Opinião e Análise

Paulo Moutinho

Claudia Azevedo-Ramos

A taxa de desmatamento na Amazônia brasileira voltou a crescer rapidamente após ter sido temporariamente controlada e reduzida em 80% entre 2005 e 2012. O desmatamento na região aumentou de 4.600 km² em 2012 para 13 mil km² em 2021, impulsionado pela grilagem de terras públicas e pela conversão de floresta para agricultura e pastagem em terras privadas.
Cerca de 50% ocorre em terras públicas, particularmente nas florestas públicas não designadas. São terras sem título que não pertencem a nenhuma categoria de posse especificada por lei. Essas florestas públicas cobrem uma área de 56 milhões de hectares, tamanho da Espanha, e armazenam um estoque de sete bilhões de toneladas de carbono — quase um ano de emissões globais. Com direitos de posse mal definidos, são alvo fácil para grilagem e exploração ilegal de recursos naturais.
Os grileiros ocupam terras públicas, desmatando ou criando gado, na expectativa de alto risco de receber a titulação e/ou negociar a terra com retornos significativos: especulação fundiária. É crucial atribuir rapidamente a maioria das florestas públicas não designadas da Amazônia a regimes fundiários associados à conservação. A segurança da posse da terra trará maior governança e proteção. Atingir esse objetivo requer uma combinação de três medidas: atenção cuidadosa à escolha das categorias de posse da terra para essas áreas; melhorias tecnológicas; e aplicação da lei.
As terras públicas no Brasil incluem unidades de conservação, terras indígenas, assentamentos rurais, entre outras. A escolha da categoria para cada área de floresta pública não designada requer estudos para determinar a adequação social, ambiental ou produtiva, observando histórico de ocupação, importância cultural e usos potenciais. Decisões finais de alocação devem ser precedidas de processos de consulta participativos e transparentes para evitar conflitos e salvaguardar os direitos fundiários.
Em torno de 20 milhões de hectares, ou 20% das florestas públicas não designadas, já estão declarados ilegalmente como propriedade privada. Aproximadamente 3,4 milhões de hectares foram desmatados ilegalmente até 2020, e cerca de 65% se sobrepõem a registros ilegais de <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/CAR">CAR</a> (Cadastro Ambiental Rural). O cenário é uma bomba-relógio do desmatamento, pronta para ser detonada nos próximos anos. 
Os grileiros também têm usado registros falsos de propriedades para obter vantagens econômicas, como empréstimos bancários. A <a href="http://chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.bcb.gov.br/pre/normativos/res/2008/pdf/res_3545_v1_O.pdf">Resolução 3.545/2008 do Banco Central</a> exige comprovação de conformidade ambiental, como o CAR, para produtores se qualificarem em empréstimos públicos. Esses, quando concedidos a grileiros, podem estar inadvertidamente financiando novos desmatamentos em áreas públicas. 
Uma ação prioritária para o aperfeiçoamento do sistema é agilizar o processo de validação do CAR, eliminando as inscrições ilegais. A tarefa seria simplificada se os governos federal e estaduais tivessem um banco de dados e um sistema de CAR integrados.
Entre as diversas formas de prevenir e desestimular crimes, a punição é uma medida usualmente aplicada às infrações à lei. No Brasil, lacunas na regulamentação abrem espaço para o descumprimento de multas, que muitas vezes expiram após sucessivos recursos judiciais. Quem invade e desmata florestas públicas invariavelmente escapa dos rigores da lei. No atual sistema judiciário, outras sanções, como embargos a propriedades rurais desmatadas ilegalmente e confisco de meios de produção, mostraram-se mais eficazes. 
Reformas administrativas e regulatórias são necessárias para que os infratores sejam processados prontamente, recebam sanções proporcionais à gravidade de suas violações e sejam punidos de forma efetiva e rápida. Essas reformas exigirão especialistas em leis e processos administrativos, e dependerão do apoio de órgãos reguladores, fiscalizadores e dos órgãos legislativos favoráveis a regras mais robustas.
Um ponto a ser considerado é que, embora penalidades ambientais cumulativas e financeiramente mais pesadas possam influenciar os possíveis infratores, o efeito dissuasor de um aumento de penalidades aplicadas, por exemplo, com cobrança confiável de multas, embargos de propriedades, pode ser maior do que sanções altamente severas, mas difíceis de aplicar. Ainda a ser testado em crimes ambientais, o pressuposto é que, pedagogicamente, alguma punição “rápida e certa” é preferível à impunidade devido à coerção legal ineficaz ou muito dura.
A redução do desmatamento na Amazônia está ligada à promoção do desenvolvimento sustentável com base na estabilidade socioeconômica que possa aliviar a pressão sobre a floresta, como aprendemos com experiências como manejo florestal comunitário, agregação de valor aos produtos florestais, valorização dos serviços ecossistêmicos, intensificação agrícola e comércio e compra justos.
Há muitos exemplos de comunidades auto-organizadas na Amazônia que contribuem para a subsistência local, o desenvolvimento baseado na floresta e a proteção da floresta por meio de microempresas espalhadas por diferentes tipos de posse, como produção de madeira, castanha-do-pará ou açaí. Práticas sustentáveis e comércio justo por grandes produtores também são fundamentais para a conservação e desenvolvimento da Amazônia devido ao seu impacto potencialmente grande.
O reflorestamento pode contribuir para minimizar perdas de múltiplos serviços ecológicos, mas florestas centenárias são difíceis de substituir. Assim, é fundamental focar em estratégias que garantam a proteção duradoura das florestas existentes, especialmente considerando seu papel na mitigação do superaquecimento global. 
Uma oportunidade para aumentar a proteção florestal se apresenta depois das eleições de 2022 e mudanças positivas anunciadas nas políticas ambientais. O que mais falta agora é uma demonstração prática da aparente vontade política da nova administração central em atender ao desejo da sociedade brasileira, assim como de muitas outras nações, de conservar a Amazônia, protegendo as pessoas, a biodiversidade e o clima global.

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JOTA

Reformas administrativas e regulatórias são necessárias para que infratores sejam processados prontamente

Florestas públicas sem título ameaçam conservação da Amazônia

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