Opinião e Análise

Fernando Aith

A <a href="https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm">Constituição Federal</a> de 1988 consagrou a saúde como direito universal no Brasil, reformulando premissas de acesso e atribuindo ao Estado o dever de sua implementação, através de políticas públicas, ações e serviços públicos de saúde. 
O Sistema Único de Saúde (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/sus">SUS</a>) é uma rede de serviços públicos de saúde, prestados pelo Estado diretamente ou por meio de instituições privadas, filantrópicas ou não. 
Alguns serviços públicos de saúde somente podem ser prestados pelo Estado, no regime jurídico de direito público, posto que exigem atribuições privativas do Estado. É o caso, notadamente, dos serviços públicos que envolvem o exercício do poder de polícia (vigilância em saúde). 
Os serviços assistenciais, tais como os serviços de atenção diagnóstica, ambulatorial ou hospitalar, admitem na legislação atualmente vigente modelos jurídicos de natureza tanto pública como privada. Há, portanto, diversos arranjos à disposição do gestor para a prestação de serviços públicos de assistência à saúde: i) por instituições da administração direta; ii) por instituições da administração indireta ou; iii) pela terceirização da prestação do serviço público para pessoas jurídicas de direito privado contratadas ou conveniadas ao SUS. 
Cada estrutura obedece a regramentos próprios, de acordo com a Constituição Federal, leis, e demais atos normativos pertinentes. 
<h3>Prestação pelo Estado: administração direta </h3>
Como regra geral, as funções administrativas do Estado são exercidas por órgãos da administração pública direta, integrados à estrutura dos poderes executivos da União, dos estados, dos municípios e do Distrito Federal. Para efeitos de prestação de serviços públicos de saúde, esse papel compete ao Ministério da Saúde e às secretarias de saúde estaduais, municipais e distrital, subordinados aos respectivos chefes de executivo. Cada ente federativo possui autonomia para organizar sua estrutura administrativa como julgar conveniente.
Serviços públicos prestados por órgãos ou instituições da administração direta são integralmente sujeitos ao regime jurídico de direito público, submetendo-se aos princípios da Administração Pública do Art. 37 da CF (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).
Na administração direta, a investidura de servidores públicos se dá para cargos estatutários, preenchidos mediante concurso público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração. Relações jurídicas com servidores são disciplinadas por estatutos de servidores públicos, e estes gozam de estabilidade e outros direitos assegurados pela Constituição.
No regime de direito público, obras, serviços, compras e alienações devem ser contratadas mediante licitação pública que assegure igualdade de condições aos concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta. 
O controle da administração direta é exercido por órgãos internos do Estado (hierarquia, auditorias, corregedorias e afins) e por instituições externas, em especial os Tribunais de Contas e o Ministério Público. Adicionalmente, no campo da saúde, os serviços públicos também se sujeitam ao controle social previsto no Art. 198, III da CF. No que se refere à tributação, serviços da administração direta gozam de imunidade constitucional.
Usualmente, elenca-se como vantagens dos serviços públicos prestados pela Administração Direta: i) sua natureza pública estatal, que conta com mais instrumentos de controle da gestão das políticas e recursos públicos utilizados; ii) mais instrumentos de controle das informações, custos e fluxos de serviços pelo Gestor do SUS e; iii) maior capacidade de utilizar a rede de serviços instalada de acordo com a necessidade da política de saúde. 
As desvantagens que costumam ser trazidas ao debate público referem-se à morosidade para contratação de pessoal (concurso público), a estabilidade do servidor público, a burocracia para compras de equipamentos, bens e serviços (lei de licitações e contratos).
<h3>Prestação pelo Estado: administração indireta</h3>
Ainda como uma opção de prestação do serviço público de saúde no âmbito do atuação do Estado, há a possibilidade deste, para fins de descentralização funcional ou técnica, criar pessoas jurídicas para a gestão e execução de serviços públicos. Quando isso ocorre, forma-se uma nova personalidade jurídica, que pode ser de direito público ou privado, e a ela se atribui a titularidade do desempenho de determinada função pública. A entidade, então, passa a pertencer à denominada administração pública indireta. 
No Brasil, essa criação se dá exclusivamente por meio de lei, e abrange  autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações públicas e consórcios públicos. Dentre elas, a autarquia é pessoa jurídica de direito público, a fundação e o consórcio públicos podem ser de direito público ou privado, dependendo do regime que lhes for atribuído pela lei instituidora, e as empresas estatais são pessoas jurídicas de direito privado. 
Os diferentes modelos previstos para a prestação de serviços públicos pela chamada administração indireta do Estado admitem variações de regimes jurídicos que, bem utilizadas, podem ser bastante eficazes para a gestão do serviço público de saúde. As fundações públicas de direito privado, as empresas públicas e as sociedades de economia mista são modelos já utilizados na saúde e que admitem um regime jurídico híbrido, parte público (especialmente os controles) e parte privado (especialmente a gestão de recursos humanos e as compras). Saber manejar esses instrumentos para organizar o melhor modelo jurídico-institucional é fundamental para o bom desempenho do SUS.
<h3>Saúde complementar: terceirização do serviço público para parceiros privados (filantrópico ou lucrativo)</h3>
Também há a possiblidade de se contratar serviços privados para complementar a rede de serviços públicos de saúde do SUS. Nessa modalidade, o Estado transfere recursos públicos para um parceiro privado estruturar e ofertar o serviço público. Atualmente há várias modalidades em uso no país, como as organizações sociais, as fundações privadas, as cooperativas, as organizações da sociedade civil de interesse público, os serviços sociais autônomos (estes também considerados entes paraestatais) e até as parcerias público-privadas (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/pps">PPPs</a>). 
Nesses modelos, a gestão do serviço passa a ser do terceiro privado, que é remunerado com dinheiro público. Como vantagens, costuma-se trazer a maior flexibilidade de gestão para contratar funcionários (não precisa concurso) ou para comprar bens e serviços (não precisa licitar). Como desvantagens, menciona-se o menor controle do destino do dinheiro público, menor capacidade de controle social pelos conselhos de saúde e órgãos de fiscalização e, ainda, o deslocamento da coleta das informações primárias do SUS para o parceiro privado, com consequências para a gestão do sistema pelo gestor do SUS no que se refere a dados assistenciais e epidemiológicos.
<h3>Qual o melhor modelo?</h3>
Infelizmente, o debate sobre esse tema, tão importante para melhorar a eficiência e a resolutividade do SUS, ainda é carente de bons dados e informações que nos permitam uma análise comparativa efetiva dos diferentes modelos, em especial uma comparação entre os diferentes regimes possíveis (público, privado ou híbrido). 
O debate também é muito ideologizado, com polarizações no sentido de que tudo que é Estado é ruim e não presta, ou no sentido de que tudo que é privado é mais caro e não respeita os direitos dos usuários e profissionais. 
Os modelos de gestão de serviços públicos de saúde atualmente autorizados pela legislação nacional são instrumentos a serviço de gestores. Todos os modelos podem ser úteis, eficientes e resolutivos. Ou também podem ser o contrário, ineficientes, corrompidos e procrastinadores. Depende principalmente de quem os utiliza e de como são utilizados e geridos.

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JOTA

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