Opinião e Análise

Fernando Aith

Foi publicada no último dia 13 de setembro a nova resolução do Conselho Federal de Medicina que regula a publicidade e a propaganda médica (<a href="https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2023/2336">Resolução CFM 2336/2023</a>), com vigência prevista para 180 dias após sua publicação. A resolução traz inovações importantes, com orientações que tratam de aspectos sensíveis relacionados à nova realidade digital do mundo moderno, que tem na saúde um de seus principais vetores de crescimento.
A Resolução 2336/2023 conceitua publicidade médica como “o ato de promover estruturas físicas, serviços e qualificações do médico ou dos estabelecimentos médicos físicos ou virtuais”. Já a propaganda médica é entendida como “o ato de divulgar assuntos e ações de interesse da medicina”.
Com a nova resolução, a publicidade e a propaganda médica em “redes sociais próprias” devem ser feitas com o objetivo de informar à comunidade em geral sobre as competências e qualificações do médico e dos estabelecimentos nos quais trabalham. A partir de agora, essas peças de marketing também podem ter como objetivos a formação, manutenção ou ampliação de clientela e a promoção de informações médicas para a sociedade.
Vale destacar alguns pontos tratados na resolução e que possuem alta relevância devido ao crescimento exponencial da chamada saúde digital no Brasil, com enfoque para dois deles: i) uso das redes sociais pelos médicos e; ii) a forma como médicos, clínicas, hospitais e outros estabelecimentos de saúde sob a direção de profissionais médicos organizam e usam os seus bancos de dados com finalidades de publicidade ou propaganda.
<h3>Os médicos e as redes sociais</h3>
São consideradas “redes sociais próprias” os sites, blogs, Facebook, Twitter, Instagram, YouTube, WhatsApp, Telegram, Sygnal, TikTok, LinkedIn, Threads e quaisquer outros meios similares. A nova resolução do CFM prevê que a publicação de autorretratos, imagens e/ou áudios está permitida, desde que não tenham características de sensacionalismo ou de concorrência desleal.
Será considerada sensacionalista a publicidade/propaganda médica que, por exemplo, divulgar procedimento com o objetivo de enaltecer e priorizar sua atuação como médico ou o local onde atua; divulgar abordagem médica não reconhecida pelo CFM; adulterar ou manipular dado estatístico e científico para se beneficiar individualmente ou a instituição que participa; veicular em público informação que possa causar intranquilidade, insegurança, pânico ou medo de forma coletiva ou individual, mesmo que para fatos conhecidos; usar de maneira abusiva, enganosa ou sedutora representações visuais e informações que induzam à percepção de garantia de resultado.
No que se refere à concorrência desleal, a resolução apresenta quatro exemplos desse tipo de publicidade/propaganda que será proibida:
<ol>
<li>reportar em suas redes sociais insinuações de haver feito descobertas milagrosas ou extraordinárias cujo acesso é condicionado à abertura sucessiva de novas abas, fornecimento de informações pessoais ou pagamento;</li>
<li>dirigir-se em suas redes sociais a outros médicos, especialidades ou técnicos e procedimentos de forma desrespeitosa, com palavras ou imagens ofensivas à honra, à decência ou à dignidade dos que pretende atingir;</li>
<li>anunciar a prestação de serviços médicos gratuitos em seu consultório privado, aplicando-se esse mesmo princípio a empresas de qualquer ramo que contrate médico para prestação de serviço de medicina;</li>
<li>não identificar o patrocinador de campanhas preventivas, curativas e de reabilitação quando estas campanhas forem promovidas por estabelecimentos assistenciais, entes associativos ou sindicatos médicos.</li>
</ol>
A relação dos médicos com os veículos e canais de comunicação de massa também é tratada na nova resolução. Ao conceder entrevistas a qualquer veículo ou canal de comunicação, bem como na publicação de artigos e informações ao público leigo, o médico deve se portar como representante da medicina, abstendo-se de condutas que visem captar clientela ou pleitear exclusividade de métodos diagnósticos ou terapêuticos. A resolução também veda a divulgação de endereço físico ou virtual nessas aparições, ficando ainda o médico obrigado a declarar seus conflitos de interesse publicamente.
Espera-se que a nova resolução do CFM ajude a autarquia a agir de forma mais eficaz contra médicos que utilizam as redes sociais para divulgar informações falsas sobre vacinas ou para atacar políticas públicas estabelecidas pelo Ministério da Saúde com base em evidências científicas, por exemplo. Vale lembrar que, em abril deste ano, o diretor do Departamento de Imunizações do Ministério da Saúde criticou a falta de atitude do CFM em relação aos médicos antivacinas, condenando a omissão diante de profissionais médicos que disseminam mentiras e que fazem exploração econômica do movimento antivacina, prejudicando os esforços da política de saúde pública brasileira organizada pelo SUS.
Em tempos de saúde digital, em que a virtualidade não só é usada para fins de comunicação e propaganda, mas também para fins de prestação de serviços médicos (telemedicina), a regulação da atuação dos médicos em redes sociais é mais do que bem-vinda, e certamente ainda terá que se aperfeiçoar para fazer frente aos desafios que estão por vir com o uso de tecnologias que atingem a saúde em cheio.
Daí a importância de outro tema tratado pela resolução, que é a organização e o uso dos bancos de dados sob responsabilidade dos médicos.
<h3>Uso da imagem de pacientes ou de bancos de imagens sob domínio dos médicos</h3>
A Resolução CFM 2336/2023 permite o uso da imagem de pacientes ou de bancos de imagens com finalidade educativa, por exemplo, para a elaboração de materiais direcionados à população sobre doenças e procedimentos em medicina e para informar sobre manifestações, sinais e sintomas que recomendem a procura de avaliação médica.
Também está permitido o uso de imagens de pacientes para a demonstração de resultados de técnicas e procedimentos, devendo sempre tais imagens estarem acompanhadas de textos educativos. Importantes vedações foram previstas para o uso de imagens de pacientes. De acordo com o novo texto, está expressamente proibida a utilização de imagens de procedimentos que identifiquem o paciente, bem como a edição, manipulação ou melhoramento das imagens.
Quando as imagens forem de banco de dados do próprio médico ou do serviço ao qual ele pertença, sua divulgação deve ser precedida de autorização do paciente, deve respeitar o pudor e a privacidade do paciente que cedeu as imagens e deve, ainda, garantir o anonimato do paciente, mesmo que tenha recebido autorização para divulgação.
O uso das imagens dos pacientes, que estão nesses bancos de dados, para fins de publicidade e propaganda médica é tema delicado que deve ser sopesado com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e que deve ser objeto de permanente fiscalização atenta e eficiente pelo CFM.
<h3>Relevância pública dos serviços de saúde, publicidade e propaganda médica</h3>
Uma das principais características da nova resolução do CFM é, sem dúvida, um tratamento explicitamente mercadológico dos serviços médicos. Embora a nova norma tente equilibrar a publicidade e propaganda médica com os objetivos de educar e informar, fica patente o enfoque em abrir aos médicos a possibilidade de divulgação marqueteira de seus serviços para fins de, como a própria resolução afirma, “formação, manutenção ou ampliação de clientela”.
Nesse novo modelo, os pacientes passam a ser tratados como consumidores, clientes a serem conquistados. Tal abordagem de serviços médicos (e de saúde em geral) não se coaduna com o princípio constitucional que considera os serviços de saúde como de relevância pública (CF, art. 197). Serviços de saúde são necessários quando são necessários. Não devem ser induzidos. Os serviços de saúde são dotados de um valor social que transcende o seu valor econômico e que, por isso, devem ser regulados à luz do interesse público e da saúde pública. A organização e a procura por serviços de saúde não podem ficar à mercê de interesses corporativos e econômicos dos atores que participam do sistema de saúde, notadamente dos médicos, detentores do monopólio da prescrição de medicamentos e outros produtos e serviços de saúde.
Com o crescimento exponencial da saúde digital, onde a telemedicina ocupa espaço privilegiado, a atualização da regulação da propaganda e da publicidade médica é fundamental, mas algumas inovações deverão ser acompanhadas de perto para se avaliar a necessidade de ajustes a fim de proteger o interesse público e o dos pacientes. Não se tem notícia se o CFM fez uma análise de impacto regulatório para se precaver dos eventuais efeitos benéficos e/ou nocivos que as novas regras podem trazer ao sistema de saúde como um todo.
Um ponto a ser observado com cautela é que a nova resolução permite, agora, que o médico apareça em fotos e vídeos em redes sociais próprias ou dos serviços aos quais está vinculado, quebrando um entendimento já consolidado no ordenamento jurídico nacional de que o médico não poderia aparecer em matéria publicitária. Incentiva-se e valoriza-se assim o médico celebridade, influencer, garoto-propaganda. O impacto regulatório dessa inovação deverá ser acompanhado de perto para que se avalie eventuais efeitos nocivos da nova regra para os pacientes e para a saúde pública, já que tais práticas de marketing tendem a induzir pessoas e pacientes a consumir produtos de saúde específicos sem necessidade.
Também deve ser vista com atenção a inovação de se permitir ao médico a realização de publicidade dos equipamentos de que dispõe a seu serviço, como apoio à execução do ato médico. Isso inclui a divulgação do apoio de outras profissões que atuam no consultório ou na clínica do médico, desde que esses profissionais estejam relacionados à linha de prescrição médica a ser executada nos âmbitos farmacológicos, de insumos médicos, aplicação de procedimentos e realização de exames complementares.
Em síntese, o que a nova regra autoriza é que o médico faça uma propaganda completa de seu serviço, mostrando em sua propaganda os equipamentos que usa (incluindo marcas, que podem gerar conflitos sérios de interesse) e os outros profissionais que atuam em sua rede de serviços, inclusive no âmbito farmacológico. Essa possibilidade rompe com uma regra tradicional do Brasil que veda tal prática, para coibir a venda casada do serviço médico com outros produtos e serviços (indução de consumo, com riscos de uso irracional de serviços e produtos de saúde).
Finalmente, a resolução também inovou ao autorizar os médicos a informarem, por meio de publicidade e propaganda, os preços de seus serviços e os meios de pagamento.
O feirão médico está chegando. Preparem-se!

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JOTA

Resolução do CFM traz inovações sobre como médicos podem usar redes sociais e bancos de dados sob sua guarda

Regulação da publicidade e propaganda médica em tempos de saúde digital

Resolução do CFM traz inovações sobre como médicos podem usar redes sociais e bancos de dados sob sua guarda