Opinião e Análise

Luciana Yeung

Luciano Benetti Timm

Flavia Araújo

Entidades associativas de fachada com foco de atuação no Piauí, em Pernambuco e na Paraíba – e que já atuaram em outros estados da Federação brasileira – têm conseguido, por meio de decisões judiciais liminares favoráveis, promover uma “indústria de limpeza do nome” em órgãos privados de birôs de crédito com efeitos nefastos no mercado.
As liminares concedidas têm obrigado essas empresas a excluírem de seus cadastros rol de inadimplentes representados por essas associações enquanto se discute o mérito das dívidas e, nesse período, pessoas que não deveriam estar recebendo crédito acabam obtendo financiamentos indevidamente e causando um aumento dos juros e falhas informacionais.
É verdade que todos têm acesso à justiça e ela deve estar disponível a todos que dela necessitarem. Está se tratando aqui de outra coisa, muito pontual e que merece estudo atento da área estratégica dos Tribunais de Justiça. Está se falando de pequenos grupos que promovem uma litigância predatória em detrimento da coletividade (especialmente consumidores de crédito e contribuintes que subsidiam o sistema público de justiça).
Essa localizada e pontual indústria de liminares pode trazer uma série de impactos negativos tanto em termos jurídicos como sociais e econômicos. Diante disso, torna-se relevante verificar quais os impactos de tais decisões no aumento de risco, no custo do crédito aos consumidores finais e no próprio incentivo à judicialização predatória e oportunista a entidades associativas de fachada, ao se concederem essas decisões provisórias, especialmente a fim de que não se tornem irreversíveis quando do julgamento do mérito – afinal, é dever do Poder Judiciário proteger também a exequibilidade futura de uma decisão que vá de encontro ao provimento cautelar (daí muitas vez a exigência de caução).
Além disso, é necessário verificar quais os impactos de tais decisões judiciais na estrutura de incentivos à criação de organizações associativas desprovidas de real interesse social e público.
As entidades que estão sendo diretamente afetadas por essas liminares fazem parte da Associação Nacional dos Birôs de Crédito (ANBC). São empresas que atuam na compilação de dados creditícios e estabelecem um score de crédito, no sentido de aproximar tomadores e concedentes de crédito. As atuações dessas empresas são fundamentais para o adequado funcionamento do mercado de crédito.
Essas empresas possibilitam a diminuição de uma falha de mercado denominada de assimetria informacional, de modo que o custo de transação de operar no mercado de crédito seja reduzido, gerando menor “preço” (juros) ao consumidor final. Além disso, as suas ações tornam possível proteger os próprios inadimplentes de se endividarem além de sua capacidade, conforme exigência da Lei de Proteção contra o Superendividamento (<a href="http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14181.htm">Lei 14.181/2021</a>). Elas promovem, portanto, a diminuição do risco e do custo do crédito para todos os elos da cadeia.
Para avaliar os impactos dessa indústria de liminares, é imprescindível o uso dos fundamentos da escola jurídica da AED (Análise Econômica do Direito). A atividade jurisdicional tem o papel de criação de incentivos na sociedade. Uma decisão judicial bem intencionada – inclusive provisória –, mas desprovida de mensuração de suas consequências, pode causar insegurança jurídica e afetar a sociedade.
As decisões judiciais também servem de paradigma para o comportamento processual dos litigantes e até mesmo para todo o mercado, afetando a precificação dos ativos, o investimento privado, os custos de transação e a assimetria de informação e, assim, a eficiência social e econômica. Utilizando-se desses fundamentos de análise, é possível destacar alguns principais efeitos da indústria de liminares no mercado de crédito:
<ul>
<li>Criação de um cenário de incertezas econômicas e jurídicas para as empresas associadas ao mercado de crédito no Brasil;</li>
<li>Geração de benefícios para os devedores inadimplentes e para os dirigentes e advogados das entidades associativas de fachada que pleiteiam a “limpeza de nome” em detrimento de toda a coletividade;</li>
<li>Incentivo a associações de fachada a promoverem ações judiciais predatórias;</li>
<li>Geração de um efeito em cascata em razão das alterações das “regras do jogo” que favorecem comportamentos oportunistas no mercado e prejudiciais ao bem comum;</li>
<li>Tendo em vista que o mercado de crédito se constitui em locus de atividade de alto risco, se o Judiciário não é capaz de garantir o cumprimento dos contratos, os ofertantes de crédito não conseguem amenizar o ambiente de risco e incertezas;</li>
<li>O nível de atividade econômica tende a ser sub-ótimo, em decorrência de forte presença de falhas mercado;</li>
<li>Aumento da assimetria de informação e da seleção adversa, elevando o risco e o custo de concessão de crédito, de forma a gerar maiores taxas de juros e a reduzir a oferta de crédito.</li>
</ul>
A inadimplência é um dos principais componentes do spread bancário. De acordo com o Relatório de Economia Bancária (2020), publicado pelo Banco Central, a inadimplência corresponde ao principal fator da decomposição do spread do Indicador de Custo do Crédito (ICC). Ela representa 31,9% do spread. Ao beneficiar os devedores inadimplentes, a indústria de liminares tende a favorecer o aumento dos juros bancários. Ao tornar o crédito mais caro, os agentes econômicos têm menor possibilidade de acessar os recursos creditícios e toda economia é prejudicada.
Cabe destacar, por fim, que a atuação dessas entidades de fachada têm sido principalmente em estados cujas taxas de inadimplência são bem mais elevadas do que a média nacional. Segundo o Banco Central, as taxas de inadimplência relativas às operações de crédito para pessoa física em Pernambuco, na Paraíba e no Piauí estão em torno de 4,3%, 3,6% e 3,4%, respectivamente, enquanto a média do Brasil é de 2,9%. Diante disso, torna-se ainda mais urgente que sejam tomadas as devidas medidas no combate a essa indústria de liminares. O Judiciário deve estar atento, especialmente os Tribunais de Justiça dos estados.

Economia, Moeda Real,Dinheiro, Calculadora

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JOTA

Liminares têm obrigado empresas a excluírem rol de inadimplentes representados por entidades de fachada

Efeitos deletérios da &#8216;indústria de limpeza de nomes&#8217; no mercado de crédito

Efeitos deletérios da 'indústria de limpeza de nomes' no mercado de crédito

Liminares têm obrigado empresas a excluírem rol de inadimplentes representados por entidades de fachada em uma indústria de limpeza de nomes