Opinião e Análise

Luiz Guilherme Arcaro Conci

Lívia Fioramonte Tonet

O caso Baraona Bray vs. Chile, julgado em novembro de 2022 pela <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/corte-idh">Corte Interamericana de Direitos Humanos</a> (Corte IDH), retrata a violação da liberdade de expressão por meio de ações judiciais penais com o escopo de silenciamento e intimidação de atores e debates públicos sobre temas sociais relevantes, em que Carlos Baraona Bray, advogado chileno atuante em direito ambiental, acusava funcionários estatais de estarem violando o Decreto Supremo 490, ao não proteger a existência de determinada árvore típica da região dos Lagos, denominada Alierce.
As acusações envolviam, dentre outros detalhes, declarações midiáticas, principalmente, contra um senador chileno, ao afirmar que este exercia pressão política sobre autoridades públicas para promover a exploração da árvore de forma indiscriminada.
Contra tais declarações, o senador iniciou uma ação penal em maio de 2004 contra Baraona Bray pelos crimes de difamação e calúnia agravada pela publicidade com fundamento em artigos do Código Penal Chileno, levando à condenação do advogado pelo delito de injúrias graves por meio de meios sociais de comunicação em prejuízo do senador, com uma pena de 300 dias de reclusão e multa. Ao final, mesmo após recurso à Corte Suprema, acabou se confirmando tal condenação.
No ano de 2006, o Baraona Bray, em rede nacional de televisão, relatou o processo penal pelo qual passou e, em seguida, o senador apresentou nova queixa-crime, acusando-o de difamação que foi julgada improcedente pelo Tribunal de Garantias em 2007.
A petição inicial perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi apresentada na data de 04 de março de 2005 pela Clínica de Interesse Público e Direitos Humanos da Universidade Diego Portales, em nome do Carlos Baraona Bray, tendo a Comissão aprovado o Informa de Admissibilidade em julho de 2007 e o Informe de Fondo em 2019, entendendo haver responsabilidade internacional do Estado chileno. Interessante perceber que tal tema já havia sido trabalhado pelo Comissão IDH, quando afimou que “la convención protege y promueve un amplio concepto de libertad de expresion para preservar la existencia de las sociedades democráticas, (pois), es indispensable para la formación de la opinión pública”<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. Aliás, no mesmo Informe, deixou claro que a lógica aplicável em uma sociedade democrática fica invertida, pois os funcionários públicos estão sujeitos a constantes escrutínios da população pela posição que ocupam, fazendo parte desse palco discursos críticos e inclusive ofensivos pro­feridos pela população em relação aqueles que ocupam cargos públicos,<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> o que a Corte IDH também já afirmara em Ricardo Canese,<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> Herrera Ulloa<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> e Tristan Donoso.<a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>
Já na fase da Corte IDH, a sentença considerou que a garantia dos direitos dos defensores de direitos humanos, conceito que deve ser considerado de forma ampla e flexível em decorrência das atividades realizadas em favor e promoção da proteção dos direitos humanos, especificamente em assuntos ambientais, deve ser protegido como uma atividade fundamental para o fortalecimento da democracia e do Estado de Direito.
A proteção em matéria ambiental advém da interpretação sistemática de obrigações e respeito a garantia ao direito à vida, a integridade e outros previstos na Convenção. A Corte reconhece que os direitos ambientais pode ser classificados em dois grupos: (i) direitos substantivos, em que a garantia é prejudicada com sua degradação; e (ii) direitos de procedimento, que têm seu exercício dependente de políticas públicas e, a partir do artigo 13 da Convenção, estabelece-se uma relação entre liberdade de expressão e proteção de direitos ambientais, ao envolver o direito de buscar, conhecer, receber e difundir ideias e informações com uma dimensão individual e social, ambas de igual importância, devendo ser plenamente garantidas.
O documento considera que a liberdade de expressão é base da sociedade como um meio de participação pública que permite o exercício do controle (e também fortalecimento) democrático das gestões estatais de forma a poder questionar e medir o cumprimento das funções públicas, possibilitando que as pessoas se tornem parte da tomada de decisões. Tal participação é também um elemento fundamental para a cidadania e, em sua vertente coletiva, o direito viabiliza a transparência das atividades estatais e a responsabilização de autoridades e funcionários públicos sobre suas gestões.
Por este motivo, a sentença afirma que os Estados devem garantir a efetividade dos direitos humanos de forma a não submeter cidadãos a processos penais o devido processo legal e tomar medidas que restrinjam a liberdade de expressão de modo indireto, pois o uso de demandas judiciais, por funcionários públicos, alegando calúnia ou injúria, não tem o objetivo de retificação, mas sim de silenciar as críticas realizadas sobre suas ações públicas, configurando meio de silenciar a participação pública, ou SLAPP (Demanda Estratégica contra a Participação Pública ou Strategic Lawsuits Against Public Participation).
É nesse sentido que se pode invocar a proteção do artigo 13.2.
Ao mesmo tempo, os Estados devem criar caminhos diferentes da ação penal para que os funcionários públicos tenham uma retificação, resposta ou reparação civil quando houver lesão a honra ou ao nome, pois toda restrição a tal direito deve ser proporcional ao objetivo almejado, visto que sem essa garantia o sistema democrático é enfraquecido, o pluralismo e a tolerância são prejudicados e “os mecanismos de controle e denúncia do cidadão podem se tornar inoperantes e, em última instância, um terreno fértil para o enraizamento de sistemas autoritários”<a href="#_ftn6" name="_ftnref6">[6]</a>(§88).
A Corte afirma que em uma sociedade democrática, pessoas que têm ingerência sobre questões de interesse público estão mais expostas as críticas populares, o que decorre da esfera de debate público e, consequentemente, a honra dessas pessoas deve estar protegida em consonância com o pluralismo democrático, tornando-se diferenciada por sua escolha voluntária, de exposição a um critério mais exigente e da consequência interferência em assuntos sociais. Temas de interesse público são aqueles sobre os quais a sociedade tem legítimo interesse de se manter informada e tange ao funcionamento do Estado, direitos gerais e traz consequências importantes, como é o caso dos direitos ambientais. (§111)<a href="#_ftn7" name="_ftnref7">[7]</a>
Por isso, a Corte considera que a sanção imposta a Baraona Bray teve um efeito amedrontador (“chillin effect”) e foi desproporcional, constituindo um meio indireto de restrição da liberdade de expressão individual e social. A sanção imposta ao advogado teve o efeito de inibir sua pronúncia sobre assuntos de interesse público e de participar do debate político, segundo o que ele mesmo afirma em audiência pública que, a partir da sentença condenatória, deixou de pronunciar-se durante dois anos sobre o tema, incluindo qualquer menção a funcionários públicos.
Para a Corte, tipos penais do direito interno que restrinjam o direito à liberdade de expressão devem ser formulados de forma clara e precisa. Essa exigência não estava contemplada ao se fazer referências a conceitos abertos e indeterminados, como a imputação de um vício ou falta de moralidade, podendo isso ser percebido no artigo 12, inciso 13 do Código Penal Chileno, que, com uma disposição pouco delimitada e clara, teve o potencial de amedrontar a sociedade em detrimento da efetiva liberdade de expressão para manifestar-se contra a atuação de funcionários públicos.
Outro aspecto diz respeito à violação do artigo 25.1, pois, apesar da obrigação de garantir, para todas as pessoas abaixo da jurisdição do Estado, um recurso judicial efetivo contra atos contrários aos direitos fundamentais, a vítima não teve acesso efetivo ao recurso judicial quando propôs o recurso de nulidade, levando ao prejuízo na proteção de seus direitos fundamentais.
Por fim, a Corte determinou a responsabilização do Estado do Chile pela violação do direito de liberdade de pensamento e expressão, do princípio da legalidade e da proteção judicial, previstos nos artigos 13 e seguintes da Convenção.
Em conclusão, a Corte determinou medidas de reparação de danos de modo integral à vítima e, dentre estas, devendo o Estado adotar (i) restituição: indicar, no processo penal, que a causa foi objeto de análise pela Corte com a determinação de responsabilidade estatal; (ii) satisfação: publicar o resumo da Sentença em meios de comunicação nacional oficiais; (iii) não repetição: a) adotar medidas legislativas para adequar a tipificação e o Código Penal com os parâmetros expressos na sentença, e b) adotar programas de formação e capacitação para os funcionários públicos sobre acesso à informação e participação pública em assuntos ambientais; e (iv) indenizações monetárias.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> CIDH. Informe sobre la compatibilidad entre las leyes de desacato y la Convencion Americana sobre Derechos Humanos. 1994. O mesmo argumento pode ser visto em CIDH. Antecedentes e interpretação da Declaração de Princípios. 2000. Disponível em: http://www.oas.org/pt/cidh/expressao/show­article.asp?artID=132&amp;lID=4. Acesso em: 21 set. 2023.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Op. Cit.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> CIDH. Caso Ricardo Canese vs. Paraguay. Fundo, reparações e custas. Sentença de 31 de agosto de 2004.
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> CIDH. Caso Herrera Ulloa vs. Costa Rica. Exceções preliminares, fundo, reparações e custas. Sentença de 2 de julho de 2004
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> CIDH. Tristán Donoso v. Panamá. Exceção preliminar, fundo, reparações e custas. Sentença de 27 de janeiro de 2009, ao afirmar que “en una sociedad democrática los funcionarios públicos están más expuestos al es­crutinio y la crítica del público. Este diferente umbral de protección se explica porque se han expuesto voluntariamente a un escrutinio más exigente. Sus actividades salen del dominio de la esfera privada para insertarse en la esfera del debate público. Este umbral no se asienta en la calidad del sujeto, sino en el interés público de las actividades que realiza.
<a href="#_ftnref6" name="_ftn6">[6]</a> Sentença Caso Baraona Bray vs. Chile. Corte Interamericana de Direitos Humanos.
<a href="#_ftnref7" name="_ftn7">[7]</a> Este e alguns outros argumentos que se aproximam com o que aqui se discute podem ser vistos em ARCARO CONCI, Luiz Guilherme; GIRARDI FACHIN, Melina. A progressiva superação da regulação do crime de desacato na América Latina: diálogos entre o doméstico e o internacional. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v. 11, n. 2, 2021.

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JOTA

Para a Corte IDH, sanção imposta a advogado chileno inibiu sua pronúncia sobre assuntos de interesse público

O caso Baraona Bray vs. Chile e a violação da liberdade de expressão

Para a Corte IDH, sanção imposta a advogado chileno inibiu sua pronúncia sobre assuntos de interesse público