
A notícia ruim já era esperada há pelo menos dois meses. Projeções feitas por entidades de planos de saúde, a partir de dados reunidos pelo setor, já indicavam que o reajuste de planos individuais ficaria bem acima dos 10%. O anúncio feito na semana passada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), fixando o percentual máximo em 15,5%, portanto, não foi uma surpresa – pelo menos, para o governo.
Mas o fato de ser previsível não retira o drama das famílias. A conta da saúde suplementar é uma a mais a subir, ao lado da energia, dos combustíveis e da alimentação. O reajuste será aplicado para contratos de 8 milhões de pessoas, cerca de 17% do mercado. Não há dúvida, porém, de que essa conta também chegará – e em valores ainda maiores – para outras modalidades de planos.
O presente é desolador. E não mais reconfortante será o futuro próximo. Por mais que considerem a saúde suplementar um sinônimo de garantia de atendimento, altas mensalidades levam planos a se transformar no último item de prioridade de pessoas jovens e sem cobertura de planos empresariais.
Altos valores também expulsam do setor suplementar pessoas que por anos mantiveram contratos na esperança de que, quando a saúde ficasse mais fragilizada, teriam outro atendimento além do que é ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Com altos preços, os planos ficarão restritos àqueles com maior poder aquisitivo e que não podem abrir mão da assistência, por já apresentarem problemas de saúde. E quanto mais essa tendência se confirma, mais difícil de manter o mutualismo. O risco não se dilui. Não há como a conta ser repartida entre todos. Com isso, a pressão por altas mensalidades ficará ainda maior.
Uns podem dizer que a solução seriam planos de menor cobertura, como já defendeu de forma enfática o ex-ministro da Saúde e líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). Essa promessa, no entanto, já foi questionada por pesquisadores que há anos acompanham o setor. Um plano de saúde com atendimento restrito, dizem, é pouco resolutivo.
O usuário paga um preço que cabe no bolso, tem atendimento mais rápido para procedimentos de menor complexidade. Fica satisfeito temporariamente, mas no momento em que houver de fato necessidade de um exame ou tratamento mais caro terá de recorrer ao SUS. Ele pode fazer um exame simples de sangue pelo plano, mas terá que esperar com tantos outros para uma ressonância magnética no Sistema Único de Saúde.
O presidente da ANS, Paulo Rebello, ao anunciar o reajuste de 15,5%, argumentou que o cálculo seguiu uma metodologia por todos conhecida, transparente e auditável. Descartou a possibilidade de adiamento na aplicação do reajuste, sob a justificativa de que isso não resolveria o problema, apenas ampliaria o baque nas contas do consumidor, que teria de fazer pagamentos de forma retroativa. E advertiu que, caso o ajuste não fosse feito, pequenas empresas poderiam fechar as portas ou aceitar propostas de compra de grandes empresas, o que poderia acentuar a tendência de concentração deste mercado.
O presidente da ANS chamou a atenção para outro fato: em 2021, o reajuste dos contratos individuais foi negativo. “Planos têm aumento de custos, assim como outros setores. Sem falar na incorporação de tecnologias mais modernas”, disse. E comparou: “Uma pessoa que pagava R$ 100 em janeiro de 2020 por um plano individual, agora, com reajuste, paga R$ 106”.
Rebello observa que ano passado, com reajuste negativo, não houve elogios da sociedade. “Na época, havia o alerta de que o impacto este ano poderia ser alto. Mas a opção que foi feita foi seguir a regra, dar previsibilidade ao mercado.”
Professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Maria Stella Gregori avalia, no entanto, que a análise deveria ir além da simples aplicação de uma metodologia. “Todos os anos, empresas ficam descontentes com os reajustes autorizados. Este ano isso não aconteceu, o que acaba, claro, chamando a atenção.”
A professora argumenta ainda que o setor deveria considerar também o preço como uma forma de atender seus clientes. “Consumidores são punidos com altas mensalidades por problemas também provocados por falta de diálogo entre operadora e prestadores.” Ela lembra o formato do sistema. O usuário tem um problema de saúde, recorre a um prestador que providencia o atendimento. Este, por sua vez, apresenta a conta para a operadora do plano. “Parece-me que falta um controle nesta relação. O desperdício e o monitoramento das questões assistenciais deveriam estar no horizonte de todos. A checagem deveria ser feita amiúde”, observa.
Para ela, todas as informações prestadas pelo setor deveriam ser fiscalizadas de forma detalhada pela ANS. Maria Stella vai além: “O próprio consumidor poderia ser um parceiro nessa análise. Ser informado e acompanhar os gastos envolvidos no seu atendimento”. A professora da PUC-SP faz uma comparação simples, com contas de restaurante. “Quantas vezes, ao conferir uma nota, verificamos que há algo errado?”
A experiência recente tem mostrado o quanto é necessário fazer ajustes, mas de forma a assegurar assistência de qualidade para o cliente, não reduzindo garantias ou direitos.
As discussões atuais, contudo, vão em direção oposta, avalia Maria Stella. Como exemplo, ela cita a comissão especial criada no ano passado pela Câmara dos Deputados para discutir as regras que regulamentam o setor. Propostas apresentadas inicialmente reduziam as garantias dos consumidores. “Dificilmente num ano eleitoral isso será aprovado, mas é importante todos ficarem atentos.”
Ciente de que o anúncio do reajuste de planos provocaria uma reação dentro do governo, Rebello procurou fazer uma mediação. Não adiantou. O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, aproveitou a deixa para mais uma vez tentar reacender uma discussão eleita por ele como prioridade, mas que não anima ninguém: o open health.
Mais do que respostas milagrosas ou indignação voltada para a plateia, consumidores esperam um debate maduro sobre o tema. Que traga garantias e não redução de direitos.