Opinião e Análise

Anna Lygia C. Rego

Não há exagero em afirmar que, independentemente da indústria ou ambiente de negociação, um reposicionamento ético e estratégico é esperado de todas as empresas: o pacto irrevogável com a sustentabilidade. Para empresas de menor porte, talvez exista alguma margem de discussão quanto às exigências e expectativas, mas o imperativo é, de qualquer modo, muito geral. Como decorrência, muitas das ferramentas analíticas da Análise Econômica do Direito, como o próprio conceito de eficiência econômica, sem calibragem, não serão apropriadas para avaliar corretamente o desempenho e a motivação das empresas no contexto atual. 
Quando se fala na construção de um capitalismo sustentável e de uma economia verde, o chamado comportamental aos setores produtivos da economia é de que a busca pelos objetivos de lucratividade e crescimento ocorra sem comprometimento da possibilidade de geração de riqueza e desenvolvimento de gerações futuras (Brundtland, 1987). Isso implica, entre outras coisas, preservar o meio ambiente, respeitar os direitos humanos e promover o desenvolvimento digno das pessoas.
De fato, desde meados da década passada, o compromisso das empresas com a sustentabilidade em suas mais diferentes dimensões tem se intensificado (vide, por exemplo, a estratégia do Pacto Global das Nações Unidas, 2021-23). Além de não gerar dano ("do no harm") ao meio ambiente humano e não humano, espera-se também do segmento produtivo a promoção de certas pautas de desenvolvimento e de preservação do meio ambiente, especialmente nas áreas em que atuem com relevância. A sustentabilidade como parâmetro pode ter repercussão na forma de seleção de pessoal, escolha de insumos, relação com fornecedores, políticas de retribuição à comunidade de entorno, entre muitas outras decisões. A estrutura analítica de investimentos que premia e avalia esses parâmetros, o chamado <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/esg">ESG</a> (Environmental, Social and Governance) ou ASG é uma das principais inovações financeiras e gerenciais do século. O ESG torna ainda mais perceptível o que se espera e o público-alvo dessa mudança de comportamento: investidores, acionistas, ativistas e consumidores. E tenta, de certo modo, precificar tais esforços rumo a uma economia com propósito.
A cobrança por sustentabilidade está inserida nas discussões atinentes ao denominado de capitalismo de stakeholders, movimento integrado por grandes grupos empresariais, governamentais, acadêmico-científicos e da sociedade civil. Essa concepção de capitalismo estabelece que a empresa deverá pautar a sua atuação considerando o bem-estar ou os valores caros a diversos grupos de interesse (e.g. empregados, clientes, parceiros, comunidade, reguladores entre outros), não se restringindo à maximização de seus resultados e do lucro dos acionistas. 
O potencial impacto da iniciativa é oportuno e evidente e irá exigir apoio e reflexão no campo jurídico para se concretizar. Em particular, a Análise Econômica do Direito (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/aed">AED</a>), muito utilizada em áreas importantes como a defesa da concorrência e direito regulatório, poderá ser fortemente impactada, pois enfrentará uma série de questões analíticas e práticas quanto ao comportamento das firmas. Nesse novo contexto, as unidades produtivas se movem por outros interesses legítimos além da maximização de lucratividade. 
Temas tradicionais da AED, a exemplo dos problemas de agência e conflito de interesses, se transformarão numa teia de complexidades. A inserção de tantos parâmetros como diversidade, bem-estar das comunidades, preservação ambiental, paz e justiça institucionais (apenas para mencionar alguns dos elementos da agenda de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas) transformam o mandato dos administradores das empresas. Essa pluralidade de interesses legítimos relacionados ao capitalismo de stakeholders pode provocar até certa crise na teoria de agência. Isto porque o objeto social da empresa passa incluir uma multiplicidade de interesses nem sempre previsíveis ou quantificáveis. Em casos assim, a conciliação dos interesses entre agente e principal torna-se caótico, ganhando novos cenários de assimetria informacional e oportunidades de captura, que merecerão no mínimo estudo específico.
Outro exemplo é o desafio ao poder preditivo dos modelos utilizados pelo AED para analisar o comportamento das firmas, tradicionalmente construídos a partir de parâmetros simplificadores de rígida racionalidade. Historicamente, as simplificações sempre foram fundamentais à teoria econômica neoclássica, especialmente na microeconomia, buscando oferecer resultados comparáveis e objetivos. Esse tipo de formalização sempre foi importante para tomada de decisão técnica, e na medida do possível, menos opinativa e mais científica. Contudo, a incorporação efetiva dos valores ESG por parte das firmas, pode tornar mais difícil pautar e prever a atuação sem que se revejam os pressupostos de atuação consagrados na teoria de AED. São tantos vetores possíveis de atuação e engajamento que delimitar a racionalidade será cada vez mais difícil.
A própria discussão e fixação do conceito de eficiência econômica, poderá ser colocado em prova. Seria uma empresa lucrativa considerada eficiente economicamente se coloca em risco a própria existência futura e do seu entorno? A perda decorrente da degradação ambiental humana e não humana paras próprias firmas possivelmente não poderá restringir-se ao campo das externalidades e das falhas de mercado. 
Há inúmeros desafios postos à AED, mas parece ser a questão central do debate a constatação de viveremos numa economia inexoravelmente de rede, com interdependência entre os agentes. Nesse contexto, um pacto concreto pela sustentabilidade implica a adoção de princípios altruístas por parte das firmas como colaboração, preservação e interesse intergeracional. Este padrão comportamental pode, se tudo correr bem, desafiar e até mesmo romper certos pressupostos de individualismo metodológico, necessários às ferramentas analíticas mais tradicionais. Talvez uma virada rumo à sustentabilidade demande uma nova abordagem da AED e até mesmo uma nova síntese de seus pressupostos. Em todo caso, se há algo que a Análise Econômica do Direito sabe executar com maestria é a sua própria reinvenção.

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JOTA

Em todo caso, se há algo que a Análise Econômica do Direito sabe executar com maestria é a sua própria reinvenção

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