Opinião e Análise

Sheila D'Amorim

"Pode avisar. O cheque de R$ 55 mil não tinha fundos. Voltou e não há como reapresentar no banco." O tom alto e sério (para não dizer irritado) chamou minha atenção para o cara ao celular, na fila do raio-x no aeroporto. Depois de ter passado quatro dias de imersão numa feira de inovação, não era bem o que eu esperava. Cheque? Na era do Pix, das criptomoedas e soluções digitais de pagamento, a criatura está me contando (me senti incluída na conversa, já que ele falava alto bem ao meu lado) que um cheque sem fundos voltou?   
Durante uns segundos pensei em participar ativamente do papo e perguntar: só para esclarecer um ponto, você fez um negócio e aceitou pagamento em cheque? Meus pensamentos foram interrompidos pela moça que me chamou para o raio-x e perdi a chance de explorar mais sobre esse espécime. Mas continuei intrigada durante todo voo.   
Esses eventos de inovação (que proliferam pelos quatro cantos do país) fazem você viver o futuro bem próximo. O carro voador, as soluções digitais para comprar e vender junto com todo o universo das fintechs, app sendo construído ao vivo em menos de 20 minutos, aplicação da inteligência artificial em vários setores, biometria comportamental, inovações para educação e saúde, cidades inteligentes… Uma quantidade enorme de debates, teorias, inovações e, na volta para casa: o cara do cheque.  
E por que fiquei pensando nele? Primeiro, espero que ele recupere (via Pix de preferência) os R$ 55 mil, mas olhando além, o sujeito funcionou como um choque de realidade que me conectou com outra parte importante dos debates sobre inovação. Somos tão evoluídos tecnologicamente, estamos nos aproveitando bem da transformação digital, avançando em produtos, meios de pagamentos, instrumentos digitais que ajudam a democratizar a educação, o vaivém nas cidades, mas ainda estamos na era do cheque quando pensamos como nos relacionamos, na nova sociedade que estamos criando.  
O mundo está vivendo essa revolução toda e não podemos crer que nossos arranjos sociais e comportamentais permanecerão os mesmos. Ricardo Al Makul, CEO da KES e um dos palestrantes que ouvi recentemente nessas feiras, ao pregar sobre a necessidade de sermos mais humanos e aumentarmos as nossas interações, destacou que se comunicar e se relacionar fazem parte do nosso DNA e vão garantir a nossa sobrevivência em um mundo cada vez mais virtual. Por isso, defendeu a habilidade de criar e aprimorar a linguagem com sons e imagens como fundamental para interação e solução de conflitos.  
Cassie Kozyrkov, do Google, enfatizou outro dia que a verdadeira revolução da <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/inteligencia-artificial">inteligência artificial</a> (IA) vem do design. Se a gente pensar que a IA reúne um monte de soluções tecnológicas capazes de operar em sintonia, identificar padrões (replicando aspectos da mente humana) e prever resultados, é de se esperar que essa ligação com a área do design (intensiva em criatividade e tradução de experiências e conceitos em imagens) mude comportamentos sociais.   
Além disso, ouve-se muito falar de economia verde (geração de crescimento econômico com bem-estar, igualdade social e preservação ambiental) e economia azul (uso sustentável dos recursos dos oceanos). É muito termo, muita nome para alguns conceitos até antigos, que estavam aí presentes, porém nem sempre com a devida atenção.   
Inclusão, diversidade, preservação ambiental, cheques não são temas novos. Pix e criptomoedas, sim. Os verberes proliferam e se somam. As ações ainda levam um tempo. Por mais que o avanço da IA e outras tecnologias nos mostre um mundo super inovador, os avanços, vamos dizer, humanos correm em outra velocidade e é preciso acelerar. Talvez, por isso, na era do Pix, ainda tenha gente por aí fazendo negócios com cheque. E você, em que estágio está?

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JOTA

Verberes proliferam e se somam, enquanto as ações ainda levam um tempo

Na era do Pix, um cheque sem fundos…

Verberes proliferam e se somam, enquanto as ações ainda levam um tempo