Opinião e Análise

Luciano Benetti Timm

Andrey Freitas

Economistas dizem que tudo na vida é uma questão de trade-offs entre custos e benefícios. Você não pode ter o “melhor dos dois mundos”. Dada a escassez dos recursos (e orçamento), escolhas precisam ser feitas. Nesse sentido, temos visto um movimento do nosso <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/banco-central">Banco Central</a> que traz inúmeras inovações no mercado de arranjo de pagamentos. Mas qual a renúncia que não estamos vendo nessa escolha? Acreditamos que pode estar ocorrendo um prejuízo no seu papel fundamental de regulador.
Com efeito, o BC, instituição central na condução da política monetária e reguladora do sistema financeiro nacional, tem sido alvo de críticas devido à sua atuação nos últimos anos. Embora seja amplamente reconhecido por seu papel em manter a inflação sob controle e promover a estabilidade econômica, a instituição parece ter negligenciado uma de suas funções mais cruciais: a supervisão e regulação eficaz do sistema financeiro.
Nos últimos anos, o Banco Central permitiu a entrada de diversas novas empresas no mercado financeiro, promovendo a concorrência e beneficiando, à primeira vista, os consumidores. No entanto, essa abertura de mercado não foi acompanhada pela devida supervisão desse mercado. A falta de fiscalização adequada permitiu que algumas dessas novas instituições operassem sem a autorização necessária, expondo o sistema financeiro a riscos consideráveis.
Há notícias, inclusive, de importante relacionamento entre uma fintech e o crime organizado, conforme recentemente noticiado pela mídia. Essa instituição, por estar isenta de autorização do Banco Central, operava à margem do sistema regulatório, evidenciando as lacunas na supervisão.
Todavia, o exemplo mais evidente dessa falha regulatória é a proliferação de fraudes relacionadas ao Pix, sistema de pagamentos instantâneos lançado pelo Banco Central. A facilidade com que contas falsas ou contas-laranja têm sido abertas em várias instituições financeiras é alarmante, e isso só foi possível devido à ausência de uma supervisão eficiente. A omissão do BC nesse aspecto transformou uma iniciativa inovadora em uma fonte de preocupação para os consumidores, conforme pesquisa do professor Álvaro Dias, neurocientista, recentemente divulgada na FGV-SP.
A questão da falta de pessoal no Banco Central é frequentemente apontada como a principal causa das falhas na supervisão e fiscalização do sistema financeiro. De fato, a escassez de recursos humanos é um problema real, mas esse argumento, por si só, não é suficiente para justificar as lacunas na atuação da instituição. Mesmo que centenas de novos funcionários fossem contratados, a realidade é que a função de supervisão e fiscalização requer muito mais do que apenas um aumento quantitativo de pessoal.
A supervisão e fiscalização eficazes do sistema financeiro são tarefas altamente complexas, que exigem conhecimento técnico, discernimento regulatório e uma compreensão profunda dos mecanismos que regem o mercado financeiro. Esses requisitos não são alcançados da noite para o dia. A função regulatória do Banco Central demanda uma curva de aprendizagem extensa, na qual experiência prática desempenha papel crucial.
Contratar novos funcionários pode aliviar a carga de trabalho em termos administrativos e operacionais, mas isso não resolve o problema central, que é a escolha sobre onde o BC deve focar suas atividades fundamentais. A fiscalização do sistema financeiro exige uma combinação de habilidades que vai além do treinamento inicial. A compreensão das nuances do mercado, a capacidade de identificar riscos emergentes, e a habilidade de antecipar movimentos do setor financeiro são competências que se desenvolvem ao longo do tempo, através da experiência direta e da exposição a situações complexas.
A curva de aprendizagem no contexto da supervisão financeira é íngreme e prolongada. Novos funcionários, mesmo que altamente qualificados em termos acadêmicos, precisam de tempo para se familiarizar com os processos, regulamentações e peculiaridades do sistema financeiro. Além disso, a supervisão exige não apenas a aplicação das regras existentes, mas também a capacidade de interpretar e adaptar essas regras a novas realidades e desafios que surgem continuamente.
Esse tempo de adaptação é um fator crítico. Enquanto novos funcionários percorrem essa curva de aprendizagem, o sistema financeiro não espera. As inovações tecnológicas, as mudanças nas práticas de mercado e as novas formas de atuação das instituições financeiras continuam a evoluir rapidamente. A falta de experiência pode resultar em uma supervisão ineficaz, onde os reguladores não conseguem acompanhar a velocidade das transformações do mercado, aumentando o risco de falhas regulatórias.
Além da curva de aprendizagem, há o desafio da capacitação contínua. O Banco Central precisa não apenas contratar novos funcionários, mas também investir em sua formação ao longo do tempo. Isso inclui treinamento específico, acompanhamento de tendências internacionais, e a criação de um ambiente onde o aprendizado contínuo seja incentivado. Contudo, mesmo com esses esforços, há uma limitação natural na velocidade com que novos supervisores podem se tornar plenamente eficazes.
A supervisão eficaz também depende de uma forte cultura institucional, em que o conhecimento e a experiência são compartilhados e transmitidos entre gerações de funcionários. Essa transmissão de conhecimento é crucial para a continuidade e eficácia das atividades regulatórias, mas requer tempo e a presença de funcionários experientes que possam atuar como mentores.
Portanto, a simples contratação de mais funcionários, sem considerar o tempo necessário para que eles se tornem plenamente capacitados, pode criar uma falsa sensação de segurança. A eficácia da supervisão não é apenas uma questão de quantidade, mas de qualidade e experiência. A diretoria do Banco Central precisa reconhecer que, embora a expansão do quadro de pessoal seja necessária, ela não substitui a importância de um corpo regulador experiente e bem treinado.
A solução para as falhas regulatórias, portanto, não está apenas no aumento de pessoal, mas na valorização e retenção de profissionais experientes, na promoção de uma cultura de aprendizado contínuo e na garantia de que os supervisores tenham tempo e recursos para se desenvolverem plenamente. Sem essas medidas, qualquer tentativa de reforçar a supervisão será limitada, e as vulnerabilidades no sistema financeiro continuarão a existir.
Em última análise, a responsabilidade pela supervisão do sistema financeiro recai sobre a diretoria do BC, que deve garantir que a instituição esteja adequadamente equipada, não apenas em termos de números, mas também em termos de competência e experiência. A contratação de novos funcionários é importante, mas deve ser acompanhada por uma estratégia robusta de capacitação e desenvolvimento, reconhecendo que a qualidade da supervisão depende tanto da experiência quanto da presença de um quadro de pessoal numeroso.
Além disso, a contratação de novos funcionários não muda o fato de que a decisão da diretoria do Banco Central foi de priorizar a criação e operação de novos produtos, como o Pix e o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/open-finance">Open Finance</a>, em detrimento da sua função regulatória básica.
A escassez de recursos humanos não é um problema novo, mas a escolha de redirecionar funcionários das áreas de supervisão para focar em projetos inovadores, embora importantes, foi uma decisão estratégica que pode ter comprometido a segurança e a integridade do sistema financeiro. Mantendo-se a ordem de prioridades, novos funcionários serão alocados majoritariamente nessas funções, e não em supervisão e fiscalização.
Assim, essa escolha estratégica gerou consequências negativas, expondo os consumidores a fraudes e permitindo que instituições financeiras operassem sem a devida regulamentação, facilitando atividades criminosas.
O BC precisa urgentemente realinhar suas prioridades e focar em sua função primordial de regulador do sistema financeiro. A legislação é clara quanto às responsabilidades da instituição, e desviar-se dessas funções para atuar como agente econômico no mercado de arranjo de pagamentos é, no mínimo, controverso. A diretoria do Banco Central deve alocar os recursos humanos e materiais necessários para fortalecer a supervisão e garantir que as instituições financeiras operem dentro dos parâmetros legais, protegendo assim os consumidores e o sistema financeiro como um todo.
A omissão do Banco Central nos últimos anos criou brechas que foram exploradas por criminosos, e a única maneira de corrigir esse curso é uma ação decisiva e focada no cumprimento das suas funções legais e regulatórias.

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JOTA

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