Opinião e Análise

Gustavo Miró

O ano de 2024 ficará marcado por importantes avanços quanto aos direitos parentais de casais homoafetivos.
No mês de março, o plenário do Supremo Tribunal Federal (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/STF">STF</a>) decidiu que a mãe não gestante de uma relação homoafetiva tem direito à licença-maternidade. Entretanto, se a outra companheira (gestante) for se utilizar deste benefício, deve ser concedido à mãe não gestante licença pelo período equivalente ao da licença-paternidade.
Um mês depois, a Resolução 556 do Conselho Nacional de Justiça (<a href="https://www.jota.info/tudo-sobre/cnj">CNJ</a>) alterou o art. 8-B da Resolução 321/2020 do CNJ, que passou a prever a um dos pais, ou a uma das mães, de uma união estável homoafetiva, o direito à licença-maternidade, enquanto o(a) outro(a) parceiro(a) teria direito ao benefício da licença-paternidade.
Essas alterações reduziram certa insegurança jurídica que existia quando um casal homoafetivo tinha filhos e não sabia qual benefício/licença teria direito. Enquanto a licença-maternidade tem duração legal de 120 dias (180 dias para empresas inscritas no Programa Empresa Cidadã) e o salário-maternidade é bancado pelo INSS, a licença-paternidade tem duração de apenas 5 dias (20 dias para empresas do Programa Empresa Cidadã) e esse afastamento é bancado pelo próprio empregador.
A diferença de dias de afastamento do trabalho que a legislação mantém, entre homens e mulheres, foi o que causou diversas demandas judiciais e o que levou o STF e o CNJ a decidirem sobre os direitos trabalhistas de pais e mães da comunidade LGBT+. Isso demonstra que o Legislativo não tem acompanhado com eficiência as mudanças na sociedade, até porque o número de casais formados por dois pais ou duas mães é cada vez maior no país.
Apesar desses avanços trazidos pelo Judiciário, um casal heteroafetivo ainda não tem a possibilidade de escolher quem ficará com a maior licença e quem ficará com a menor para cuidar da criança recém-nascida ou adotada. Quando o núcleo familiar for formado por um pai e uma mãe, o pai receberá a licença-paternidade e a mãe receberá a licença-maternidade.
Acontece que isso também tem causado desigualdade e exclusão. Um estudo da EPGE-FGV, de 2017, demonstrou que cerca de 50% das mulheres perdem o emprego, involuntariamente, em até dois anos depois do fim da estabilidade garantida pela licença-maternidade. O estudo foi realizado com 247 mil mulheres, entre idades de 25 a 35 anos. 
Os resultados apresentados pela pesquisa podem explicar por que um levantamento do site Empregos.com.br, que ouviu 610 profissionais do gênero feminino em 2022, demonstrou que 35,9% das mulheres têm medo de engravidar e perder o emprego. 
Esses números refletem tanto o machismo estrutural da sociedade, quanto o fato de a licença-maternidade ser, infelizmente, uma das causadoras da demissão de mulheres. Isso ocorre porque, apesar do salário desse período de licença ser bancado pelo INSS (portanto, não pela empresa), o fato da beneficiária ficar 120 dias fora do trabalho (no mínimo), faz com que os empregadores tenham que treinar e contratar uma mão de obra substituta para cobrir a empregada que está de licença, gerando custos adicionais que eles não possuem com os homens.
É por essa razão que o Poder Público, a fim de atender as novas demandas da sociedade e criar os incentivos corretos, sem causar desigualdade e exclusão, deve reformar a atual legislação trabalhista para equiparar as licenças maternidade e paternidade. Ou melhor, criar apenas uma licença-parental, que seja igual para todos os pais e mães – de casais heteroafetivos e homoafetivos.
No âmbito do Legislativo, uma proposta com o objetivo de incentivar o fim da desigualdade entre homens e mulheres na prestação de cuidados devidos aos filhos, do senador Jorge Kajuru (PSB-GO), prevê a equiparação dos dias da licença-paternidade com o da licença-maternidade, em 120 dias. Para não onerar o empregador enquanto o pai está de licença, o <a href="https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/158967">PL 3773/2023</a> ainda prevê a criação do salário-paternidade, a ser financiado pelo INSS, também nos mesmos termos que o salário-maternidade. 
Outra novidade deste PL é a possibilidade de permuta, entre o pai e a mãe, das licenças. Ou seja, permitir que os pais possam compartilhar, da maneira considerada mais apropriada para cada um deles, o tempo das licenças, inclusive podendo as usufruir de modo concomitante. Para Kajuru, “a grande quantidade de famílias sustentadas e cuidadas exclusivamente pelas mães pode indicar a falta de responsabilização dos homens sobre seus filhos. Sem a regulamentação da licença-paternidade, é como se os parlamentares estivessem concordando com esse tipo de atitude".
O PL do senador Kajuru ainda não cria o termo “licença parental”, mas já equipara os dias das duas licenças e permite uma maior autonomia do casal em determinar quem ficará mais com a criança – o que já demonstra um importante avanço social. Com o tempo, as demissões das mães e o medo das mulheres de engravidarem e perderem o emprego podem inclusive reduzir com essa medida de equiparação. 
Obviamente, com a extensão deste benefício – que é financiado pelo INSS – aos homens de um casal heteronormativo e aos dois membros do casal homoafetivo, deve-se aumentar o déficit (já elevado) da Previdência Social, que em 2023 atingiu R$ 306 bilhões.
Por esse motivo, apesar da necessidade de equiparação, entre homens e mulheres, do direito a uma licença-parental, a fim de equiparar também as obrigações de ambos com os filhos, o Poder Público não pode se esquecer de calcular os impactos financeiros dessas alterações. É importante que técnicos, antes de tudo, demonstrem a viabilidade econômico-financeira da proposta.
Contudo, as recentes decisões do STF e do CNJ, bem como o PL 3773, demonstram que, ao menos, estamos caminhando para uma sociedade menos excludente com relação às mulheres e à comunidade LGBT+, o que pode trazer frutos para o mercado de trabalho e para toda a sociedade.

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JOTA

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