
Enquanto a chamada “super quarta” dos mercados terminava com o Banco Central brasileiro elevando a taxa de juros a 11,75% ao ano e já prometendo outra alta de 1 ponto percentual, o Ministério da Economia e outras pastas do governo federal finalizavam os últimos detalhes para o anúncio de medidas com objetivo de dar algum fôlego para o nível de atividade no ano eleitoral.
Embora mais otimista que o mercado, o time do ministro Paulo Guedes vai formalmente reconhecer nesta quinta-feira (17/3) que a economia está fraquejando e o crescimento do PIB não será de 2,1%, conforme o JOTA antecipou na semana passada. A nova estimativa deve ficar ao redor de 1,5% de crescimento. A redução é substancial, porém ainda mostra um cenário mais benigno do que o visto pelos analistas privados (que na última pesquisa Focus, do BC, estavam com 0,4%), mesmo com a guerra entre Rússia e Ucrânia. A capacidade de adotar medidas certamente é um fator por trás dessa visão mais favorável do governo, ainda que ninguém venha a confessar.
Está para ser adotada uma injeção de R$ 30 bilhões de FGTS, que deve dar um estímulo ao combalido consumo. A isso, somam-se medidas para garantir R$ 100 bilhões no crédito (sobretudo para as empresas de menor porte), que, embora não impliquem uma grande injeção de dinheiro novo, evitam uma contração maior desse canal, que já sofre com um acúmulo de incertezas e com as fortes altas dos juros pelo BC.
Outras iniciativas mais paliativas, como a antecipação de 13º de aposentados (que só muda o uso do dinheiro no tempo visando a ajudar a eleição do atual titular do Planalto) e até a efetivação de medidas há muito discutidas, como o crédito consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil, estavam na linha de montagem.
Além disso, o governo desonerou o diesel e pode, mais à frente, adotar novas medidas, como nova rodada de redução do IPI (sem prejuízo do decreto que vai reverter parte do anúncio de corte de 25% em alguns produtos da Zona Franca de Manaus). E isso em um ambiente no qual já estava contratada uma expansão fiscal, por conta da PEC dos Precatórios.
Estaríamos vivendo um momento de contradição de política econômica entre BC e Ministério da Economia, como ocorreu em outros momentos? Para o professor de economia da Universidade Federal do ABC e ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira (AKB), Fabio Terra, a resposta é não, ainda que ele reconheça que também não está havendo uma grande coordenação entre esses dois atores.
“Cada autoridade está lidando mais imediatamente com variáveis que a preocupam. O BC se preocupa com inflação, que está incômoda, resiliente, distribuída nos núcleos, e em muito vinda de um setor externo balançado desde 2020 e que agora, ao invés de melhorar, piorou com a guerra. O BC sabe que pode vir uma estagnação, mas ele não pode também não fazer nada em relação à inflação (ainda mais num país sensível à ela como nós)”, explica Terra. “Já a Economia sabe que a atividade está estagnada, mas com inflação, e que algo precisa ser feito. Daí, os pacotes de estímulo (que, claro, contam com um apelo populista também”, completa.
O economista destaca ainda não ver elemento inflacionário nas atuais ações relacionadas ao Ministério da Economia. “Nossa inflação não é de demanda, então dar algum estímulo ao consumo agora não cria excesso de demanda contra oferta e, logo, [não gera] inflação”, salientou.
Para o ex-diretor do BC e economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, por outro lado, está havendo, sim, uma contradição de políticas. E, para ele, neste caso o problema está no Banco Central. “O BC tem um mandato infelizmente só de metas de inflação. Tanto faz o resto da economia. Eles somente pensam nos seus pescoços. Os Bancos Centrais experientes e que não pensam somente em suas carreiras de banqueiros, olham para o todo. Acho que o Paulo Guedes deve estar arrependido de querer um BC independente em país em desenvolvimento. [Essa política do BC] vai aumentar a dívida pública, para combater uma inflação basicamente de oferta”, disse, apontando que o BC errou lá atrás quando baixou demais os juros e agora estaria errando para o outro lado. “O Ministério da Economia está fazendo a sua parte, pois enxerga o todo”, completou.
O economista Rogério Studart, ex-representante do Brasil no Banco Mundial e sênior fellow do Cebri, avalia que o BC está em uma situação delicada, dada a alta da inflação e as pressões de setores do mercado para que isso seja enfrentado com a política monetária. “O impacto sobre a inflação é indeterminado, já que ela hoje é fruto de choques e não de demanda. O Brasil está no buraco com 14 milhões de desempregados e 20 milhões com fome. Isso não vai ser resposta para derrubar inflação”, disse, embora considere a atual diretoria do BC qualificada tecnicamente. “O problema hoje é o consenso nacional sobre o que é uma boa administração macroeconômica. Para mim isso está esquizofrênico”, disse.
Goste-se ou não do que o BC e o Ministério da Economia estão fazendo e a despeito das diferentes visões sobre suas ações recentes, é fato que o ambiente econômico vive uma complexidade muito acima da habitual. Há décadas não se via uma inflação tão forte no mundo, um dos efeitos de uma pandemia que ainda faz estragos. Por outro lado, o Brasil precisa resolver seu problema de baixo crescimento, tanto no curto prazo como de forma estrutural. Seja como for, uma coordenação maior entre as partes seria bem-vinda para o país.