
Integrantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e representantes do setor de saúde vão acompanhar de perto os resultados da reunião da Comissão de Ética Pública (CEP) da Presidência da República marcada para a próxima quarta-feira (8/2). A expectativa é que o colegiado se posicione sobre eventual conflito de interesses provocado pelo parentesco entre o diretor da agência Daniel Pereira e o presidente-executivo da PróGenéricos, Thiago Meirelles.
Pereira, que tomou posse como diretor da Anvisa em julho de 2022, é irmão de Meirelles. Antes de assumir o cargo na associação que representa os interesses do mercado de genéricos e biossimilares, Meirelles, que é administrador de formação e servidor de carreira da Anac, foi subchefe de Articulação e Monitoramento da Casa Civil durante o governo Bolsonaro.
Em 2 de janeiro, nove dias antes de o irmão tomar posse na PróGenéricos, o diretor Daniel Pereira enviou uma consulta à Comissão de Ética, conforme é determinado em lei. Era esperado que o tema da relação de parentesco fosse avaliado nesta semana, numa reunião da CEP, adiada na última hora. Há quem atribua a mudança a uma manifestação feita por diretores da agência.
Na última sexta-feira (28/1), três dias antes da reunião da CEP, diretores da Anvisa decidiram fazer um adendo ao pedido. Informações consideradas importantes para a tomada de decisão da comissão, relacionadas às atribuições das diretorias, à forma de atuação da agência, suas responsabilidades e interface com setor regulado foram incluídas num documento endereçado aos integrantes da Comissão de Ética.
O documento foi assinado por 4 dos 5 diretores. Pereira não teria referendado o texto, segundo relatos, por discordar de um dos tópicos do relatório. O teor não foi divulgado pela agência.
Mas por que fazer um adendo ao documento já enviado por Pereira? De acordo com as informações obtidas pelo JOTA, os quatro diretores queriam ter a certeza de que integrantes do comitê de ética teriam em mãos todos os dados necessários para a tomada de decisão. Para isso, fizeram uma descrição sobre atribuições da agência, a forma de atuação dos diretores e como se dá a relação com o mercado regulado.
O JOTA informou a seus assinantes corporativos no início de janeiro o impasse gerado em torno da relação de parentesco. Pereira está à frente da 5ª Diretoria, braço da Anvisa responsável pelas estratégias de monitoramento de qualidade e segurança dos produtos e serviços sujeitos à vigilância sanitária, o que inclui medicamentos.
A PróGenéricos, por sua vez, reúne 16 farmacêuticas responsáveis por 90% do mercado de genéricos e biossimilares. Entre as atribuições da associação está participar de consultas públicas na Anvisa e fazer sugestões à agência para mudanças na regulação do mercado que atendam o setor farmacêutico.
Representantes do setor produtivo e técnicos da agência ouvidos pela coluna avaliam haver uma clara exposição ao risco de conflito de interesses.
As dúvidas em relação a como seriam as atividades da Anvisa para evitar o conflito de interesses, no entanto, não são partilhadas pelo diretor Pereira ou pelo executivo Meirelles. Em notas enviadas à coluna, ambos afirmam que vão seguir o que determina a Lei 12.813/2013, que trata de conflito de interesses. A forma como isso se daria, de acordo com Pereira, será caso a caso. Ele garantiu, no entanto, que todos os limites da lei serão respeitados e reiterou seu compromisso com a transparência.
Para observadores, o impasse é inquestionável. Pereira obedeceu todas as regras para assumir a direção da agência e já estava no cargo quando o irmão tornou-se executivo da associação. Ao mesmo tempo, a CEP não tem como interferir nas escolhas da iniciativa privada.
Uma das alternativas, como já informou o JOTA, é que Pereira se declare impedido em casos em que houver conflito de interesse.
A avaliação é de que isso não seria apenas em questões ligadas aos genéricos, uma vez que decisões para um setor de medicamentos pode ter reflexos no mercado como um todo. Idealmente, a declaração de impedimento deveria ocorrer em todos os temas relacionados a medicamentos. Isso, no entanto, limitaria a atuação de Pereira, que teria de se ausentar de discussões sobre um dos temas mais frequentes da agência, além de sobrecarregar os demais diretores. Um outro reflexo: com decisões formadas por quatro diretores, em caso de empate, caberá ao diretor-presidente o desempate.
Há outro ponto considerado importante: garantir a transparência. Não há dúvida de que, durante as reuniões de diretoria colegiada, as atenções estarão voltadas para decisões relacionadas a medicamentos. Mas como será o acompanhamento nas atividades dos grupos técnicos? Quais mecanismos para evitar eventuais pressões?
O caso de Pereira e Meirelles chama a atenção para as lacunas da legislação. Ambos podem ser cuidadosos e adotar todos os melhores cuidados para contornar casos em que haja conflitos de interesse. Mas o episódio indica que nada impede que a situação ocorra também em outras agências reguladoras. Quais seriam os mecanismos de controle? Como preservar um dos alicerces das agências, que é a autonomia em relação ao setor regulado?
Chama atenção ainda a falta de agilidade para análise. Não há como ter certeza de que a Comissão de Ética da Presidência irá analisar o tema já na próxima reunião. No caso da Anvisa, o impasse ocorre em um mês com menos atividades dos diretores, que intercalaram períodos de férias. Mas qual seria o procedimento se houvesse temas urgentes para serem analisados? Como garantir uma resposta transparente e ágil do conselho de ética?
As dúvidas em torno do tema apenas aumentam a tensão. E isso ficou patente no clima entre diretores no episódio em que foi decidido o envio de esclarecimentos à CEP. Importante lembrar que Meirelles fez uma consulta à comissão. Em novembro, o órgão da Presidência da República disse não haver conflito de interesses para que o ex-subchefe da Casa Civil trabalhasse na iniciativa privada, dispensando, assim, a exigência de período de quarentena.
A expectativa é que a associação de servidores da Anvisa, a Univisa, também debata o tema numa reunião ordinária marcada para esta quinta-feira (2) e faça uma manifestação formal até esta sexta (3). São muitas dúvidas em torno de uma agência que regula um mercado que supera 25% do PIB nacional.