Opinião e Análise

Paulo Moutinho

Marcelo Freitas

Uma voz quase centenária está prestes a ecoar na Amazônia e no mundo. Do alto dos seus 93 anos, Ropni Metyktire, ou Cacique Raoni, faz ecoar a histórica liderança para convocar um debate crucial sobre a proteção da Amazônia e o respeito aos indígenas do Brasil. 
No fim do mês, entre 24 e 28 de julho, a aldeia Piaraçu, no município de São José do Xingu (MT), irá reverberar as palavras, principalmente contra a tentativa de mudar a regra do jogo e permitir a criação de um <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/marco-temporal">marco temporal</a> para restringir a demarcação de terras indígenas no país. O tema dormita no Senado e aguarda julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). Mas não será o único assunto.   
“O Chamado do Raoni”, como foi batizado o evento, irá reunir lideranças de povos indígenas de todo o país, comunidade internacional, além de autoridades do governo federal como as ministras Marina Silva, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas.  
No debate ambiental, os indígenas – que representam menos de 1% da população brasileira (1,65 milhão, segundo o IBGE) e protegem ao menos 23% da Amazônia Legal — têm lugar de fala, de maneira privilegiada. São responsáveis por menos de 2% do desmatamento da Amazônia brasileira, por exemplo.   
Recente estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) mostrou uma situação ainda mais alarmante: 55 milhões de hectares de vegetação nativa poderiam ser devastados caso prospere a tese do marco temporal, que só considera demarcações feitas até a Constituição Federal de 1988. O impacto ambiental também seria danoso. Até 18,7 bilhões de toneladas de gás carbônico seriam jogadas na atmosfera. É como se o equivalente a 14 anos de emissões brasileiras fosse para o ar de uma vez. Não por acaso a primeira iniciativa de sugerir um decreto para declarar emergência climática no país foi uma iniciativa construída durante o Acampamento Terra Livre, em Brasília, e liderado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).  
Raoni – que significa “grande guerreiro”, em tupi-guarani, ou “onça”, em txucarramãe — carrega uma história de luta, exemplo e militância. Em 1954, estabeleceu contato com não indígenas e trabalhou na pacificação em aldeias. Foi também quando aprendeu a falar português com os irmãos Villas Boas. Ao chamar a atenção por usar um alargador de boca, o botoque ou labret, símbolo de liderança na etnia Mẽbêngôkre (Kayapó), o indígena foi retratado no documentário Raoni, dirigido pelo belga Jean-Pierre Dutilleux e indicado ao Oscar. Nos anos 1980 viajou o mundo. Visitou 17 países ao lado do cantor Sting e já alertava sobre a destruição da Amazônia. Na mesma época se pintou para a guerra e foi até a Esplanada dos Ministérios puxar a orelha – literalmente falando – do então ministro do Interior, Mário Andreazza, em protesto pela demarcação da terra indígena onde está localizada a aldeia do Parque Nacional do rio Xingu, sede do evento do fim do mês. “Você precisa ouvir índio”, ele fez-se ouvir. Em 2020, o cacique foi indicado ao Prêmio Nobel da Paz. Não levou.   
O líder indígena subiu a rampa durante a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e mantém um grande prestígio com o poder institucional. Esteve recentemente junto a Lula numa conversa com o presidente da França, Emmanuel Macron. Já foi fotografado ao lado do papa Francisco e do rei Filipe da Bélgica.  
Carrega consigo uma agenda repleta de detalhes sobre ameaças que a população indígena sofreu nos últimos anos como: o risco de revisão de terras indígenas, a abertura de garimpos ilegais, a invasão de territórios e a atuação do crime organizado em áreas que deveriam estar protegidas.  
A demarcação de terras indígenas também está no topo dos anseios. Em abril, Lula assinou a homologação de seis reservas indígenas, processos que estavam parados desde 2018. Mas a expectativa é que esse número cresça para 14 até o fim deste ano. O IPAM publicou um estudo que revelou a contribuição da medida para o combate à emergência climática global. Todas essas terras homologadas irão proteger um estoque de 468 milhões de toneladas de gás carbônico, o equivalente a mais de quatro anos de emissões brasileiras por processos industriais, ou a 20% de todas as emissões anuais do país. Menos poluição, mais preservação.  
Mais do que um ato simbólico, o chamado de Raoni é um grito de sabedoria. Silenciar a voz dos indígenas e não reconhecer os seus direitos é apagar o passado, esquecer o presente e silenciar o futuro. Se Raoni nos chama, é melhor ouvi-lo.

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JOTA

Evento em MT irá reunir lideranças indígenas, ministras Marina Silva e Sonia Guajajara e comunidade internacional

Cacique Raoni tem um chamado, e é melhor ouvi-lo

Evento em MT irá reunir lideranças indígenas como o cacique Raoni, ministras Marina Silva e Sonia Guajajara e a comunidade internacional