Opinião e Análise

Luciana Yeung

Vinícius Klein

O avanço do movimento de Análise Econômica do Direito (AED) no Brasil tem levado a debates e a críticas nem sempre precisas. Esse cenário torna relevante a apresentação da trajetória e das tendências da AED no contexto institucional brasileiro.
Muitas vezes confundida e sendo reduzida à “Escola de Chicago” por críticos, a AED é, na verdade, uma vasta área de pesquisa e conhecimento, perpassando autores seminais de diversas instituições norte-americanas e europeias. Mais recentemente, teóricos e pesquisadores empíricos oriundos de países dos 5 continentes têm ingressado no grupo dos estudiosos em AED.
<a href="https://www.jota.info/produtos/poder?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Poder_materias"><img class="size-medium wp-image-292717 aligncenter" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-poder.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>Por isso, não há que se falar em tradições legais ou nacionais como obstáculos à aplicação da AED, mas isso não quer dizer que alguns sistemas jurídicos e tradições legais têm sido mais refratários a ela, por razões diversas.
Esse artigo tem como foco a recepção tardia do movimento de AED no Brasil em comparação a sua origem nos EUA. Apesar do contexto da civil law ser apontado como motivo para isso, as caraterísticas institucionais brasileiras que serão apresentadas neste artigo são bastante relevantes e servem para contextualizar a AED no país, bem como para identificar novas trajetórias que se apresentam.
Análise Econômica do Direito no EUA 
Segundo Hovenkamp, o surgimento do movimento de AED nos EUA pode ser observado em duas ondas<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>. A primeira surgida em 1890 no contexto da construção do aparato regulatório e concorrencial norte-americano e a segunda iniciada em 1960, no contexto da Escola de Chicago. 
A primeira fase tem como principais personagens os economistas ligados ao Institucionalismo Original ou Velho Institucionalismo, em especial John Commons e Thorstein Veblen e, no lado da teoria jurídica, os autores ligados ao realismo norte-americano como Karl N. Llewellyn, além de autores como Henry Carter Adams e Robert Lee Hale.
Os Institucionalistas Originais não foram os pioneiros a apontar para a importância da relação entre o mercado e as instituições jurídicas. Mas diferenciação com outras situações passadas – o que pode ser visto desde muito antes por exemplo em Adam Smith – é a construção de um diálogo interdisciplinar e um esforço conjunto para compreender a intervenção estatal na atividade econômica.
Neste contexto os realistas norte-americanos buscavam fugir da realidade exclusivamente normativa e compreender o fenômeno de intervenção estatal e controle social da atividade econômica, no contexto do surgimento do capitalismo industrial.
Por outro lado, os economistas buscavam entender, por meio da construção de novas teorias, como a realidade dos grandes conglomerados e da centralização de poder econômico seria percebida e regulada no âmbito jurídico.
<blockquote class="jota-article__eye">Afinal, a resposta mais próxima da economia clássica de que, ressalvados os monopólios, não há racionalidade na regulação estatal na atividade econômica não atendia a realidade e os problemas cotidianos.</blockquote>
Já a segunda onda de AED a partir de 1960 no âmbito da Escola de Chicago pode ser vista igualmente como um movimento de diálogo interdisciplinar para compreensão do aparato regulatório e concorrencial norte-americano, mas desta vez para demonstrar a necessidade de limites à expansão desta intervenção. Afinal, a legalidade e legitimidade de alguma intervenção estatal estava superada no âmbito jurídico e econômico.
Neste sentido, basta observar no campo da teoria econômica que o conceito de falhas de mercado, que não estava devidamente estabelecido em 1890, já havia sido incorporado ao debate por meio do pensamento neoclássico. Ainda, a constitucionalidade da criação de agências reguladoras setoriais e de intervenções regulatórias em geral não era mais um obstáculo relevante à ampliação do aparato estatal.
Desta forma pode-se afirmar que, por diversas razões, o movimento de AED nesta segunda onda – com autores como Richard Posner, George Stigler, Gary Becker, Ronald Coase, dentre outros – teve um sucesso estrondoso, sendo incorporado em trabalhos doutrinários, no ensino jurídico e nas decisões judiciais.
Atualmente, como afirmam Mercúro e Medema,<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a> pode-se falar em um movimento de AED mais plural que busca compreender tanto os limites quanto os efeitos e as formas de aperfeiçoar a intervenção estatal no domínio econômico, de forma a combater falhas de mercado e de governo.
A ampliação de objetivos também pode ser vista como um facilitador da ampliação de metodologias e de pontes entre Direito e Economia. Afinal, atualmente podemos falar em implicações de economia comportamental, microeconomia neoclássica, escolha pública, macroeconomia keynesiana, dentre outras.
A Recepção da AED no Brasil
O contexto institucional brasileiro traçado acima com relação aos dois momentos da AED pode ajudar a compreender a recepção tardia da AED. Um primeiro ponto é que o início do processo de centralização de capitais e a construção de um capitalismo industrial é mais observada após a Revolução de 1930.
Aliás, é no contexto do Estado Novo que são constituídos os órgãos estatais de intervenção estatal e a própria legislação concorrencial, mesmo que com uma retórica nacionalista e de desconfiança quanto aos benefícios do processo de concorrência de mercado.
Neste sentido, se o avanço do movimento de AED tem uma ligação muito próxima à regulação estatal do domínio econômico, seria difícil observar uma relevância significativa antes do início dessa regulação, mesmo que os objetos de estudo não se restringissem a ela a partir de 1960. A construção tardia e com menor penetração da racionalidade econômica no Brasil, quando comparada aos EUA, torna a primeira onda da AED praticamente sem paralelo no Brasil.
Por outro lado, a segunda onda de AED – ao menos na versão fundacional –, ao questionar o tamanho e a eficiência aparato estatal regulatório de forma intensa, encontrou paralelos mais evidentes no cenário brasileiro a partir dos anos 1990. Afinal, neste período já havia um conjunto crescente de órgãos estatais responsáveis pela supervisão e controle de atividade econômica ou até pelo seu exercício direto, mas que precisavam de ajustes para serem mais eficientes e produzirem resultados mais efetivos para a sociedade.
Aqui não se procura afastar a relevância de fatores como a diferença entre a common law e a civil law, a estrutura do ensino jurídico e da economia, a organização das universidades, por exemplo.
Contudo, observa-se que a falta debate público acerca da intervenção estatal na economia, sob a perspectiva da racionalidade econômica, tornaram a abordagem de AED mais saliente e com maiores chances de prosperar.
Assim, o avanço significativo da AED nos últimos anos, sob a ótica econômica, pode ser correlacionado ao debate quanto à necessidade de uma intervenção estatal mais racional sobre o domínio econômico e, no aspecto jurídico, mais preocupada com as consequências das políticas públicas e, por consequência, das normas que as instituem.
Nesse cenário é importante observar que a recepção da AED no Brasil se deu em uma fase de superação das posições fundacionais e com foco na possibilidade de construções mais eficazes e eficientes quanto a regulação estatal no domínio econômico, o que demanda necessariamente um esforço interdisciplinar.
Novos horizontes para a Análise Econômica do Direito no contexto brasileiro
Assim, deve-se observar que a AED pode ser um instrumento muito importante para que os efeitos esperados e, em geral, as consequências das normas jurídicas sejam incorporadas tanto na aplicação quanto na redação das normas, em especial as regulatórias.
Nesse sentido, é importante apresentar alguns instrumentos novos que a partir da contextualização anterior podem fazer com que a AED seja vista não como um movimento de justificação ou de combate a regulação estatal, mas sim a construção de normas que tornam a intervenção estatal no domínio econômico mais racional, previsível e passível de debate e controle por meio de uma análise dos incentivos criados, dos custos gerados e dos benefícios reais atingidos.
Para começar, em países desenvolvidos já é habitual argumentar que quaisquer políticas que sejam implementadas – sejam normas, legislações, regulações ou mesmo decisões judiciais – precisam ter uma avaliação sobre os impactos que serão gerados.
Uma das premissas da análise econômica é que recursos são escassos, de modo que para cada decisão tomada, submete-se a um tradeoff. Como políticas públicas são custeadas por recursos públicos, oriundos de contribuições dos cidadãos, nada mais certo e “justo” avaliar se elas efetivamente geraram benefícios para a sociedade.
E é nesse sentido que os métodos empíricos, sobretudo os quantitativos mas não somente, têm muito a contribuir. Aferir com objetividade os impactos, os custos e benefícios de iniciativas públicas é imprescindível, sobretudo em um país pobre, com grandes limitações de recursos e tantos desafios públicos a serem vencidos como o Brasil.
A boa notícia é que os métodos empíricos têm se sofisticado de maneira exponencial, seja na econometria, ou nas possibilidades de extração e avaliação de dados, e há grandes oportunidades de trabalhos acadêmicos ou aplicados na área da análise econômica do direito.
Outra fronteira da AED, na verdade, de toda a análise econômica, são os métodos experimentais. Essa metodologia, ainda relativamente inexplorada, mas já apresentando resultados muito interessantes e aplicados baseia-se muito nos insights da economia comportamental (EC).
Um erro comum, sobretudo entre juristas brasileiros, é acreditar que a EC vai contra a microeconomia tradicional, enfraquecendo-a ou, eventualmente, chegando a derrubá-la. É justamente o contrário. Os trabalhos da economia comportamental têm ajudado a solidificar a teoria microeconômica, das decisões individuais, apontando espaços para avanços conceituais e de aplicações sobretudo nas políticas. Esperamos em oportunidades futuras poder aprofundar este tema.
Por fim, uma área da Análise Econômica do Direito que tem atraído muita atenção, apesar de não fazer parte das origens da AED, é a interface entre o direito e a macroeconomia. Analisar os impactos de regras normativas, legislações e decisões judiciais sobre resultados macroeconômicos do país – tais como juros, câmbio, (des)emprego, concentração de renda, nível de preços etc. – são sempre tarefas urgentes em um país historicamente deficitário em crescimento e desenvolvimento como o nosso.
Avaliar empiricamente (i.e. econometricamente) relações de causalidade entre variáveis macroeconômicas é sempre uma tarefa bastante árdua (pois centenas, se não milhares de variáveis geram efeitos simultâneos sobre o crescimento macroeconômico de um país), mas os métodos cada vez mais sofisticados da econometria ajudam a formular exercícios cada vez mais robustos.
Além disso, nem toda análise econômica (do direito) precisa ser empírica: os conceitos, os fundamentos e o pensamento econômico podem ser empregados de maneira lógica dedutiva, gerando conclusões que são de extrema valia para aplicações e resoluções de problemas no mundo real.
Conclusão
Neste artigo mostrou-se, brevemente, o rico desenvolvimento da AED nos EUA e como ela não pode nem historicamente nem atualmente ser identificada apenas pelas premissas de uma única escola de pensamento econômico, da mesma forma que não é possível dizer que ela foi uniforme em seu pensamento e atuação ao longo do tempo.
Mostrou-se que, apesar do desenvolvimento tardio no Brasil, a AED tem sido promissora na capacidade de formular ideias e, mais ainda, em oferecer soluções alternativas para os complexos problemas da nossa realidade social, econômica e política. Com o passar dos anos, as novas metodologias e enfoques têm sido cada vez mais úteis e eficazes para as políticas públicas brasileiras. Há ainda um longo caminho promissor para as ideias e para as aplicações da AED no país.
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}, 3000);
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<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> HOVENKAMP (1990). The First Great Law &amp; Economics Movement. Stanford Law Review, 42 (1), p. 993-     1058.
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2"></a>[2] MEDEMA, Steven G; MERCÚRO, Nicholas. Economics and the Law: from Posner to Postmodernism and beyond. 2ª ed., Princeton: Princeton University Press, 2006.

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JOTA

AED tem sido promissora na capacidade de oferecer soluções alternativas para nossa realidade

Trajetória e novos horizontes da Análise Econômica do Direito no Brasil

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