Opinião e Análise

Luciano Benetti Timm

<p>Ganhou manchetes a disputa da rede de supermercados Carrefour, a Associação Brasileira de Alimentos e uma série de reguladores da administração pública em razão de um aplicativo de escore nutricional de produtos criado pelo Carrefour.</p>
<p>De um lado, o argumento formulado pela referida Rede de que tal classificação seria favorável aos consumidores, os quais, em virtude desse aplicativo, seriam melhor informados a fim de fazerem melhores escolhas nutricionais; de um outro lado, a crítica à violação das normas sanitárias brasileiras – dado que o sistema do Carrefour estaria adequado à legislação francesa de sua sede, mas não aos padrões desenvolvidos pela Anvisa e que estão em via de serem atualizados após longa consulta pública<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> – e, também, a regras de regulação econômica – tanto do ponto de vista consumerista de induzir o consumidor a erros ou ao consumo de produtos da própria rede, como aspectos concorrenciais, de sorte que a rede Carrefour estaria criando barreiras à entrada a seus concorrentes.</p>
<p><a href="https://www.jota.info/produtos/saude?utm_source=Banner%20site&amp;utm_medium=Artigos&amp;utm_campaign=CTA_Saude_materias"><img class="aligncenter wp-image-292716 size-full" src="https://www.jota.info/wp-content/uploads/2021/01/jota-pro-saude.jpg" alt="" width="688" height="688" /></a>O debate traz questões relevantes do ponto de vista regulatório econômico, que merecem um endereçamento, ainda que a título de reflexão preliminar.</p>
<p>Ora, é verdade que a Constituição Federal e a própria Lei de Liberdade Econômica (LLE) garantem a livre iniciativa ao Carrefour de conduzir sua atividade econômica como bem lhe aprouver; e essa liberdade implica também liberdade publicitária de ofertar os produtos (inclusive os seus) dentro de sua esfera de escolhas; inclusive, valendo-se da retórica que bem lhe aprouver (como o discurso de que tudo isso é feito para o bem dos consumidores).</p>
<p>De outra parte, também não devemos esquecer que essa liberdade encontra limites na própria Constituição Federal – especialmente nos artigos 170 e seguintes, que tratam da ordem econômica – e nas Leis de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC) e na Lei da Concorrência, assim como na própria regulação sanitária promovida pela ANVISA.</p>
<p>Ora, uma rede de supermercados que tenha poder de mercado, pode influenciar os comportamentos dos agentes econômicos no mercado (firmas e consumidores), sem ser necessariamente por eles influenciada ou pressionada.</p>
<p>Qual o controle social e mesmo concorrencial sobre um sistema classificatório nutricional criado por quem tem poder de mercado e, mais, que tem interesse direto no seu resultado? Fosse um sistema de classificação criado por um sistema de autorregulação, com a participação de todos os concorrentes e feito por entidade independente que teria o papel de “certificador” dessa classificação nutricional, outra poderia ser a consequência – mas o próprio Carrefour criar seu sistema, com risco de prejudicar a concorrência e mal informar os consumidores?</p>
<p>Sem falar do risco de confusão aos consumidores. Imagine-se se toda a grande cadeia de supermercados ou de farmácias resolva criar o seu próprio sistema classificatório nutricional, que vá de encontro ao sistema criado pela ANVISA?</p>
<p>A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) interveio e proferiu, corretamente, uma decisão provisória, a fim de obstar a colocação desse sistema nutricional pelo Carrefour e ainda deu notícia ao CADE da prática com potencial anticoncorrencial (processo SEI nº 08084.004271/2021-04). O CADE – que ainda não se debruçou sobre o tema – pode também adotar providências acauteladoras, para evitar os riscos mencionados, sem falar de uma discussão no âmbito da ANVISA.</p>
<p>Infelizmente, a notícia é de que a referida rede preferiu judicializar o tema, discutindo a decisão da Senacon perante o Poder Judiciário (processo n° 1056265-87.2021.4.01.3400). No Brasil, infelizmente, o Poder Judiciário tem sido pouco deferente ao regulador, mas decisão recente do Ministro Fux no STF trouxe à baila a doutrina Chevron (Ag. Reg. no RE 1.083.955-DF, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma), que recomenda muita cautela na intervenção judicial a atos do Poder Executivo e especialmente ao poder regulador que cabe às agências. A Senacon não é, estritamente, uma agência reguladora, mas é um órgão que trabalha com políticas públicas e com regulação do mercado a partir da ótica consumerista.</p>
<p>Conforme o precedente citado, o STF entendeu que a deferência do Judiciário às entidades reguladoras está fundamentada na falta de “expertise” dos Tribunais em matéria regulatória, “que envolvem questões policêntricas e prognósticos especializados”, bem como a “possibilidade de a revisão judicial ensejar efeitos sistêmicos nocivos à coerência e dinâmica regulatória administrativa”. Cabe, assim, a expectativa de que os Juízes tenham a mesma parcimônia, ao apreciar atos da Senacon, pois as avaliações feitas pela Secretaria também abrangem “questões policêntricas”, e a reversão de suas decisões pode também acarretar efeitos sistêmicos prejudiciais à coerência da consecução da política pública consumerista.</p>
<p>A discussão merece amadurecimento de ideias e de dados. Por ora, parece mais cauteloso aguardar o desfecho do caso na Senacon, no CADE e na ANVISA, antes de permitir a criação unilateral de um sistema com muito risco ao mercado.</p>
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<p class="jota-article__reference"><a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a><a href="http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/3882585/Relat%C3%B3rio+de+An%C3%A1lise+das+Contribui%C3%A7%C3%B5es+%28RAC%29+-+CP++707+e+708/9097e99f-4090-4196-8f3a-77d12c0830ad" target="_blank" rel="noopener noreferrer">http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/3882585/Relat%C3%B3rio+de+An%C3%A1lise+das+Contribui%C3%A7%C3%B5es+%28RAC%29+-+CP++707+e+708/9097e99f-4090-4196-8f3a-77d12c0830ad</a></p>


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Polêmica do 'escore nutricional'

Quem tem razão do ponto de vista de regulação econômica?