Opinião e Análise

Fernando Meneguin

Maurício S. Bugarin

Entrou em vigência, no dia 26 de outubro de 2021, a <a href="https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/lei-n-14.230-de-25-de-outubro-de-2021-354623102">Lei nº 14.230/2021</a>, que estabelece novas regras para os processos por improbidade administrativa. Foram feitas alterações à <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8429.htm">Lei nº 8.429</a>, de 1992, em que estão especificadas as condutas dos agentes públicos que devem ser consideradas improbidade administrativa. São elas: obter enriquecimento ilícito; causar prejuízo ao erário e atentar contra os princípios da administração pública.
Entre as principais mudanças empreendidas pela nova norma está o fato de que os agentes públicos só podem ser responsabilizados se agirem com dolo, ou seja, não se enquadram como improbidade administrativa os danos que venham a ser causados sem a intenção de cometer crime, danos gerados por imprudência, imperícia ou negligência. Ressalta-se também a mudança que não permite punição para o agente público em decorrência de ação ou omissão por divergência na interpretação de lei.
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Conforme divulgado na mídia<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a>, especialistas criticam a nova norma por acreditarem que será mais difícil combater irregularidades. Segundo o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Ubiratan Cazetta, é "muito difícil" comprovar a intenção nos casos de improbidade.
Por outro lado, a norma é tida como salutar por dar mais segurança aos gestores públicos, principalmente de pequenas cidades em que não há estrutura à disposição dos prefeitos para se cercarem de exame de regularidade satisfatório sobre seus atos.
Em que pese o debate jurídico, pretende-se neste texto trazer argumentação à luz da Análise Econômica do Direito e da Teoria de Desenhos de Mecanismos.
Primeiramente considere a análise econômica do crime, que ganhou destaque com o prêmio Nobel Gary Becker a partir da publicação de seu trabalho seminal (Becker, 1968)<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>.
Segue dessa teoria que a pena equivale a um preço que se paga pela realização de uma atividade ilegal. Um dos principais pontos da teoria econômica do crime é que o criminoso, quando decide infringir a lei, age de maneira racional, pesando os ganhos oriundos do crime e as possíveis perdas, considerando a probabilidade de ser pego e a sua punição, caso seja.
O custo esperado da prática de um crime é dado pelo produto da severidade da punição e da probabilidade de condenação. Nos casos de improbidade, uma vez que o agente público só passa a ser punido caso se consiga comprovar a intenção da irregularidade, tem-se nitidamente uma diminuição do custo esperado do crime.
Como a corrupção talvez seja a principal prática que se deseja combater com as normas sobre improbidade administrativa, a teoria econômica do crime nos ajuda a verificar a importância de instituições que de fato consigam descobrir e punir condutas desonestas. Dessa maneira, com lastro na teoria econômica do crime, percebemos que a Lei nº 14.230/2021 cria incentivos para mais corrupção.
Mais especificamente direcionado para a análise das instituições nacionais, Bugarin e Meneguin (2016)<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a> discutem, sob a ótica dos Desenhos de Mecanismos, os incentivos à inação, à inovação e à corrupção no serviço público brasileiro. Em nosso arcabouço constitucional, o Princípio da Legalidade estabelece que, enquanto um agente privado pode tomar qualquer decisão que não esteja proibida em lei, um agente público somente pode agir seguindo comportamentos estabelecidos em lei. Dado esse Princípio, um modelo de teoria da decisão sugere que servidores de carreira tendem a não inovar em sua gestão para não serem acusados de comportamento ilícito.
Assim, uma maior flexibilização à atuação do gestor, reduzindo-se a probabilidade de ser punido por sua ação inovadora, pode trazer grandes benefícios à sociedade. Ocorre que essa flexibilização à atuação do gestor também pode estimular servidores que priorizem seu benefício privado, aumentando assim os casos de corrupção.
Esse é o dilema que a nova Lei nº 14.230/2021 apresenta. Ao estabelecer que a responsabilização ocorra somente por dolo, diminuiu-se a probabilidade de identificação de ação irregular por parte do gestor público. Isso pode incrementar a inovação, o que é positivo; no entanto, a queda dessa probabilidade também pode gerar o efeito nefasto de aumento na corrupção.
Ademais, considerando que a inovação em prol do bem-estar social traz exclusivamente um benefício moral, sem aumentar a renda do agente público, enquanto a corrupção, sim, aumenta sua renda, torna-se bastante provável que o incentivo à corrupção, de fato, domine o incentivo à inovação, gerando um resultado líquido negativo para a sociedade.
Mais do que dificultar a punição de qualquer ação de improbidade administrativa, a sociedade brasileira ganharia muito com um mecanismo de premiação de inovações que gerem maior bem-estar social, mantendo-se a severa repressão ao comportamento corrupto, conforme proposto em Bugarin e Meneguin (2016).
Portanto, a análise da nova Lei de Improbidade Administrativa, tanto sob a ótima da Análise Econômica do Crime como sob a perspectiva da Teoria de Desenhos de Mecanismos, sugere que nosso país perdeu mais uma oportunidade de ajustar adequadamente seu arcabouço institucional.
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<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> <a href="https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/10/26/bolsonaro-sancao-lei-de-improbidade-administrativa.ghtml">https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/10/26/bolsonaro-sancao-lei-de-improbidade-administrativa.ghtml</a>
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> Becker, Gary. Crime and Punishment: An Economic Approach. The Journal of Political Economy, v. 76, n. 2, pp. 169-217, Mar./Apr. 1968.
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> Bugarin, Mauricio; Meneguin, Fernando. “<a href="http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&amp;pid=S0101-41612016000100043">Incentivos à Corrupção e à Inação no Serviço Público Federal: Uma análise de desenho de mecanismos</a>”. Estudos Econômicos, 46(1): 43-89, 2016.

lei de improbidade

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JOTA

Brasil perdeu mais uma oportunidade de ajustar adequadamente seu arcabouço institucional

A nova lei de improbidade administrativa e os incentivos à corrupção

Brasil perdeu mais uma oportunidade de ajustar adequadamente seu arcabouço institucional com a nova lei de improbidade administrativa