Opinião e Análise

Luciano Benetti Timm

O tema do momento é o embate entre o ministro <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/alexandre-de-moraes">Alexandre de Moraes</a> e o empresário <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/elon-musk">Elon Musk</a> que participa de diversas sociedades comerciais, algumas delas com atuação no Brasil, seja por meio de sociedades constituídas no país, mas controladas por sociedades estrangeiras, seja sem a intermediação societária no Brasil.
O pano de fundo das discussões que ganharam a mídia seria o de alegados <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/stf-tem-maioria-para-manter-x-ex-twitter-suspenso-em-todo-o-brasil-02092024">descumprimentos da plataforma X</a> (antigo Twitter) de decisões do STF e a responsabilização de outras empresas com participação de Musk e até mesmo obrigações a outras empresas que nada tem a ver com a discussão de fundo.
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Uma das primeiras lições de Introdução ao Direito é que ele não se confunde com política e precisa ser avaliado a partir de seus próprios critérios, ou seja, a Constituição Federal e as normas legais infraconstitucionais passadas pelo Congresso – e precedentes vinculantes (infelizmente, no mais das vezes ignorados pelo próprio Judiciário).
Pois bem. Vejamos então a decisão do ministro Moraes pelo seu texto, que é sempre o ponto de partida do intérprete jurídico.
Segundo ele, “trata-se de investigação autuada por prevenção à Pet 12.100/DF, a partir de ofício encaminhado a esta SUPREMA CORTE pela autoridade policial, comunicando a instauração de Inquérito Policial (IPL 2024.0024068-CGCINT/DIP/PF), que apura a possível prática de crimes de obstrução de investigações de organização criminosa (art. 2º, §1º, da Lei 12.850/13) e de incitação ao crime (art. 286, do Código Penal)".
Na visão do ministro, há várias pessoas acusadas de participação criminosa e organizada para ameaçar e coagir delegados federais que atuam ou atuaram nos procedimentos investigatórios contra milícias digitais e a tentativa de golpe de Estado.
Também em sua visão, “as redes sociais – em especial a X – passaram a ser instrumentalizadas com a exposição de dados pessoais, fotografias, ameaças e coações dos policiais e de seus familiares".
Por esse motivo, em decisão de 7/8/2024, o ministro determinou à empresa Twitter Inc. (responsável pela rede social X) que, no prazo de duas horas, “procedesse ao bloqueio dos canais/perfis/contas indicados, inclusive bloqueando eventuais monetizações em curso relativas aos mencionados perfis, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais)".
Alega ainda o ministro que a referida empresa foi devidamente intimada por e-mail e que seu controlador teria demonstrado seu reconhecimento pela mesma rede social.
Diz o magistrado que a empresa deixou de atender à referida decisão judicial e que por isso lhe foi aplicada multa diária. Afirma que, em estratégia para escapar da jurisdição brasileira, a <a href="https://www.jota.info/stf/do-supremo/volta-do-x-ex-twitter-moraes-manda-verificar-se-multas-foram-pagas-pela-empresa">empresa X teria extinguido suas atividades no Brasil</a>, pelo que o ministro determinou então a penhora de ativos seus no Brasil e de outras empresas a ela relacionadas por se constituírem “grupo econômico”, tal como a Starlink – que fornece internet por meio de satélites e é particularmente útil nas partes mais remotas do país.
O ministro ainda fez uma série de determinações a outras empresas – depois revisitadas e modificadas de ofício (?!) – tais como:
<blockquote class="jota-article__citation">“Apple e Google no Brasil para que insiram obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar a utilização do aplicativo X pelos usuários do sistema iOS (Apple) e Android (Google) e retirem o aplicativo X das lojas Apple Store e Google Play Store e, da mesma forma, em relação aos aplicativos que possibilitam o uso de VPN (virtual private network) (...) Que administram serviços de acesso a backbones no Brasil, para que neles insiram obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar a utilização do aplicativo X; Provedoras de serviço de internet, na figura de seus presidentes, exemplificativamente Algar Telecom, Oi, Sky, Live Tim, Vivo, Claro, Net Virtua, GVT etc. para que insiram obstáculos tecnológicos capazes de inviabilizar a utilização do aplicativo X".</blockquote>
Não discutirei aqui os eventuais ilícitos praticados pelos investigados no inquérito das milícias digitais. Focarei apenas na decisão em análise que acabou por responsabilizar terceiros pela suposta prática de atos ilegais de Musk. Pessoas que fogem da lei devem ser responsabilizadas, mas seguindo integralmente o Direito de nosso país.
De início, ressalto que há uma discussão processual – e Direito também é forma, sem a necessidade de ser formalista – sobre os limites dessa atuação de ofício do STF e ordens que são concedidas por uma autoridade judicial sem que nenhuma parte interessada tenha feito o respectivo pedido (a justiça é desinteressada e juízes não têm mandato constitucional para atuarem fazendo pleitos porque perderiam isenção para julgá-los imparcialmente).
Nessa esteira, um dos princípios processuais mais antigos é o da proteção do réu contra o Estado e do acusado frente ao próprio julgador. A magistratura é um poder inerte e deve atuar apenas por provocação de uma parte e não identificamos na decisão quem tenha pedido a responsabilização de terceiros pelos atos de Musk.
Mais que isso, ainda que houvesse tal pedido, a solidariedade entre pessoas e empresas deriva da lei e não há previsão legal nessas hipóteses previstas pelo ministro Moraes que derivariam da situação do mesmo sócio participar de diferentes sociedades comerciais.
Ao contrário, a regra no Brasil é de separação pessoal e patrimonial. É um princípio com inúmeras regras que o garantem que tem existência centenária no país e no direito comparado. É uma regra fundamental para garantir a proteção patrimonial e estimular a inovação embora ela ande em baixa no Brasil e não é de hoje.
Não ajuda também o argumento utilizado de alegada “desconsideração da personalidade jurídica”, como feito na decisão em comento, pois ela dependeria também de um pedido de alguém e, ainda, da instauração de um incidente de desconsideração, pelo qual o julgador daria oportunidade de defesa aos réus implicados no tal incidente de abuso da personalidade societária.
Nada disso está presente no caso, com toda a vênia ao ministro relator. A Starlink e outras sociedades nada têm a ver com as atitudes de Musk ou mesmo da empresa X em relação ao tema das fake news.
Todavia, realmente a parte mais equivocada da mencionada decisão é quando ordena a uma série de empresas o cumprimento de obrigações sem qualquer previsão legal e que afetam terceiros. Essa parcela do decisum acaba sendo inconstitucional, violando a liberdade econômica de inúmeras empresas que fazem negócios no Brasil, a começar pela Starlink, mas também da Apple, da Google, da Meta, entre outras.
Não apenas isso. A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (LINDB), em seu artigo 20, exige do magistrado a ponderação das consequências decisórias, o que não foi feito, sendo outro aspecto problemático. Pelo menos nessa parte da decisão, ela precisará ser revista pelo colegiado do STF para além do que feito espontaneamente pelo ministro Moraes, pois traz consequências nefastas para a sociedade brasileira que utilizam a internet provida pela Starlink, sendo absolutamente desproporcional e irrazoável.

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JOTA

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