Um dos eventos mais importantes da economia neste início de ano tem sido a valorização do real ante o dólar. Mesmo em um ambiente com diversas incertezas no horizonte, a moeda brasileira tem surpreendido positivamente e ganhado valor contra a divisa dos Estados Unidos, o que tem sido comemorado no governo federal. Até essa quarta-feira (16/2), os ganhos da moeda brasileira já se aproximavam de 8% no ano, com o dólar sendo negociado em torno de R$ 5,14. No fechamento de 2021, o dólar estava em R$ 5,58.
Fontes do governo ouvidas pelo JOTA destacam que o movimento tem obedecido fatores como o forte aumento do diferencial entre os juros externos (ainda negativos) e internos (em alta e positivos em termos reais), resultados fiscais efetivamente melhores e uma redução de ruídos gerados por governo e Congresso, mesmo em meio à discussão de medidas para os combustíveis.
Com o real se fortalecendo, há um clima mais favorável na economia, embora no próprio governo se reconheça a dificuldade de se prever para onde o câmbio vai. Interlocutores destacam que o movimento ajuda nos debates sobre combustíveis, já que amortece os impactos da alta internacional do preço do petróleo. Além disso, apontam fontes, caso se estabilize em um patamar mais valorizado e reduza sua volatilidade, deve acelerar a queda da inflação mais à frente. A leitura interna é que, em termos de atividade econômica, porém, o impacto ainda não deve ser grande, pelo menos nos próximos meses.
Para o economista-chefe do banco Fibra, Cristiano Oliveira, a trajetória do real ante o dólar reflete uma combinação de fatores domésticos, como a alta dos juros e os preços baixos das ações em Bolsa, e externos, como a subida dos preços de commodities – que, por sua vez, reflete fatores como uma perspectiva de maior crescimento da China a partir de 2023.
“Nesse cenário, moedas de exportadores de commodities acabam sendo favorecidas. As empresas exportadoras são beneficiadas pela entrada de recursos”, disse, citando o ingresso de cerca de US$ 8 bilhões na B3 por estrangeiros que buscam empresas ligadas principalmente às matérias-primas. “Há fatores locais também. O Brasil estava e continua barato, com o real muito depreciado. Os juros no Brasil estão altos e o nosso BC foi um dos primeiros a subir. E o processo eleitoral está se mostrando menos combativo do que se esperava”, disse. “Eu me refiro especificamente ao Lula, que tem feito um discurso mais amigável, tem sinalizado o [Geraldo] Alckmin na chapa e a manutenção do BC independente”, argumentou Oliveira.
Para ele, ainda é difícil se saber qual o impacto na inflação, já que de um lado a alta das commodities gera pressão de preços e não se sabe se a trajetória da moeda vai seguir nesse ritmo de valorização. Assim como as fontes do governo, Oliveira acha que esse movimento deve ter pouco impacto na atividade econômica, que deve sentir mais fortemente o aperto dos juros no segundo e terceiro trimestres.
Na visão do professor do Instituto de Economia da Unicamp Pedro Rossi, o que mais pesa para gerar o movimento de apreciação do real é o cenário externo. Segundo ele, historicamente tem sido assim e agora não seria diferente, ainda que o crescente diferencial de juros do Brasil com o exterior acentue a tendência atual.
Rossi explica que a variável determinante atualmente é a alta de commodities, que puxa as divisas de países produtores de bens primários. “O movimento das commodities muitas vezes está ligado a juros, mas nesse momento é um fenômeno mais real do que financeiro. Os preços projetam um ritmo de recuperação mais forte da economia mundial e as incertezas sobre a pandemia de certa maneira se dissiparam. É isso que está dando o ritmo de valorização do real e outras moedas”, salientou.
Ele reconhece que o cenário de aperto monetário pelos Estados Unidos normalmente pesa contra a valorização da moeda brasileira, mas, pelo menos neste momento, esse fator tem perdido em relevância ante o impacto da valorização dos preços de produtos primários. De qualquer forma, explica Rossi, o cenário de elevação de juros lá fora tem gerado uma chamada “rotação de carteiras”, com investidores estrangeiros saindo de ações de tecnologia lá fora em busca de ganhos em bolsas e empresas ligadas a commodities.
O professor diz que não há muitas evidências sobre os impactos de questões como diminuição de risco político e fiscal na taxa de câmbio. “Estruturalmente não tem esse impacto no câmbio brasileiro. Eu vejo mais pelo cenário internacional mesmo”, reforçou.
O especialista em câmbio Osmani Pontes avalia que, embora seja difícil afirmar se a intensidade da recente valorização se manterá, a tendência atual deve prosseguir por algum tempo. “Talvez com menos força com o desenrolar da política monetária externa e das commodities, que devem seguir ajudando”, acrescentou.
Para ele, a apreciação ajuda no crescimento econômico porque mostra mais sustentabilidade dos ativos locais e facilita as previsões de investimento de prazo mais longo. Pontes destaca ainda que o câmbio traz um cenário mais favorável para a inflação, a despeito de persistirem riscos derivados, por exemplo, da inércia de preços industriais.
O economista destaca ainda que tem havido forte ingresso de dólares no país por conta dos juros mais altos e também para a Bolsa, principalmente para papéis ligados a commodities.
De acordo com dados do Banco Central, em quase um mês e meio neste ano, o Brasil recebeu um fluxo de dólares maior do que todo o ingresso de moedas em 2021. Entre janeiro e o dia 11 de fevereiro a entrada líquida de dólares foi de US$ 6,57 bilhões, sendo US$ 10,16 bilhões no chamado câmbio “financeiro”, onde estão os investimentos em bolsa, juros e no setor produtivo, enquanto no “comercial” houve saída de recursos.
O gestor da EST Gestão de Patrimônios, Marcelo Bresser Pereira, ressalta que a bolsa brasileira está muito “barata” em dólar e isso, junto com a alta de juros, atrai recursos. “O câmbio pode estar sendo levado para um patamar mais normal”, disse Pereira, que coloca a questão eleitoral como fator de risco para que essa valorização se transforme em uma mudança efetiva de patamar. “Eu diria que esse nível veio para ficar se não tivesse o componente que é a eleição, que pode atrapalhar bastante”, disse o economista. Ele aponta que o nível mais correto para a moeda brasileira, pelos fundamentos do país, seria em torno de R$ 4,50, embora não seja possível apontar se o câmbio alcançará tal nível.
A diretora executiva do Instituto Millenium, Marina Helena, também entende que a alta recente do real reflete uma combinação de elevado “desconto” nos preços dos ativos brasileiros e da elevação dos juros, que tem impulsionado o chamado “carry trade” (operação na qual se toma empréstimo a juro baixo no exterior para ganhar com as taxas mais altas no Brasil).
Ela também destaca que outros emergentes com problemas, como a Rússia em meio à crise com a Ucrânia, a China com maior intervencionismo, e o México sentindo mais o sinal de alta dos juros nos Estados Unidos, entre outros fatores, acabam favorecendo o Brasil, que tem preços de ativos muito “baratos”. “Preço importa e a gente está em liquidação”, disse.
Segundo Marina, a recente valorização do real reflete mais questões conjunturais do que estruturais. “A gente continua com os mesmos problemas de sempre, um país que não cresce há 40 anos, não tem tido ganhos de produtividade”, disse a economista, também mencionando que o Brasil continua sem resolver seu problema fiscal e que taxa de juros alta reflete desequilíbrios da economia. “Carrego [carry trade] reflete problemas, juro alto é um preço que reflete nossos desequilíbrios”, salientou.
É difícil prever até onde vai o atual movimento do câmbio e se ele é sustentável, com tantas incertezas no horizonte (principalmente no cenário externo). De qualquer forma, a alta recente é bem-vinda, principalmente para tirar pressão dos índices de preços, e o governo e o Congresso devem estar atentos para não criarem problemas que mudem essa trajetória com ruídos desnecessários.