painel e foi identificado um ponto em comum: os mesmos percentuais quanto à resolutividade dos casos – metade dos casos de 2022 também foi considerado não solucionado[3]. No comparativo, houve um incremento no número de denúncias: 942 registros a mais em 2023.

Para as mulheres que atuam em funções públicas, as políticas antiassédio representam uma forma de proteção no ambiente institucional para o livre exercício de suas funções. Caso recente ocorreu na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que culminou na prisão de um assessor de diretoria e no reconhecimento, por parte do presidente da agência, quanto à insuficiência do sistema de processamento de denúncias. Em decorrência do caso, foi criado um comitê de prevenção e enfrentamento do assédio moral e do assédio sexual no âmbito da agência.

Em face das iniciativas e novidades regulatórias acerca do tema, é importante manter a consistência e constância das políticas antiassédio, para garantir sua efetividade – afinal, como aponta estudo global da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), “a transformação das normas leva tempo e pode não ser linear”. O passo basilar é conscientizar o setor público quanto ao mínimo: publicizar o que caracteriza assédio e consolidar os canais de denúncia, garantindo o regular funcionamento e processamento das informações, sempre preservada a identidade e privacidade daqueles envolvidos.


[1] Os percentuais, apesar de indicarem uma presença feminina relevante no setor público, não consideram aspectos como a sub-representação de mulheres em cargos de poder, como indicam pesquisas focadas nesse aspecto qualitativo.

[2] Dados gerados pela autora, a partir do painel “Resolveu?” da Controladoria-Geral da União. Os números podem variar caso a denúncia seja desindexada do tema. O portal não permite o filtro por gênero. Data-base da pesquisa: 06 de outubro de 2023, às 20h.

[3] Em artigo recente publicado no JOTA, de autoria da Professora Vera Monteiro, questiona-se, no âmbito do Judiciário, o fato de assédio sexual ser punido com aposentadoria compulsória, em detrimento da demissão. Este é outro elemento da discussão atrelada a como resolver, de maneira efetiva, casos de assédio na administração pública.