Opinião e Análise

Sheila D'Amorim

Sou da geração do “quase lá”. Explico: me formei em jornalismo no início dos anos 1990, e ter um curso superior, naquela época, era o diferencial para o mercado de trabalho que todo pai queria assegurar ao filho. Aprendi a diagramar jornal, visitei as maiores gráficas onde tipógrafos ou linotipistas criavam as linhas de texto a partir de peças de chumbo e as prensas de impressão davam forma ao jornal como conhecíamos: impresso no formato standard. Fiz o jornal da escola e o curso de datilografia numa máquina de escrever manual para chegar preparada ao mercado de trabalho e colocar tudo em prática (A-S-D-F-G com a mão esquerda; Ç-L-K-J-H, com a direta). Quem é dessa geração vai lembrar desse aprendizado ancorado na repetição.
No início da minha vida como jornalista profissional, o computador já estava sendo implantado nas redações e, com isso, toda esteira de produção do jornal, conforme aprendi, começava a ser desfeita e algumas carreiras já eram eliminadas. Minha turma entrava no mercado de trabalho e outras saíam pela mesma porta. A regra era: esqueça como era na faculdade e aprenda o novo.
Nem a inflação, que pautou, durante décadas, a discussão econômica dentro e fora das universidades brasileiras era a mesma. Veio o Plano Real e com ele uma maior estabilidade econômica. Engatei em outro curso, economia. A essa altura, ainda na mesma década, faculdade era commodity na disputa por emprego. Quer se diferenciar? Faça também o mestrado. Para os concurseiros, o fim da estabilidade e das regras de aposentadorias vantajosas do setor público começaram a cair. Para os que buscavam o setor privado, as sucessivas reformas da Previdência nos deram (e dão) perspectiva de trabalho “ad aeternum” e por aí vai.
Quase fiz aquele jornal da forma como aprendi. Quase tive no passado a referência para construção do futuro. Mas um mundo novo se apresentou. Simplesmente assim. Sem avisar, transformação, inovação, disrupção tomaram conta. E o mundo foi quase o que estudei. Então quer dizer que não “aconteci”? Ao contrário. Acredito que essa mudança toda trouxe, para minha geração, uma característica importante e que falta nas gerações seguintes: resiliência, casca grossa, como diria minha avó, para lidar com frustrações. Aprender a cair e a recomeçar do zero. É. Isso mesmo. Aceitar que “game is over” e seguir para o próximo com o aprendizado acumulado e a certeza de que emplacaremos na próxima. E, confesso, nos últimos 30 anos, isso tem sido tão útil quanto todo conhecimento acadêmico recebido.
Afinal, uma das chamadas soft skills mais admiradas no mercado hoje deriva daí: adaptabilidade. Mas isso quer dizer que o aprendizado acadêmico foi em vão? Que nesse mundo VUCA (para citar aqui termos da moda que englobam características do mundo atual: volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) devemos focar na experiência e, não, na formação acadêmica, no diploma? Refuto essa lógica. 
Outro dia, vi um post no Linkedin do @Gustavo Caetano, uma das referências atuais na área de inovação. E era exatamente uma provocação sobre a utilidade/importância do diploma: você acha que diploma tem valor ou é só um símbolo?
Claro que as transformações (tecnológica e comportamental) das últimas décadas criaram novos padrões de ensino/aprendizado, utilização e disponibilização do nosso tempo etc. Isso nos fez, em especial as gerações mais antigas, ressignificar muita coisa. Ainda assim, o médico sem diploma que presta atendimento, por mais conhecimento que tenha, é um charlatão. Ninguém quer o advogado sem diploma para cuidar da sua defesa ou mesmo investir suas economias da compra do apê projetado pelo arquiteto e construído pelo engenheiro sem diplomas. 
Por isso, acredito que o diploma é muito mais do que um símbolo que atesta um aprendizado, que pode ser capenga. Ele é um certificado de vivência de um período marcado por descobertas e crescimento. Um período para debater, divergir, divagar. Um período para viver a diversidade e aprender a fazer escolhas. E isso é importante para formar cidadãos para o mundo. Seja ele qual for. Junto com o diploma virão formação acadêmica e humana que ditarão o tipo de profissional que seremos, seja qual for o mundo em que vamos trabalhar. Assim, podemos discutir duração, formato, canais, mas não o fato de que o processo agrega valor nas nossas vidas.

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JOTA

Sucessivas transformações trouxeram para minha geração uma característica em falta nas seguintes: resiliência

Sou da geração do 'quase lá', e você?

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