dentro do legislativo

Quando a cobertura da imprensa sobre o Congresso é ruim

JOTA estreia coluna mensal que se propõe a iluminar o funcionamento do Legislativo e desmistificar a atividade parlamentar

Congresso, legislatura
Plenário da Câmara dos Deputados. Crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado

O episódio que deu origem a esta coluna aconteceu no Twitter. No começo de março, uma reportagem de O Estado de S. Paulo criticou uma suposta redução na jornada de trabalho dos senadores brasileiros, que, segundo o jornal, agora atuam no plenário de terça a quinta-feira. Fiz duas ressalvas. Primeiro, trata-se apenas de formalização do que já ocorria na prática. Esse já era o modus operandi do Congresso brasileiro (e de outros legislativos, como o dos Estados Unidos, cuja atividade em plenário se concentra nesse intervalo semanal). Segundo, é equivocado falar em redução de trabalho, já que a atividade em plenário é apenas uma parte do trabalho parlamentar. O que escrevi em resposta ao texto causou surpresa na rede social: ninguém imaginava que o parlamentar trabalha tanto.

Não é a primeira vez que a imprensa cobre mal o Legislativo. Eu mesma já dei entrevistas para diversas reportagens tentando corrigir premissas ou análises equivocadas. Por exemplo, no ano passado, um repórter do mesmo jornal me procurou para comentar um estudo segundo o qual o Congresso brasileiro é o segundo Legislativo mais caro do mundo. Fiz uma série de objeções ao estudo. Para começar, seria necessário qualificar a forma como cada Congresso gasta no texto da reportagem para evitar comparações indevidas. A chamada do texto saiu assim: “Parlamentar brasileiro custa R$ 23,8 milhões ao País por ano”. É uma coincidência que os dois exemplos citados aqui sejam do Estadão. Já li diversos textos parecidos na Folha de S.Paulo, em O Globo e no Valor Econômico. O mesmo tipo de cobertura aparece em programas televisivos, como o “Em Pauta”, da GloboNews.

Por que a imprensa publica esse tipo de reportagem? Há duas respostas. A primeira é que há desconhecimento por parte dos jornalistas sobre a atividade parlamentar. Formei-me jornalista na Faculdade Cásper Líbero em 2005 e nunca tive uma aula específica sobre o Poder Legislativo. Os repórteres aprendem sobre o Congresso quando o cobrem, meio que em um processo de acerto e erro. A segunda resposta é que o modelo de jornalismo brasileiro está em crise. A procura por leitores hoje é a procura por cliques em redes sociais. Para garantir cliques, aposta-se em chamadas apelativas, que geram emoções, principalmente as negativas. As críticas ao Congresso garantem cliques.

Geram também consequências nefastas para a democracia. O sentimento antipolítica é forte na sociedade brasileira desde a Lava Jato, que associou todos os partidos políticos à corrupção (e o fez sem respeitar o império da lei). Jair Bolsonaro foi eleito em parte por conta da rechaça dos brasileiros ao sistema democrático. Reportagens com críticas rasas ou não embasadas ao Congresso despertam raiva e aversão nos leitores ao Legislativo. Acabam incentivando a demonização da política, quando a política é o único meio que temos para conviver em sociedade. É através dela que conseguimos chegar a acordos sobre como organizar o país. Quando os parlamentares estão no plenário, buscam compromissos para tomar decisões majoritárias que representem todos os partidos e regiões do Brasil.

A parceria entre a academia e a imprensa pode ajudar a melhorar a qualidade da cobertura sobre o Congresso e diminuir o sentimento antipolítica. Na semana em que escrevo este texto, um repórter me procurou com a seguinte pauta: Davi Alcolumbre (União-AP) foi responsável pela queda no número de reuniões da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nos últimos três anos. Perguntei ao repórter: você tem os números de reuniões de outras comissões do Senado? É necessário fazer o comparativo. Ele me trouxe os dados da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), nos quais identificamos a mesma queda nos anos de 2020, 2021 e 2022.

A inferência aqui, disse a ele, é que Alcolumbre pode não ser o responsável, já que o mesmo movimento ocorreu na CAE. O que mais aconteceu nesse período?, questionei, apontando que durante a pandemia, o Congresso operou remotamente, e as comissões não funcionaram. Portanto, a queda no número de reuniões da CCJ nada tem a ver com Alcolumbre. Vejam: não é meu intuito defender o senador do Amapá – o meu objetivo é fazer análises embasadas. Com essa troca, ajudei a derrubar a premissa equivocada da reportagem e ensinei ao repórter como analisar criticamente os pedidos que vêm da chefia de reportagem de seu jornal.

Esta coluna tem como objetivo promover o mesmo tipo de diálogo. Passei os últimos 11 anos estudando o Legislativo no Brasil e em outros países. Aqui compartilharei o que aprendi com a esperança de melhorar a qualidade do debate público sobre o assunto no país.