Opinião e Análise

Fernando Aith

O programa <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/mais-medicos">Mais Médicos</a> foi criado pela Lei 12.871, de 2013, com a finalidade de formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/sus">SUS</a>), visando prover o Brasil com médicos suficientes e bem distribuídos por todas as regiões de saúde, incluindo áreas remotas, desertos sanitários e periferias de grandes metrópoles. O diagnóstico da situação nos mostra que os médicos brasileiros não estão preenchendo essas vagas por vários motivos que o programa tenta resolver por meio de múltiplas ações delineadas pela legislação que regulamenta o Mais Médicos.
No último dia 20 de março, quase dez anos após a criação do programa, o governo federal publicou a <a href="https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/156368">MP 11.065</a>, trazendo importantes mudanças que merecem ser analisadas com atenção tanto pelo que inova em termos regulatórios quanto pelo que inova em termos de política pública de saúde no país.  
O Mais Médicos tem como principal objetivo universalizar o acesso aos serviços médicos no Brasil por meio do SUS. Outros objetivos estratégicos para o SUS foram expressos pela nova formatação do programa, destacando-se:
<ul>
<li>a) diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, a fim de reduzir as desigualdades regionais na área da saúde;</li>
<li>b) fortalecer a prestação de serviços na atenção primária à saúde no país, de modo a promover o acesso de primeiro contato, a integralidade, a continuidade e a coordenação do cuidado, e qualificar a abordagem familiar e comunitária capaz de reconhecer e interagir com as características culturais e tradicionais de cada território atendido;</li>
<li>c) ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira;</li>
<li>d) ampliar a oferta de especialização profissional nas áreas estratégicas para o SUS.   </li>
</ul>
Para atingir esses objetivos, o Mais Médicos elenca uma série de ações a serem tomadas pelo Estado, tais como:
<ul>
<li>a) a reordenação da oferta de cursos de medicina e de vagas para residência médica, priorizando regiões de saúde com menor relação de vagas e médicos por habitante e com estrutura de serviços de saúde em condições de ofertar campo de prática suficiente e de qualidade para os alunos;</li>
<li>b) o estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica no país;</li>
<li>c) a promoção, nas regiões prioritárias do SUS, de aperfeiçoamento de médicos na área de atenção básica em saúde, mediante integração ensino-serviço, inclusive por meio de intercâmbio internacional;</li>
<li>d) instituição de programa próprio de bolsas de estudo e pesquisa para projetos e programas de educação pelo trabalho desenvolvidos no âmbito do programa.  </li>
</ul>
A lei que institui o Mais Médicos está estruturada de forma a tratar, detalhadamente, de quatro eixos principais, visando universalizar o acesso aos serviços médicos por meio do SUS: 1) abertura e funcionamento de novos cursos de medicina no país; 2) formação médica no país; 3) disciplina do Contrato Organizativo da Ação Pública Ensino-Saúde e; 4) criação do rojeto Mais Médicos Para o Brasil.
Embora todos os eixos do programa sejam importantes (em especial os relacionados com a formação médica no país), o eixo que trata de prover mais médicos para o SUS é o que possui maior visibilidade política e, por isso, é o que acaba atraindo mais atenção no âmbito do debate público nacional. 
A visibilidade política desse eixo do Mais Médicos justifica-se, de um lado, pelos evidentes reflexos positivos que a universalização do acesso aos serviços médicos pode trazer para a saúde individual e coletiva no país. Diversos estudos demonstram claramente o acerto desta ação estatal no que se refere ao cumprimento de seu dever de proteger o direito à saúde dos cidadãos (OPAS, 2017). O Mais Médicos levou profissionais para municípios e regiões onde nenhum médico brasileiro teve interesse de ir até então, reduzindo a quantidade de desertos sanitários no país e possibilitando um caminho consistente para a universalização do acesso aos serviços médicos.  
De outro lado, a visibilidade política do tema acaba ganhando relevo na medida em que certas regras do programa contrariam os interesses corporativos dos médicos, representados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Médica Brasileira (AMB). Embora o programa seja muito claro ao dar preferência para médicos formados no Brasil e com registro nos respectivos Conselhos Regionais de Medicina (CRM), deixando apenas as vagas remanescentes para os estrangeiros ou brasileiros formados no exterior, desde a primeira edição do Mais Médicos a classe médica se colocou contra esta importante política de Estado.  
Quando do lançamento do programa, a AMB entrou com a <a href="https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4453567">ADI 5035</a> junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), solicitando que declarasse o programa inconstitucional, em especial no que se refere à possibilidade de médicos estrangeiros ou brasileiros formados no exterior poderem atuar no Brasil sem precisar passar pela prova de revalidação de seu diploma no país. No mesmo período, vale lembrar aqui a triste cena dos médicos brasileiros que se deram ao trabalho de ir a aeroportos recepcionar com vaias e violência os médicos estrangeiros que estavam chegando para atuar no Mais Médicos. O STF decidiu pela constitucionalidade da lei, e os profissionais estrangeiros vieram e atuaram no Brasil com muita qualidade e eficiência, ocupando vagas que os brasileiros não quiseram. 
O argumento de que o exame de revalidação do diploma é fundamental para atestar as competências e habilidades dos médicos estrangeiros ou brasileiros formados no exterior não se sustenta.
Primeiro, se um simples exame fosse tão importante para atestar a competência e a formação do profissional, o CFM já teria implantado um exame nacional para conceder registro aos novos médicos formados no Brasil, nos moldes do que já faz a Ordem dos Advogados do Brasil antes de conceder um registro aos novos advogados.
Segundo, existem inúmeras deficiências na formação de médicos pelas faculdades de medicina que se espalham pelo Brasil, e não é garantido que todos os médicos formados no país já estejam aptos e prontos para receberem o registro e atuarem em prontos-socorros, por exemplo. As condições de ensino em várias regiões do Brasil nos permitem desconfiar de muitos médicos que são aqui formados e que ganham automaticamente o registro dos CRMs. A sociedade brasileira conta com os conselhos de medicina para fiscalizar os médicos que atuam no Brasil, garantindo um exercício profissional ético, técnico e eficiente. Além disso, o Mais Médicos prevê formas de supervisão e acompanhamento técnico superior dos médicos que atuam no programa, possibilitando a adoção de medidas imediatas no caso de se comprovar imperícia do profissional.  
Para poder permitir que os médicos estrangeiros ou brasileiros formados no exterior possam atuar no Mais Médicos, e para driblar o impasse com o CFM, o artigo 16 da <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12871.htm">Lei 12.871/2013</a> estipula que o médico intercambista apenas pode exercer a medicina no âmbito do projeto Mais Médicos para o Brasil, dispensada, para esse fim, durante sua participação, a revalidação de seu diploma. A lei estabelece, ainda, que “a participação do médico intercambista no Projeto Mais Médicos para o Brasil, atestada pela coordenação do Projeto, é condição necessária e suficiente para o exercício da Medicina no âmbito do Projeto Mais Médicos para o Brasil”, e que “o Ministério da Saúde emitirá número de registro único para cada médico intercambista e a respectiva carteira de identificação, que o habilitará para o exercício da Medicina”.  
Espera-se que, com os novos incentivos criados pela MP 1165, o Mais Médicos consiga de fato universalizar o acesso aos serviços médicos no Brasil, não só <a href="https://www.jota.info/tributos-e-empresas/saude/nisia-trindade-anuncia-expansao-do-mais-medicos-para-6-mil-vagas-em-fase-inicial-29032023">levando os médicos para os desertos sanitários</a> mas, também, enfrentando as carências de profissionais especializados em várias áreas que o SUS necessita. Nesse sentido, deve-se não só atentar para o provimento imediato de médicos nos rincões do país e nas periferias de centros urbanos, mas também para uma estratégia nacional de formação e incentivo para que os nossos futuros médicos queiram atuar no SUS e aceitem passar uma parte de suas carreiras atuando em regiões remotas e periféricas. Hipócrates certamente ficaria feliz.

medico

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JOTA

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