Opinião e Análise

Pery Francisco Assis Shikida

Um “Plano Real” de combate à criminalidade é possível? Primeiramente, é preciso mencionar, ainda que brevemente, que o Plano Real foi um programa de estabilização e reformas econômicas implantado em 1994, tendo como um dos principais escopos controlar a hiperinflação que atingiu o Brasil durante anos. O sucesso desse plano ocorreu porque houve uma sinergética interação, que obviamente superou interesses conflitantes e fricções, entre três bases e, também, com os céticos opositores do programa.
<h3>Base técnica</h3>
Houve a contribuição de um grupo de economistas reunidos pelo então ministro da Fazenda, <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/fernando-henrique-cardoso">Fernando Henrique Cardoso</a>, propiciando uma congruência de competências, sem as quais não seriam possíveis o montagem das diretrizes e a execução das fases do Plano Real.
<h3>Base executiva</h3>
Capitaneada pelo saudoso presidente Itamar Franco, que não mediu esforços para a implementação do programa, colocando toda a estrutura do governo federal para que os encaminhamentos feitos pela equipe de economistas buscassem o êxito do Plano Real, concebendo novos paradigmas que perpassaram por reformas estruturais e de gestão pública, e não apenas pelo controle da inflação.
<h3>Base legislativa e jurídica</h3>
Porquanto a maioria dos deputados, senadores, ministros e demais autoridades do Poder Judiciário foram cônscios da necessidade de dar sustentação, cada qual em sua respectiva esfera de atuação, à estabilidade econômica inerente ao Plano Real, atendendo ao clamor popular de maior estabilização da economia brasileira. O caráter público do direito foi fundamental à segurança econômica dos contratos, por exemplo.
Não é intento do presente artigo perscrutar o Plano Real em sua evolução, aspectos técnicos e tampouco tecer comentários sobre seu retumbante sucesso. A menção desse programa serve como parâmetro para que seja pensado, quiçá implementado, um “Plano Real” no âmbito do combate à criminalidade no Brasil.
Hoje o clamor nacional não está no controle da inflação, embora alguns fundamentos macroeconômicos devam ser elencados como prioritários para que não se perca o norte da estabilização da economia nacional, amiúde assolada por crises mundiais e por uma pandemia recente. Falar hodiernamente de estatísticas e consequências da criminalidade também parece prescindível. Outrossim, não é sem sentido dizer que muitos prefeitos, deputados, senadores e governadores foram eleitos no esteio de discursos sobre o combate à criminalidade.
Mutatis mutandis, urge a realização, dessa vez, de um “Plano Real” de combate à criminalidade no Brasil, que possa atingir os crimes, seja de que tipo for (criminalidade violenta – homicídio, estupro etc.; ou criminalidade de cunho econômico – tráfico de drogas, roubo/furto, contrabando etc., cujo fim é a obtenção de lucro etc.), concebendo pertinente reforma de boa parte das leis criminais e o eficaz cumprimento das mesmas, assim como maximizar ainda mais a atuação das forças policiais. Somente assim os custos não morais de planejamento e execução de um ato ilícito, de oportunidade e custo esperado de um criminoso ser detido e condenado serão altos. 
O custo moral decorrente do ato de se desrespeitar a lei também deve ser elevado, e as travas morais, família-escola-religião, que contribuem para coibir a migração para uma atividade ilegal, devem ser robustas, jamais tautológicas. O Estado necessita ser uma ameaça crível, para tanto as suas instituições devem estar consolidadas e serem respeitadas. Tudo isto não exime o Estado de buscar o maior desenvolvimento socioeconômico possível, trazendo no seu bojo a melhoria dos indicadores de distribuição da renda, do nível educação, das condições de saúde etc. Tais aspectos aumentarão o custo do cidadão em praticar uma atividade ilícita, contribuindo para a maior segurança.
Não obstante, para isto ocorrer também será necessária, novamente, uma sinergética interação entre três bases. Entretanto, semelhantemente ao Plano Real, tornar-se-á indispensável a superação de interesses conflitantes e fricções, pois não se constrói uma política unívoca sem diálogos construtivistas, ainda mais na seara do crime, por si só um ato complexo, seja pela natureza de suas causas quanto de suas consequências. Outro fator é o timing dessa construção, pois as políticas de combate ao ato ilegal sendo implementadas precisam tramitar em esferas constitucionais, e sua aplicabilidade requer um tempo de maturação, mormente para poder aferir resultados empíricos. As três bases podem ser sumarizadas desta forma:
<h3>Base técnica</h3>
Demandará a contribuição de um competente quadro de profissionais do direito (advogados, desembargadores, juízes, promotores, procuradores, defensores públicos etc.), da criminologia, economia do crime e áreas afins, bem como de policiais de todas as competências. Igualmente ao ocorrido no Plano Real, acreditamos que o Brasil tem esta expertise, sendo necessário reunir este seleto (não pode ser numeroso a ponto de inviabilizar as discussões) e competente grupo e fazê-lo trabalhar.
<h3>Base executiva</h3>
Capitaneada pelo representante máximo do País, será necessário direcionar esforços para que a criminalidade seja como a inflação é hoje, com baixos índices. Neste sentido, o governo federal, juntamente com a base técnica, em harmonia com a casa legislativa, deverão propor reformas de leis, não apenas para combater a criminalidade, mas para criar uma cultura no cidadão de que o crime jamais compensará. Assim como importantes iniciativas devem ser alocadas para o aperfeiçoamento do sistema policial e penitenciário.
<h3>Base legislativa e jurídica</h3>
Deputados, senadores e demais autoridades do poder judiciário precisam dar sustentação, em suas respectivas esferas de atuação, ao “Plano Real” de combate à criminalidade no Brasil, maximizando elementos coibidores do crime. O legislativo nacional, parte dele eleito no discurso da segurança, não pode prescindir de uma real mudança na política criminal e renovação dos pressupostos penais, que possam contribuir para dissuadir as pessoas à prática delituosa, ratificando a máxima de que o crime não compensa, bem como mostrando ser possível conciliar severidade da punição com dignidade! Lado outro, a ordenamento jurídico deve ser um instrumento de estabilidade, eficácia e economicidade, e não de instabilidade, deficiência e morosidade dessa transformação política. 
Destarte, ou fazemos algo macro, com competência, que possa incluir pontos como assinalados, por exemplo, no Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária 2020-2023, do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério de Justiça e Segurança Pública, ou sucumbiremos com políticas de combate à criminalidade quase sempre pontuais e ad hoc, que até podem solucionar gargalos, mas o todo continuará proporcionando externalidades negativas do crime, perpetuando insegurança. 
Atualmente o cidadão brasileiro demanda menos crimes e, consequentemente, mais segurança, como um dia quis menos inflação e mais estabilidade econômica. A segurança é um dever do Estado, um direito fundamental ao mesmo tempo que é uma responsabilidade de todo cidadão. Fica a questão: um “Plano Real” de Combate à Criminalidade é possível?

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JOTA

Ou fazemos algo macro, com competência, ou sucumbiremos com políticas quase sempre pontuais

Um &#8216;Plano Real&#8217; de combate à criminalidade é possível?

Um 'Plano Real' de combate à criminalidade é possível?

Ou fazemos algo macro, com competência, ou sucumbiremos com políticas quase sempre pontuais no combate à criminalidade