Desde a semana passada, o Brasil assiste a, um a um, estados anunciarem a redução das exigências do uso de máscaras. Entre as justificativas estão desde a redução de casos de Covid-19, a experiência de outros países que adotaram medida semelhante e até mesmo o impacto da guerra entre Rússia e Ucrânia – diante das incertezas na economia, o melhor seria liberar o acessório. Ao menos 10 unidades da federação já adotaram a medida, em maior ou menor grau, apesar das críticas de epidemiologistas.
Mas o cenário começa a mudar. Reino Unido e Alemanha, até agora exemplos para liberação, vivem um aumento de casos da doença, tempos depois de o relaxamento das máscaras ser implementado. Há, ainda, preocupação com a variante ômicron, cujo impacto ainda é incerto.
O último boletim do Observatório Fiocruz de Covid-19 foi enfático ao dizer que o abandono do uso de máscaras de forma irrestrita poderia colaborar com possível aumento de casos, além de tornar a população mais suscetível a uma eventual nova onda da doença.
O grupo de pesquisadores enumerou as razões para a cautela. Em primeiro lugar, os níveis de vacinação no Brasil são desiguais. Ao analisar os números gerais, a cobertura avançou bastante, mas há ainda preocupações. Semana passada, quando da publicação do boletim, 73% da população estavam com o esquema de vacinação completo e 31,2% dos brasileiros tinham recebido dose de reforço. Nas crianças entre 5 e 11 anos, 39,3% receberam a primeira dose.
“Estamos assistindo a um aumento proporcional de internações e óbitos dos mais idosos e das crianças. Isso é fruto, sobretudo, da ausência da terceira dose e do avanço lento da imunização no grupo mais jovem”, afirma o coordenador do Observatório Covid-19 da Fiocruz, Carlos Machado. Para ele, antes de se pensar em relaxamento de uso de máscaras, seria essencial fazer campanhas para reforçar a vacinação entre grupos que ainda estão com indicadores abaixo do desejado.
O pesquisador alerta ainda para a necessidade de se pensar em quarta dose para grupos de faixas etárias mais elevadas, seis meses depois da dose de reforço. “A vacinação é muito importante, mas com o passar do tempo, há redução da imunidade conferida. Daí a necessidade de reforço.” Ele acrescenta que esse é o motivo pelo qual também é preciso que a terceira dose seja considerada não como um reforço, mas como parte do esquema vacinal.
O boletim da Fiocruz cita um estudo publicado neste mês na revista The Lancet sobre o momento em que a retirada da proteção poderia ocorrer com maior segurança. A partir de um modelo de simulação, o trabalho sugere que o ideal seria manter o uso da máscara em locais fechados entre 2 a 10 semanas depois de a cobertura vacinal alcançar patamares entre 70% e 90%.
“O mais prudente seria aguardar, sobretudo porque agora é que começamos a identificar qual foi o impacto provocado pelo Carnaval”, afirma o coordenador do Observatório Covid-19 da Fiocruz.
Machado diz ser precipitado qualquer avaliação neste momento. Mas mostra que os números mais recentes já apontam para uma redução do ritmo de queda das mortes por Covid-19 no país. Dados das Secretarias de Saúde dos estados indicam um aumento dos registros de casos novos na última semana epidemiológica. Entre 6 e 12 de março, foram 317.082 casos de Covid-19. Entre 27 de fevereiro e 5 de março, foram 289.002.
Cláudio Maierovitch, sanitarista da Fiocruz Brasília, tem avaliação semelhante. “O fato de haver uma queda temporária no número de casos não bastaria para relaxar as medidas. Se a redução de casos é reflexo de ações de proteção, não há como saber ao certo o que pode acontecer se as medidas forem suspensas.” Maierovitch cita o Reino Unido como exemplo.
Em termos gerais, enquanto há transmissão comunitária, o uso de máscaras em lugar fechado deveria permanecer. Seria a forma de se proteger grupos mais vulneráveis, como idosos e pessoas com outras doenças que aumentam o risco de agravamento por Covid-19.
Maierovitch é cauteloso também com relação à liberação da máscara em lugares abertos. “Teoricamente, o risco é muito menor. O problema é que muitas vezes mesmo em lugares abertos há aglomeração e, portanto, possibilidade de contágio.” É fácil entender como isso funciona. Correr no parque talvez ofereça um risco mínimo de contágio. Mas se, concluído o exercício, a pessoa enfrentar uma fila para comprar uma bebida sem máscara, mesmo em lugar aberto, o risco de contágio aumenta.
Tanto Maierovitch quanto Machado asseguram que o ideal seria manter a máscara, sobretudo em lugares fechados. E, quando for possível o relaxamento das medidas, fazer campanhas de esclarecimento. “É preciso fazer vigilância dos indicadores e ter uma boa comunicação. Somente assim poderemos, quando possível, fazer flexibilizações em locais onde há condições para tal”, diz Machado. “E ficar sempre claro: a vacina é muito importante. Reduz casos graves da doença. Mas é importante que neste momento outras medidas de proteção continuem sendo associadas”, afirma Maierovitch.