Opinião e Análise

Luciano Benetti Timm

Maria Carolina França

Raphael Boechat Alves Machado

A Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados (DFPC)<a href="#_ftn1" name="_ftnref1">[1]</a> abriu a Consulta Pública nº 01/2022-DFPC, com o objetivo de alterar as Normas Reguladoras dos Processos de Avaliação de Produtos Controlados pelo Exército (EB20- N-04.003).
Entre os pontos trazidos pelo ato normativo em consulta está estabelecer um real tratamento diferenciado entre os produtos importados e os nacionais. Esta diferença, em especial, consiste na possibilidade de o produto importado não se submeter mais à necessária certificação no Brasil, bastando que o fabricante estrangeiro autodeclare a qualidade de seu produto, ao contrário da indústria nacional, que continuará subordinada a toda a burocracia e custo de certificação no Brasil, ainda que tenha os mesmos certificados emitidos por laboratórios internacionais iguais aos da indústria estrangeira.
A bem da verdade, a indústria estrangeira nunca esteve subordinada ao custo regulatório Brasil, ou, nas palavras da SEAE, ao “fardo regulatório”<a href="#_ftn2" name="_ftnref2">[2]</a>. Isto porque a portaria hoje vigente, nº 189 do Estado Maior do Exército (EME), publicada em 2020, dava à indústria estrangeira um gap de dois anos para não se subordinarem ao “fardo regulatório” (art. 51 e parágrafo único) e com o avizinhar da expiração desta data, surgiu a consulta pública que, se aprovada nos moldes que está, irá estabelecer dois cenários, o fardo regulatório para a indústria nacional e o laissez- fare para os importados.
A alteração do texto esbarra em vícios formais como a Análise de Impacto Regulatório, a <a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13874.htm">Lei de Liberdade Econômica</a> e o Decreto Federal nº 10.411, de 30 de junho de 2020. O art. 5º da Lei de Liberdade Econômica dispõe que:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">Art. 5º  As propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.</blockquote>
Sobre o tema, o <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/tcu">TCU</a> recentemente julgou:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">GRUPO II – CLASSE VII – Plenário TC 021.408/2019-0 [Apenso: TC 012.249/2019-0 e TC 015.453/2020-0]. Natureza: Denúncia. Entidade: Agência Nacional de Transportes Aquaviários. AUSÊNCIA DE ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO (AIR) PREVIAMENTE A EDIÇÃO DE RESOLUÇÃO POR AGÊNCIA REGULADORA. INDÍCIOS DE IRREGULARIDADES NAS FASES PREPARATÓRIAS E PROCEDIMENTAIS DE AUDIÊNCIA PÚBLICA PRÉVIA AO RITO DE MODIFICAÇÃO DE NORMATIVO.</blockquote>
A ausência de AIR e a desobediência a alguns pilares concorrenciais como de isonomia, ampla competitividade, defesa e soberania nacional, efeitos macroeconômicos de licitações e tantos outros temas, parece atrair para este novo ato normativo os reais problemas de uma regulação destemperada, como a instalação da assimetria de informação, do risco moral e do enfraquecimento da indústria de defesa.
Sobre o tema, cita-se a Revista do TCU n° 114, com artigo da autoria do servidor do TCU Alexandre Carlos Leite de Figueiredo:
A teoria aponta dois principais problemas oriundos da informação assimétrica: a seleção adversa e o risco moral. A seleção adversa (adverse selection) decorre do fato de que uma das partes detém informação privada sobre suas características. Do ponto de vista contratual, a seleção adversa pode ser encarada como oriunda de comportamentos oportunistas derivados de assimetria de informações pré-contratuais. Prejudicam a operação das transações antes mesmo do estabelecimento do contrato, pois uma das partes depende de informações relativas à natureza da outra e que nem sempre são fornecidas.
No trabalho “The Failure of Market Failure”, de Richard O. Zerbe Jr. e Howard E. McCurd, estes pontuam que:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">Um problema fundamental com o conceito de falha de mercado, como os economistas ocasionalmente reconhecem, é que ele descreve uma situação que existe em toda parte [Nelson, 1987; Dahlman, 1979]. Embora a onipresença das falhas de mercado pareça bem aceita, as consequências dessa observação não são. Algumas pessoas acreditam que isso condena o conceito como uma ferramenta analítica; outros discordam. Acredita-se que as falhas de mercado ocorram quando o mercado deixa de produzir bens públicos ou, inadvertidamente, produz externalidades, ou dá origem a monopólios naturais, ou priva as partes por meio de assimetrias de informação ou cria distribuições de renda indesejáveis. Todas essas formas são tipos de externalidades, uma vez que cada uma consiste em efeitos não monetários não levados em consideração no processo de tomada de decisão, que é a definição clássica de externalidades [Baumol e Oates, 1975]. Portanto, quando cobramos que o conceito de falha de mercado tem certas deficiências, pretendemos aplicar esta declaração a todas as formas de externalidades, incluindo falhas de não mercado por instituições governamentais.<a href="#_ftn3" name="_ftnref3">[3]</a></blockquote>
A literatura internacional reconhece a existências de falhas de mercado decorrentes da ação/omissão regulatória, citando-se, por exemplo, o prêmio Nobel de Economia George Akerlof<a href="#_ftn4" name="_ftnref4">[4]</a> <a href="#_ftn5" name="_ftnref5">[5]</a>.
Diante dos possíveis e prováveis prejuízos causados à indústria da defesa, é fundamental que a DFPC realize AIR no âmbito da Consulta Pública nº 01/2022-DFPC, a fim de que seja possível verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.
Cumpre ainda destacar que a Lei de Liberdade Econômica estabelece em seu art. 4º o dever da administração pública de evitar o abuso do poder regulatório de maneira a:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">I – criar reserva de mercado ao favorecer, na regulação, grupo econômico, ou profissional, em prejuízo dos demais concorrentes;</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">II – redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado.</blockquote>
A Instrução Normativa SEAE 97/2020, que estabelece o programa Frente Intensiva de Avaliação Regulatória e Concorrencial, responsável pela avaliação, proposição e promoção do estímulo regulatório e concorrencial, esclarece que:
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">Reserva de mercado</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">Art. 4º Pode constituir criação de reserva de mercado, prejudicando o ambiente de concorrência, inclusive potencialmente na forma do inciso I do caput do art. 4º da Lei de Liberdade Econômica, o ato normativo que:</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">II - conceder direitos exclusivos a um grupo, arranjo ou setor de agentes econômicos, ou profissionais, para ofertar bens ou serviços em determinado mercado</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">Enunciados anticoncorrenciais</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">Art. 5º Pode constituir enunciado que impeça a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado, prejudicando o ambiente de concorrência, inclusive potencialmente na forma do inciso II do caput do art. 4º da Lei de Liberdade Econômica, o ato normativo que:</blockquote>
<blockquote class="jota-article__citation" style="padding-left: 60px;">I - diferenciar produtos, serviços, profissionais, empresas ou outros agentes de mercados entre nacionais ou estrangeiros, salvo se expressamente amparado em lei;</blockquote>
Ante o exposto, caso a Consulta Pública nº 01/2022-DFPC altere as Normas Reguladoras dos Processos de Avaliação de Produtos Controlados pelo Exército (EB20- N-04.003) sem a devida análise de impacto regulatório, seus dispositivos certamente configurarão abuso de poder regulatório, diante dos negativos impactos concorrências gerados, passíveis de revisão pelo <a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/ministerio-da-economia">Ministério da Economia</a>.
<hr />
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1">[1]</a> A Diretoria de Fiscalização de Produtos Controlados é o órgão de apoio técnico normativo do Comando Logístico incumbido de fiscalizar, em todo o Brasil, a aquisição "Produtos Controlados pelo Exército"
<a href="#_ftnref2" name="_ftn2">[2]</a> <a href="https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2022/julho/selo-de-qualidade-regulatoria-incentiva-adocao-da-analise-de-impacto-regulatorio">https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/2022/julho/selo-de-qualidade-regulatoria-incentiva-adocao-da-analise-de-impacto-regulatorio</a>
<a href="#_ftnref3" name="_ftn3">[3]</a> A fundamental problem with the concept of market failure, as economists occasionally recognize, is that it describes a situation that exists everywhere [Nelson, 1987; Dahlman, 1979]. While the ubiquity of market failures seems well accepted, the consequences of this observation are not. Some people believe this dooms the concept as an analytical tool; others disagree. Market failures are thought to occur when the market fails to produce public goods, or inadvertently produces externalities, or gives rise to natural monopolies, or disenfranchises parties through information asymmetries, or creates undesirable income distributions. All of these forms are types of externalities, since each consists of nonmonetary effects not taken into account in the decisionmaking process, which is the classic definition of externalities [Baumol and Oates, 1975]. Hence, when we charge that the market failure concept has certain shortcomings, we mean to apply this statement to all forms of externalities including nonmarket failures by governmental institutions
<a href="#_ftnref4" name="_ftn4">[4]</a> Existem muitos mercados nos quais os compradores usam algumas estatísticas de mercado para julgar a qualidade das compras em potencial. Nesse caso, há incentivo para que os vendedores comercializem mercadorias de baixa qualidade, uma vez que os retornos de boa qualidade são atribuídos principalmente a todo o grupo cuja estatística é afetada, e não ao vendedor individual. Como resultado, tende a haver uma redução na qualidade média dos produtos e também no tamanho do mercado. Também deve ser percebido que nesses mercados os retornos sociais e privados são diferentes e, portanto, em alguns casos, a intervenção governamental pode aumentar o bem-estar de todas as partes. Ou podem surgir instituições privadas para tirar vantagem dos aumentos potenciais no bem-estar que podem advir para todas as partes. Por natureza, no entanto, essas instituições são não-anatomistas e, portanto, concentrações de poder - com suas próprias consequências nocivas - podem se desenvolver.
<a href="#_ftnref5" name="_ftn5">[5]</a> Um carro novo pode ser um bom carro ou um limão, e é claro que o mesmo se aplica aos carros usados. Os indivíduos nesse mercado compram um automóvel novo sem saber se o carro que compram é bom ou um limão. Mas eles sabem que com probabilidade q é um bom carro e com probabilidade (1-q) é um limão; por suposição, q é a proporção de carros bons produzidos e (1 - q) é a proporção de limões. Depois de possuir um carro específico, entretanto, por um período de tempo, o proprietário do carro pode ter uma boa idéia da qualidade dessa máquina; ou seja, o proprietário atribui uma nova probabilidade ao evento de que seu carro é um limão. Esta estimativa é mais precisa do que a estimativa original. Desenvolveu-se uma assimetria nas informações disponíveis: pois os vendedores agora têm mais conhecimento sobre a qualidade de um carro do que os compradores. Mas carros bons e carros ruins ainda devem ser vendidos pelo mesmo preço - visto que é impossível para um comprador dizer a diferença entre um carro bom e um carro ruim. É evidente que um carro usado não pode ter a mesma avaliação de um carro novo - se tivesse a mesma avaliação, seria claramente vantajoso negociar um limão ao preço de um carro novo e comprar outro carro novo, por maior probabilidade q de ser bom e menor probabilidade de ser mau. Assim, o dono de uma boa máquina deve ser aprisionado. Não só é verdade que ele não pode receber o valor verdadeiro de seu carro, mas também não pode obter o valor esperado de um carro novo. A lei de Gresham fez um reaparecimento modificado. Pois a maioria dos carros negociados serão os "limões", e carros bons podem nem mesmo ser negociados. Os carros "ruins" tendem a expulsar os bons (em grande parte da mesma forma que o dinheiro ruim expulsa o bom). Mas a analogia com a lei de Gresham não é completa: carros ruins expulsam os bons porque são vendidos pelo mesmo preço que carros bons; da mesma forma, o dinheiro ruim expulsa o bom porque a taxa de câmbio é uniforme. Mas os carros ruins são vendidos pelo mesmo preço dos carros bons, uma vez que é impossível para um comprador distinguir entre um carro bom e um carro ruim; apenas o vendedor sabe. Na lei de Gresham, entretanto, presumivelmente, tanto o comprador quanto o vendedor podem dizer a diferença entre dinheiro bom e dinheiro ruim. Portanto, a analogia é instrutiva, mas não completa.
<a href="#_ftnref1" name="_ftn1"></a>

Cerimônia comemorativa do Dia do Exército

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JOTA

Sem AIR, dispositivos de ato do Exército configurarão abuso de poder regulatório

Nova consulta pública e velhos erros regulatórios

DFPC abriu consulta pública para mudar Normas Reguladoras dos Processos de Avaliação de Produtos Controlados pelo Exército. Clique para ler.