Opinião e Análise

Cristiano Aguiar de Oliveira

Orlando Celso da Silva Neto

A regulação das atividades econômicas visa, dentre outros objetivos, impor condutas que reduzam as chances de acidentes que causem algum tipo de dano para os consumidores. Como consumidores não sabem, a priori, quais produtos ou serviços são “seguros”, o Estado estabelece um conjunto de regras para a abertura de estabelecimentos e de condutas que devem ser seguidas e que serão fiscalizadas pelo mesmo ao longo do tempo. Além da regulação estatal, vem sendo cada vez mais comum a regulação privada, cuja adesão pelo fornecedor é voluntária, mas guiada por necessidades de mercado. A regulação, portanto, ocorre de formas diversas, tanto no que diz respeito ao funcionamento dos estabelecimentos quanto no que diz respeito às práticas empregadas e contratos oferecidos ao mercado.
Todavia, o exercício da regulação e o atendimento às exigências regulatórias não são gratuitos e envolvem custos  que são pagos na forma de tributos (no que diz respeito à regulação estatal) e, principalmente, em termos de custos de oportunidade (a perda que se tem por não utilizar a alternativa mais eficiente e lucrativa), que surgem, por exemplo, com a alocação de trabalhadores para cumprir as condutas exigidas pela legislação quando estes poderiam ser alocados diretamente no processo produtivo e com longos períodos de inatividade da empresa devido à necessidade de aguardar as devidas autorizações para poder operar.
O que se observa é que tais exigências possuem uma trajetória ascendente no Brasil, que inclui maior regulação em setores mais tradicionais e um aumento na quantidade de setores que passaram a ter regulações de conduta. Para aqueles que tem uma visão mais protecionista (paternalística), poder-se-ia argumentar que isto é um bom caminho a ser seguido, uma vez que, significa um aumento na segurança dos consumidores. Este é um argumento relevante, mas é bastante incompleto, na medida em que ignora questões de eficiência e possíveis consequências não intencionais deste aumento da cobertura regulatória.
Conforme a análise econômica da responsabilidade civil, regulação ótima é aquela que minimiza os custos sociais. Para se entender o que significa isto, é preciso considerar que aos custos de prevenir devem ser somados perdas esperadas com o dano, que podem ser obtidos multiplicando a probabilidade de um evento ocorrer pela sua perda gerada. Eficiente será aquela regulação cujo custo total de implementação (custo estatal suportado por tributos mais custos internos do fornecedor) é menor do que os danos evitados por esta regulação. Ótima será aquela em que se atinge maior eficiência. Isto significa, entre outras coisas, que em alguns casos (provavelmente a maioria absoluta) a ocorrência zero de perdas pode ser ineficiente se os seus custos sociais forem superiores a uma situação com uma quantidade positiva de acidentes. Por exemplo, se as perdas que se espera evitar com determinada política regulatória são de 1000 unidades, se seu custo total de implementação for maior que 1000, a regulação é ineficiente (e de acordo com critérios econômicos, não deve ser implementada), sendo mais eficiente se optar por um sistema de reparação de danos. De uma forma mais simples, o excesso de regulações de conduta é ineficiente por que custa muito mais para a sociedade do que o dano causado pelas condutas que a regulação tenta evitar.
Outro ponto que merece ser destacado é que regulação por si só é incapaz de gerar os efeitos dissuasórios capazes de inibir as condutas indesejadas, pois a fiscalização de tais condutas por parte do Estado exige muitos recursos (os quais tendem a aumentar de forma exponencial, até porque o aparato de regulação logo se organiza como grupo de pressão, e passa a demandar mais e mais recursos). Logo, o mais comum é combinar a regulação com algum tipo de responsabilização pelos danos gerados. Isto varia em cada caso, mas a legislação costuma prever a responsabilidade direta ou indireta das empresas, mesmo quando cumprem todos os requisitos regulatórios. No entanto, tanto os custos com punições por violações de conduta quanto os custos com o pagamento de indenizações envolvem probabilidades, que geram um resultado incerto para a firma (economistas gostam de usar a palavra firma, provavelmente em homenagem ao artigo seminal de Ronald Coase, juristas preferem empresa, em função da terminologia do Código Civil. Para os propósitos deste artigo, podem ser considerados sinônimos). Esta, por sua vez, avalia os custos e benefícios de adotar as condutas estabelecidas pela legislação.
Do ponto de vista da firma, a regulação de conduta implica em custos fixos e variáveis. Os custos fixos são, por exemplo, os custos para se obter licenças ambientais, de saúde e de incêndio. Estes envolvem os dispêndios com projetos de prevenção de danos e principalmente com custos de oportunidade, considerando que tais licenças costumam levar um tempo muito grande para serem expedidas. A importância e os custos de cada licença variam de acordo com o setor econômico em que atua a firma, mas há um senso comum no Brasil que tais licenças demoram um período muito acima do que seria razoável e que fazem uma série de exigências que são questionáveis em termos eficiência em garantir a redução de danos. Outro gigantesco problema brasileiro é a incerteza jurídica (conflito de instâncias regulatórias competentes, agentes externos com interesses no licenciamento, notadamente associações e principalmente o Ministério Público, os quais não participam ex ante do processo mas sobre ele agem ex post, etc) na obtenção do licenciamento.
Os custos variáveis são os custos, por exemplo, para cumprir as exigências da legislação, que compreendem, conforme o caso, a compra e manutenção de equipamentos obrigatórios e a remuneração de trabalhadores envolvidos exclusivamente com o cumprimento das regras. Se a estes forem somados os trabalhadores envolvidos no cumprimento de regras tributárias e comerciais, se tem um contingente significativo de trabalhadores envolvidos exclusivamente no cumprimento de regras impostas pelo Estado e alheios ao processo de produção. Quanto maior é esta proporção, maior é a ineficiência das empresas, menor a sua produtividade e, segundo a Teoria Microeconômica, maiores são os seus preços e/ou menores as chances de um investimento ser viável economicamente.
Entretanto, independentemente destes aspectos, o maior problema em relação às licenças prévias é que cada um dos agentes licenciadores tem o poder de veto. Isto significa que cada agente responsável pela licença tem um poder razoavelmente discricionário de decidir se um negócio irá existir ou não. Administrativistas de plantão dirão que licenciamento é ato vinculado, submetido a controle administrativo e judicial. Isto é verdade na teoria, mas na prática há amplo espaço de barganha. Este é um poder de monopólio que abre espaço para a busca por privilégios (rent seeking) e corrupção. Pois, do ponto de vista da firma pode ser mais eficiente (ou seja, chega-se ao fim pretendido com menor custo) pagar por lobby ou corrupção (já considerando as probabilidades de ser pego) do que assumir os custos para cumprir a legislação ou aguardar quase que infinitamente pela licença para iniciar as atividades.
No fundo, o que se tem é uma regulação de conduta que se transforma em uma regulação estrutural, ou seja, agentes estatais passam a decidir quais empresas podem atuar no mercado. Neste contexto, o excesso regulatório, combinado com o poder discricionário dos agentes do Estado leva a um problema que afeta a criação de um mercado competitivo no Brasil, pois corruptos, rent seekers e empresas que optam pela informalidade possuem vantagens significativas em relação as empresas que são obrigadas a cumprir toda a legislação, gerando diferenças significativas de custos que podem implicar na expulsão do mercado daquele que trabalha sem buscar sua ‘renda de privilégio’.
Enfim, na raiz do nosso problema crônico de corrupção e do que se convencionou chamar de capitalismo de Estado, em que alguns grupos são favorecidos em detrimento de outros “não amigos” do partido político no poder, está o excesso de poder e regulação do Estado.
Portanto, se pode concluir que na verdade o consumidor paga um alto custo, invisível para a maioria deles, para ter o direito de consumir um produto “garantido” pelo Estado. Este alto custo invisível está incorporado no preço de cada produto comprado, sendo facilmente observável ao se comparar os preços praticados no Brasil com outros países. Obviamente, a diferença de preços de produtos (notadamente os industrializados) praticados no Brasil decorre não de um fator único, mas pode-se afirmar sem qualquer erro que o custo regulatório é um fator extremamente relevante.
O que pode ser feito para corrigir estas distorções sem diminuir a segurança necessária para os produtos consumidos? Vários caminhos são possíveis, mas o principal é reduzir o poder discricionário dos agentes estatais, a quantidade de regulações impostas e a incerteza jurídica na sua aplicação. Tais objetivos podem ser atingidos, por exemplo:
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<li>Removendo regulações desnecessárias e de eficiência duvidosa e fazendo criteriosamente uma análise de custo e benefício das demais. Ou seja, considerar o trade-off entre os ganhos em termos de perdas esperadas e custos de precaução. Se o custo da precaução é maior do que a perda esperada, então, um nível positivo de acidentes é desejável socialmente. Por exemplo, basta lembrar o caso da obrigatoriedade dos extintores de incêndio em veículos. O custo de ter um extintor em todos os veículos é menor do que os danos gerados pela ausência dele?</li>
<li>Substituindo regulações de conduta por inovações tecnológicas criadas por empresas privadas. Por exemplo, tome-se o caso dos ‘mercados de plataforma’. Os aplicativos de transporte por carros já demonstraram ser muito mais eficientes na regulação da conduta dos motoristas do que qualquer modelo estatal. Parte deste sucesso se deve ao sistema de avaliação em que os próprios consumidores são os responsáveis pela fiscalização do serviço (peer to peer review). Isto reduz significativamente os custos de monitoramento e não deixa qualquer oportunidade para corrupção e atuação de grupos de interesse. Tal modelo pode ser gradativamente implementado conforme as soluções tecnológicas forem surgindo em outros setores. Cabe lembrar que se tratam de empresas preocupadas com sua reputação, de forma que uma conduta indesejada com os seus consumidores pode gerar perdas irrecuperáveis em termos de lucros futuros. Neste sentido, sites de avaliação e reclamações, tais como o Yelp ou o Reclame Aqui podem ser muito mais eficientes na imposição de condutas do que qualquer legislação e fiscalização estatal.</li>
<li>Gerando competição no mercado de licenças. Isto poderia ser feito através de um seguro combinado com responsabilidade direta. A firma poderia escolher entre ter uma licença estatal ou fazer um seguro obrigatório combinado com a responsabilidade de ressarcir integralmente o dano causado a seus consumidores. A indenização do seguro cobriria os gastos com indenizações dos consumidores. Como existe competição no mercado de seguros, as empresas ganham opções de escolha, que combinada com o fim da obrigatoriedade exclusiva da licença estatal praticamente inviabiliza a corrupção. Ademais, neste modelo de competição, há um forte incentivo para as empresas adotarem condutas que reduzem os riscos de ocorrer danos, pois caso não procedam desta forma, terão que pagar um prêmio maior pelo seguro. E caso não sigam as condutas previstas no contrato de seguro, a indenização não será paga pela seguradora. Tais condutas podem ser certificadas por empresas independentes que possuem credibilidade avaliada pelas seguradoras. Logo, diferentemente da certificação estatal, que não está sujeita a qualquer competição e que possui poucos incentivos a ser eficiente, em razão de sua posição inerentemente monopolista, a certificação privada depende de sua capacidade de identificar problemas, o que em um sentido mais amplo, significa que esta tem sua viabilidade econômica e rentabilidade atrelada a sua credibilidade.</li>
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Em suma, é possível afirmar que é necessário rever o arcabouço regulatório no Brasil com o objetivo de melhorar o ambiente de negócios, aumentar a produtividade e gerar uma competição baseada em princípios de eficiência e atendimento às exigências dos consumidores. Uma redução da participação do Estado tanto no processo regulatório quanto no processo de monitoramento (fiscalização) é capaz tanto de atingir estes objetivos quanto reduzir as situações que favorecem a corrupção. Não há como eliminar a corrupção sem que se elimine os incentivos que levam ao surgimento da mesma. Se os incentivos não forem mudados, de pouco servirá este processo de punição à empresários e agentes públicos corruptos pelo qual o país está passando, uma vez que, serão trocados os agentes, mas mantidas as ferramentas que facilitam e incentivam o comportamento corrupto por parte dos mesmos. Serão novos agentes, mesmos incentivos, velhas práticas.

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Regulação da atividade econômica, produtividade e corrupção

O que uma tem a ver com as outras?